Jornadas de Estudo
Do Primeiro Anúncio ao Discipulado Missionário na América e Caribe
Los Teques - Caracas (Venezuela) 20 – 25 de novembro de 2013
Objetivo Geral
As Jornadas de estudo buscam promover o diálogo em vista de uma reflexão mais profunda e contextualizada sobre a importância do Primeiro Anúncio na América e Caribe para melhor compreender os desafios e descobrir novas intuições e perspectivas, em vista de uma renovada práxis missionária.
Programa e Horário das Jornadas de Estudo
Chegada Recepção e Introdução (20 de novembro)
Parte I. Análise da Situação (21 de novembro)
Parte II. Estudo e Reflexão (21-23 de novembro)
Parte III. Formulação das Conclusões (24 de novembro)
Viagem Para Coro e Maracaibo (25 de novembro)
20novembro
17.00 Saudação inicial: Inspetor SDB e Inspetora FMA
Apresentação dos facilitadores e participantes
Apresentação dos responsáveis pela logística (P. Raúl Biord e Ir. Isabel Madrid)
Apresentação do programa e do horário das Jornadas de Estudo (“Síntese do
dia”)
Saudação: P. Václav Klement e Ir. Alaíde Deretti
19.00 Jantar
20.30 Introdução à Reflexão Bíblica (Ir. Maria Ko FMA)
Parte I. Análise da Situação
21novembro Animação Litúrgica - Venezuela
7.00 Reflexão Bíblica - (Ir. Maria Ko FMA)
7.30 Eucaristia (Inspetor VEN) com Laudes
9.00 Apresentação do dia
Moderador: P. Alfred Maravilla
Uma visão panorâmica sobre o tema das Jornadas de Estudo (2010 -
hoje)
9.15 Síntese da Análise da Realidade
Ir. Ana María Fernández FMA e P. Rafael Andrés Borges SDB
Diálogo com os palestrantes
Estudo pessoal da síntese
10.45 Intervalo
11.15 Partilha em grupos segundo os contextos (afro-americano, indígena, urbano/meios populares, mobilidade humana) sobre a análise da situação: o que você gostaria de acrescentar ou destacar na síntese da análise da realidade? (cada grupo entrega aos facilitadores uma cópia digital dos debates)
12.15 O que é o Primeiro Anúncio?
(P. Alfred Maravilla)
Diálogo com o palestrante
13.00 Almoço
15.00 Palestra: «Os desafios do sincretismo religioso para o Primeiro
Anúncio» - Dr. Enrique Alí González (Venezuela)
16.30 Resposta à palestra: Consequências para a missão salesiana
P. Javier Peralta SDB
16.45 Intervalo
17.15* Diálogo com os palestrantes
17.45 Partilha em grupos segundo os contextos (afro-americano, indígena, urbano/meios
populares, mobilidade humana): discutir a aplicação da reflexão no próprio
contexto: Desafios, oportunidades e novas intuições (cada grupo entrega aos
facilitadores uma cópia digital dos debates)
18.45 Partilha de experiências de primeiro anúncio – Ir. Graciela Fernández FMA
19.00 Jantar
20.30 Síntese do dia
Boa Noite – Ir. Alaíde Deretti FMA
Oração conclusiva
(Reunião da Secretaria)
* Resposta à palestra/Diálogo com os dois palestrantes OU Trabalho de grupo/assembleia/conclusões: Dr. Enrique Alí González
Parte II. Estudo e Reflexão
22 novembro Animação Litúrgica - Brasil
7.00 Reflexão Bíblica - (Ir. Maria Ko FMA)
7.30 Eucaristia (P. ___) com Laudes
8.15 Café da manhã
9.00 Intuições emergentes nos debates de ontem
Ir. Ana María Fernández FMA e P. Rafael Andrés Borges SDB
Apresentação do dia
Moderadora: Ir. Maike Loes
10.45 Resposta à palestra: Consequências para a missão salesiana
Ir. Doris Elena Gonzáles Tapia FMA
11.00 Intervalo
11.30 Diálogo com os palestrantes
12.00 Partilha em grupos segundo os contextos (afro-americano, indígena, urbano /meios populares, mobilidade humana): discutir a aplicação da reflexão no próprio contexto: Desafios, oportunidades e novas intuições.
13.00 Almoço
Momento Cultural (Colégio Maria Auxiliadora - FMA Caracas)
15.00 Continuação dos trabalhos em grupo
15.45 Assembleia / apresentação do relatório de cada grupo
16.15 Intervalo
16.45 Conclusões do palestrante P. Attilio Ignacio Hartmann
17.15 Partilha de experiências de Primeiro Anúncio
P. Justino Sarmento Rezende SDB - Ir. María Alma Patricia Aguilar Maltez FMA
17.45 Intuições emergentes nos debates de hoje
Ir. Ana María Fernández FMA e P. Rafael Andrés Borges SDB
19.00 Jantar
20.30 Síntese do dia
Boa Noite - Dom Vittorio Pavanello SDB
Oração conclusiva
(Reunião da secretaria)
23 novembro Animação Litúrgica – Cone Sul
7.00 Reflexão Bíblica - (Ir. María Ko FMA)
7.30 Eucaristia (P. ___) com Laudes
8.15 Café da manhã
9.00 Apresentação do dia
Moderador: P. Alfred Maravilla
9.30 Palestra: «Do Primeiro Anúncio à Educação da Fé» - Padre Antonio Arocha
(Venezuela)
10.30 Resposta à palestra: Consequências para a missão salesiana
Ir. Nancy Venegas Aponte FMA
10.45 Intervalo
11.15 Diálogo com os palestrantes
12.00 Partilha em grupos segundo os contextos (afro-americano, indígena, urbano / meios populares, mobilidade humana): discutir a aplicação da reflexão no próprio contexto: Desafios, oportunidades e novas intuições.
13.00 Almoço
15.00 Assembleia / Apresentação do relatório de cada grupo
15.30 Encontro separado SDB - FMA
17.00 Intervalo
17.30 Partilha de experiências de Primeiro Anúncio - Juan Carlos Montenegro
17.45 Intuições emergentes nos debates de hoje
Ir. Ana María Fernández FMA e P. Rafael Andrés Borges SDB
19.00 Jantar
20.30 Síntese do dia
Boa Noite FMA
Oração conclusiva
(Reunião da secretaria)
21.00/22.00 Festa! - Venezuela y Caribe
(Por favor, preparar um número)
Parte III. Formulação das Conclusões
24 novembro Animação Litúrgica – Região Andina
Cristo Rei – Conclusão do Ano da Fé
7.00 Reflexão Bíblica - (Ir. Maria Ko FMA)
7.30 Laudes
7.50 Café da manhã
8.30 Apresentação do dia
Moderadora: Ir. Maike Loes
9.00 Palestra: «As Oportunidades do Primeiro Anúncio no Ambiente
Salesiano» - Ir. Gloria García Pereira FMA (Colômbia)
10.00 Resposta à palestra: Consequências para a missão salesiana
P. Segundo Honorio Caucamán SDB
10.15 Diálogo com os palestrantes
10.30 Intervalo
10.50 Perspectivas que surgiram durante estas Jornadas de Estudo em vista de uma renovada práxis missionária.
Ir. Ana María Fernández FMA e P. Rafael Andrés Borges SDB
12.00 Informações práticas: CAM 4 e COMLA 9
12.30 Almoço
14.30 Encontro separado SDB e FMA
16.30 Intervalo
17.00 Assembleia geral: apresentação das reflexões SDB e FMA
Conclusão: P. Václav Klement e Ir. Alaíde Deretti
18.00 Eucaristia conclusiva (P. Václav Klement SDB)
19.00 Jantar
25 novembro Animação Litúrgica - América Central e América do Norte
6.30 Eucaristia (P. ___) com Laudes
Café da manhã
Viagem para Coro e Maracaibo
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Jornadas de Estudo:
do Primeiro Anúncio ao Discipulado Missionário
na América e no Caribe
P. Václav Klement, SDB
Conselheiro para as missões
Caracas, Venezuela
20 de novembro de 2013
Caríssimos irmãos e irmãs em Dom Bosco. Venho de Roma, ao final de um sexênio, depois de ter visitado quase todas as Inspetorias da América (exceto ARN e BPA). Ainda neste último ano, antes do CG27, pude compartilhar a paixão missionária com os irmãos próximos à fronteira USA-México (março) e na região andina – amazônica do Peru, Bolívia e Colômbia (julho-agosto). Depois da minha primeira vista à América (CAM 3) em Quito, agosto de 2008, também a última visita à América é feita segundo a marca do CAM 4 aqui na Venezuela.
Trago-lhes, primeiramente, uma cordial saudação e bênção do Pai da Família Salesiana, P. Pascual Chávez Villanueva. O Reitor-Mor, como participante da assembleia do CELAM em 2007 em Aparecida, transmitiu-nos de várias maneiras e em várias ocasiões o espírito da missão continental que queremos reviver também aqui em Caracas.
À distância de oito meses desde a eleição do primeiro Papa Latino-Americano, cardeal Jorge Mario Bergoglio, a Igreja pode experimentar no mundo todo o espírito missionário da Igreja da América. O documento de Aparecida, convite à missão continental deste continente, é entregue no Vaticano aos vários chefes de Estado como presente, e também como paradigma do caminho dos ‘discípulos e missionários’, que está se tornando parte da cultura missionária no mundo todo. O convite do Papa Francisco para ‘sair pelas estradas do mundo’ ou ‘sair de nós mesmos para as periferias’ faz-nos muito bem.
Viver como Cristão - Católico na América no século XXI é uma grande graça de Deus. As comunidades de base da América contribuem em muitos sentidos para o crescimento da Igreja Católica. A paixão pela Palavra de Deus, a grande presença entre os pobres, a fé e a missionariedade dos leigos da América são uma contribuição para todos os continentes!
Somos chamados, nestes dias a redescobrir as dinâmicas do Primeiro Anúncio de Jesus Cristo. Este é o primeiro passo do itinerário de fé para toda a vida, ao qual a Congregação Salesiana inteira quis dar atenção no Ano da Fé com a JMS 2013 (O itinerário da fé na África).
Após meses de preparação, estamos agora juntos em Caracas: Salesianos de Dom Bosco e Filhas de Maria Auxiliadora da maior parte das Inspetorias americanas.
Este já é, ao menos, o décimo evento comum de ‘Formação missionária’ nos últimos vinte anos. Na América (antes dos outros continentes!) os Salesianos têm-se reunido, desde 1973 (Quito, Centro Regional de Formação Permanente) para a formação, reflexão e animação da dimensão missionária. Depois do CG26 dos Salesianos e CG22 das Salesianas (2008), esta oportunidade é chamada de ‘Jornadas de Estudo’ e a finalidade não é tanto a formação de muitos missionários, mas a ocasião de refletir mais profundamente sobre as dinâmicas da missão evangelizadora no contexto das regiões salesianas.
As Jornadas de Estudo de Caracas são o último evento conjunto SDB e FMA no campo missionário do sexênio 2008-2014, portanto também o evento de melhor qualidade, mais maduro e mais bem preparado. Aqui podemos contar com a vantagem da experiência acumulada nos cinco anos passados nos outros continentes.
Além disso, o Magistério cotidiano do Papa Francisco ajuda-nos a caminhar com segurança. Não por acaso, em sua entrevista à Civiltà Cattolica, publicada em 19 de setembro de 2013, Francisco sublinha muitíssimo a importância do Primeiro Anúncio de Cristo na vida da Igreja!
Aprofundar o tema do Primeiro Anúncio de Jesus Cristo significa, para nós Salesianos, questionar a ação missionária da Igreja e da Congregação. É um elemento estratégico do itinerário de evangelização e educação. No início das Jornadas, quero convidá-los a considerar alguns elementos importantes:
Entrego as Jornadas a Maria, Mãe da Igreja e Auxiliadora dos Cristãos, que está sempre presente entre os discípulos de Jesus desde os tempos do primeiro Pentecostes.
Rezemos juntos:
Maria, Mãe da Igreja
Nós te agradecemos pelo teu Sim a Deus, pelo teu itinerário de fé
de primeira discípula e missionária de Jesus.
Queremos viver na comunhão com os discípulos do teu Filho Jesus,
com a Igreja a caminho, para levar o Evangelho a todos os povos.
Maria, ensina-nos a coragem de falar do mundo e dos jovens a Jesus
e de Jesus ao mundo e aos jovens!
Maria, ajuda-nos a seguir Dom Bosco, narrador incansável,
para compartilhar em nossas comunidades, com os jovens,
a experiência do nosso encontro com Jesus, em humildade, paciência e coragem.
Amém.
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ESP - Jornada missionária salesiana 2012
Maria, Mãe da Igreja
nós te damos graças pelo teu sim a Deus, pelo teu caminho de fé
como primeira discípula e missionária de Jesus.
Queremos viver em comunhão com os discípulos de teu Filho Jesus,
com a Igreja a caminho, para levar o evangelho a todos os povos.
Maria, infunde-nos o ânimo de falar do mundo e dos jovens a Jesus,
e de Jesus ao mundo e aos jovens!
Maria, ajuda-nos a seguir Dom Bosco, narrador incansável,
para compartilhar em nossas comunidades, com os jovens,
a experiência do nosso encontro com Jesus, em humildade,
paciência e coragem.
Amém.
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Uma Visão Panorâmica das Jornadas de Estudo: de Praga a Caracas
P. Alfred Maravilla, SDB
O papa João Paulo II na encíclica Redemptoris Missio insiste que o primeiro anúncio “é a prioridade permanente na missão” e “tem um papel central e insubstituível” na missão da Igreja, porque “todas as formas da atividade missionária são dirigidas a este anúncio” (n. 44). Assim, durante este sexênio, o Dicastério para as Missões SDB e o Âmbito das missões ad/inter gentes FMA optaram por promover uma reflexão mais profunda sobre o primeiro anúncio, através das Jornadas de Estudo nas várias regiões das nossas Congregações.
Esta opção revelou-se providencial e extremamente relevante: em abril de 2010, o Reitor-Mor convidou os Salesianos a refletirem sobre a “necessidade do primeiro anúncio ou do anúncio renovado do Evangelho” de modo que a nossa pastoral juvenil se torne sempre mais missionária (A Pastoral Juvenil Salesiana, 2,3. ACG 407).O cardeal Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, explicou que a Propaganda Fide celebrará o próximo Ano da Fé a partir do ponto de vista do primeiro anúncio (30 Giorni, maio de 2012). Igualmente, o Sínodo sobre a Nova Evangelização (7-28 de outubro de 2012) insistiu sobre a importância do Primeiro Anúncio.
A primeira da série de jornadas de estudo foi sobre a Missão Salesiana em Situação de Fronteira e de Primeiro Anúncio na Europa (Praga, 4-10 de novembro de 2010). A apresentação de Ubaldo Montisci foi decisiva para ajudar a entender que dos vários termos usados nos documentos eclesiais (primeira evangelização, pré-evangelização, pregação missionária, kerygma, anúncio renovado, primeiro anúncio, a nova evangelização) prefere-se o primeiro anúncio, sobretudo quando se refere não só aos contextos que eram considerados tradicionalmente ad gentes, mas também aos contextos nos quais há abandono da fé ou nos quais a fé é vivida de modo habitudinário.
Durante as Jornadas de Estudo sobre a Missão Salesiana e o Primeiro Anúncio de Cristo no tríplice contexto da Ásia Sul (Kolkata, 7-11 de agosto de 2011) e A Missão Salesiana e o Primeiro Anúncio de Cristo no Tríplice Contexto da Ásia Leste (Sampran, 14-18 de agosto de 2011) as discussões levaram à mais profunda reflexão sobre a necessidade de ver o primeiro anúncio à luz do tríplice contexto da Ásia: culturas ricas, religiões antigas e pobreza opressora (FABC 1, Evangelização na Ásia Hoje). Num contexto no qual a maior parte dos jovens de nossas obras educativas são seguidores de outras religiões e são os mais pobres, o diálogo da vida, a promoção humana e o desenvolvimento mediante programas de sensibilização e trabalho pelos jovens em situação de risco tornam-se ocasiões importantes do primeiro anúncio. Isso é visto como o início do processo de evangelização integral. Na Ásia Leste discutiu-se sobre a necessidade de compreender melhor as religiões tradicionais, as principais religiões do leste asiático, como o budismo e confucionismo, e também as várias culturas. Nesse contexto, a narração foi considerada como um modo de introduzir aos poucos as pessoas no mistério de Cristo (Ecclesia in Asia, 20) que é, ao mesmo tempo, respeitoso da sua liberdade de consciência.
Na Oceania, as Jornadas de Estudo sobre a Missão Salesiana e o Primeiro Anúncio de Cristo na Oceania no Contexto das Religiões e Culturas Tradicionais e Culturas em Processo de Secularização (Port Moresby, 21-25 de agosto de 2011) refletiram sobre o desafio da nova evangelização no contexto das religiões e culturas tradicionais, como também sobre o moderno processo de secularização em ato na Austrália e Nova Zelândia, que se transmite também a outros países através das mídias. Estas, certamente apresentam grandes desafios, mas também abrem novos horizontes (Ecclesia in Oceania, 17, 20).
Inicialmente, as discussões centravam-se na questão sobre o tema do primeiro anúncio, se ele é pertinente na Oceania, onde a grande maioria é de cristãos batizados. A apresentação dos relatores e uma mais profunda reflexão demonstraram que no batismo a criança recebeu o habitus da fé (a capacidade de crer), mas não o ato pessoal de fé (o firme empenho de orientar a própria vida segundo o Evangelho de Jesus Cristo). Contudo, no contexto das sociedades tradicionais e das culturas secularizadas da Oceania de hoje, o primeiro anúncio que uma criança recebe na família, muitas vezes, não é suficiente para ser o fundamento de uma fé robusta. Sem essa conversão inicial e fé pessoal inicial, a catequese corre o risco de ser estéril. Com esta iluminação, também os católicos da Oceania que frequentam as nossas paróquias e as aulas de religião de nossas escolas como também os outros cristãos que frequentam os nossos centros juvenis, precisam do primeiro anúncio do Evangelho para desenvolver a própria fé e a adesão pessoal a Cristo. É essencial, portanto, redescobrir a importância do primeiro anúncio como o primeiro e necessário passo para uma nova evangelização na Oceania (Ecclesia in Oceania,18). Este anúncio inicial, contudo, não pode ser visto de modo isolado, mas está necessariamente ligado e orientado à fase sucessiva do processo de evangelização que é o catecumenato e os Ritos de Iniciação Cristã para os Adultos (RICA).
As jornadas de estudo sobre a Presença Salesiana entre os Muçulmanos (Roma, 30 de julho – 4 de agosto de 2012) refletiram sobre as nossas presenças não só nos contextos islâmicos, mas também em áreas tradicionalmente cristãs nas quais há um número crescente de muçulmanos (p. ex. na Europa). Além disso, os muçulmanos também estão presentes em muitas obras salesianas em todos os continentes. Nestas situações, o testemunho de vida de cada cristão, da comunidade salesiana e de toda a comunidade cristã é de importância primária porque onde a proclamação explícita é vetada ou não é possível, o testemunho de vida dos crentes leva à credibilidade (Porta Fidei 9), uma vida cristã autêntica gera um evidente testemunho de amor e de serviço (Redemptoris Missio, 23). Isto, por sua vez, é sempre um convite e um desafio ao interlocutor para fazer perguntas existenciais e buscar respostas de modo consciente, mais personalizadas e de maneira mais profunda.
As reflexões durante as jornadas de estudo sobre a Missão Salesiana e o Primeiro Anúncio de Cristo na África e Madagascar foram centradas justamente sobre o modo de promover o primeiro anúncio em nossas iniciativas educativas e pastorais, de modo que possa ajudar a «reencontrar o ardor dos inícios da evangelização do Continente africano» (Africae Munus, 164). As discussões fizeram descobrir a necessidade de abrir-se às novas fronteiras do primeiro anúncio mediante as redes sociais, a necessidade de uma adequada sensibilização no que se refere ao Primeiro Anúncio, antes da catequese, e a necessidade e urgência das FMA e dos SDB serem formados na valorização e afirmação da própria africanidade e no favorecimento do encontro do Evangelho com as culturas africanas.
Alinhadas ao tema das Jornadas de Estudo, as nossas discussões nos próximos dias serão centradas justamente na importância do Primeiro Anúncio como primeira etapa da nova evangelização(Diretório Geral para a Catequese, 61) com o qual se renova a “vitalidade cristã” (Ecclesia in America, 74) e do qual se desenvolvem as fases sucessivas da iniciação cristã, a catequese e a vida sacramental (Evangelii Nuntiandi,21-24) e que, em última análise, leva ao discipulado missionário (Aparecida,20-23). Trad.: jav
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O Primeiro Anúncio como Fundamento do Discipulado Missionário
P. Alfred Maravilla, SDB·
Nossas discussões a respeito da Proclamação inicial, durante estas Jornadas de Estudo serão feitas à luz do Documento de Aparecida, considerado a partir da perspectiva do nosso carisma salesiano. Comecemos, portanto, a explicitar algumas indicações do Documento de Aparecida, que são relevantes para nossas discussões.
Aparecida
O Documento de Aparecida sintetizou a preocupação da Igreja latino-americana sobre a descolonização e a inculturação, libertação e opção pelos pobres com os termos ‘discipulado missionário’, cuja missão é implícita e explicitamente uma missão integral e específica, contextual e, para a sociedade em geral, evangelizadora e transformadora. Esta missão, que “sempre supõe a pertença a uma comunidade,” é um compromisso urgente que leva os discípulos missionários “ao coração do mundo”, onde abraçam “a realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina.” A urgência missionária de transformação da América Latina e do Caribe num “Continente do Amor” é vivenciada em três áreas diversas: 1) a paróquia missionária; 2) a missão continental; 3) e a missão ad gentes.
De acordo com Aparecida, a paróquia missionária é um novo modelo pastoral que requer não apenas a renovação estrutural, mas também “atitudes novas nos párocos e nos sacerdotes” e a multiplicação dos braços e qualificação dos ministros de modo que não se converta num mero desejo piedoso, mas realmente transforme as paróquias em “centros de irradiação missionária para seus próprios territórios” e “em lugares de formação permanente.”
A Missão Continental põe toda a Igreja na América Latina “em estado de missão” porque visa principalmente à “alta porcentagem de católicos sem a consciência de sua missão de ser sal e fermento no mundo, com identidade cristã fraca e vulnerável.” Este é “compromisso de uma grande missão em todo o Continente” ... O compromisso com a Missão Continental continua junto com a missão ad gentes, como “testemunhas e missionários” entre os povos não cristãos e as terras distantes bem como nas grandes cidades e nos campos, nas montanhas e florestas, nos ambientes de convivência social, nos mais diversos areópagos da vida pública e da existência humana.
Nesta luz Aparecida convida os católicos a viver a sua vocação batismal como discípulos missionários , sendo testemunhas dos “valores alternativos do Reino” na sociedade; assim vivem sua vida cristã “em estado de missão.” Por isso, Aparecida insiste sobre a importância do anúncio querigmático que convida a tomar consciência do “amor vivificador de Deus que nos é oferecido em Cristo” , o qual, por sua vez, “leva a uma conversão pessoal e a uma mudança de vida integral.” Por isso, os Bispos sublinharam que a iniciação cristã, “que começa pelo querigma,” é “a maneira de pôr em contato com Jesus Cristo e iniciar no discipulado.”
O Primeiro Anúncio nos Documentos da Igreja
A Redemptoris Missio insiste que o primeiro anúncio é “a prioridade permanente da missão” e que “todas as formas da atividade missionária tendem para esta proclamação.” Mas no momento existe uma compreensão divergente do Primeiro Anúncio, que é apenas uma consequência da diferença de definição do termo “evangelização” utilizado nos documentos do Magistério, como, por exemplo, em Ad Gentes do Vaticano II (1965), em Evangelii Nuntiandi de Paulo VI (1975), em Redemptoris Missio de João Paulo II, bem como no Diretório Geral para a Catequese (1997) da Congregação para o Clero e na Nota Doutrinal a respeito de Alguns Aspectos da Evangelização (2009) da Congregação para a Doutrina da Fé. Por outro lado, a insistência de Aparecida sobre o “anúncio querigmático,” como início do discipulado missionário, sem definir exatamente o primeiro anúncio, talvez tenha propiciado os diversos modos da sua compreensão neste continente. Assim, alguns entendem que a evangelização compreende já este primeiro encontro com Jesus que leva à conversão; outros a consideram parte do querigma. Não causa surpresa que na recente Assembleia Plenária da Conferência Episcopal da Colômbia, foi observado que “a evangelização é um processo para levar ao encontro com Jesus Cristo, para conhecê-lo, amá-lo e fazer-se seu discípulo.” Aqui se presume que o primeiro anúncio seja parte do processo de evangelização. Numa outra intervenção por parte do Secretário Adjunto do CELAM no decurso da mesma Assembleia Plenária, o primeiro anúncio foi apresentado como idêntico ao querigma: “o querigma não pode ser acolhido como um conjunto de conceitos, como uma lição de catecismo, mas sim como uma vivência bem concreta, que suscita curiosidade, interesse, assombro e até estupor.” Leônidas Ortiz Losada oferece sugestões importantes; todavia, na sua apresentação continuamente faz a troca entre o querigma e o Primeiro Anúncio. Na apresentação da relação entre o primeiro anúncio, a iniciação cristã e a catequese, durante o Seminário Nacional de Catequese na Argentina, o primeiro anúncio está entrelaçado com a catequese: “uma catequese que se transforma, muitas vezes em Primeiro Anúncio, para que este se diferencie e, por sua vez, se integre em todo o processo catequético... na Catequese Missionária todo anúncio deixa entrever o Primeiro Anúncio.” Por causa da compreensão divergente do primeiro anúncio, é importante iniciar as nossas Jornadas de Estudo sobre o primeiro anúncio, elaborando uma definição operativa compartilhada.
O que é o Primeiro Anúncio?
Como estas são as últimas nesta série de Jornadas de Estudo em vários continentes no decurso deste sexênio , podemos nos aproveitar das outras contribuições para enriquecer as nossas reflexões neste contexto.
Graças à apresentação de Ubaldo Montisci, durante as primeiras Jornadas de Estudo a respeito do Primeiro Anúncio Cristão na Europa (2010), e as sucessivas reflexões das demais Jornadas de estudo, existe uma compreensão partilhada do primeiro anúncio como o início do complexo processo de evangelização descrito na Evangelii Nuntiandi (n. 24) e no Diretório Geral para a Catequese (n. 47-49).
O Diretório Geral para a Catequese n. 48, seguindo Ad Gentes n. 11-15, apresenta o primeiro anúncio como o terceiro momento de evangelização, precedido pelo diálogo e presença da caridade, pelo testemunho cristão e é seguido pelos sacramentos de iniciação e a catequese, a educação à fé e a missão. Enquanto as nossas reflexões se aprofundam durante as últimas Jornadas de Estudo, desde Praga (2010) até Adis Abeba (2012), tornou-se claro que uma compreensão linear ou cronológica do primeiro anúncio empobrece a sua riqueza.
Gostaria de fazer uma analogia do primeiro anúncio à semelhança de um jovem que diz à sua amada: “Eu te amo”! Na realidade, esta expressão verbal tão banal é o resultado de passos anteriores, tímidos, por vezes desajeitados, para conhecer melhor um ao outro. Para este jovem isto não é um simples estereótipo. Pelo contrário, isto descobre, revela e eleva o sentido mais profundo de todos os belos momentos que ambos experimentaram juntos. Mesmo se é uma expressão desgastada, que corre o risco de perder o seu significado, para estas duas pessoas “Eu te amo!” se torna um convite fascinante ao qual é possível responder de fato.
Da mesma forma do que ocorre entre duas pessoas (não se pode prever se irão se enamorar), também o primeiro anúncio não é previsto nem organizado. Não é um programa, nem um método, nem uma atividade, nem uma celebração. Acontece no contexto da vida cotidiana. Portanto, não fazemos o primeiro anúncio. É primeiro não apenas porque se escuta pela primeira vez, e não implica que seja entendido em termos estritamente cronológicos, mas sobretudo porque é aquele momento, aquela faísca, precedida de outras condições indispensáveis, que poderia inflamar um primeiro interesse pela pessoa de Jesus Cristo.
Assim, em primeiro lugar, é necessário criar o ambiente, a atmosfera que suscita e alimenta o desejo de conhecer Jesus Cristo. Consequentemente, a preocupação principal do primeiro anúncio não é de proclamar quem é Jesus, mas como conduzir os outros a descobrirem e a se fascinarem pela pessoa de Jesus Cristo, pois somente ele conduz à fé. A fé não é fruto de um programa educativo, nem de um estudo científico. Portanto, nem uma opção ética, nem um discurso doutrinal, nem uma apresentação lógica, nem uma exposição argumentativa da fé têm capacidade de suscitar o desejo de conhecer Jesus Cristo. A fé é o resultado de um encontro com Deus que se revela livremente em Jesus Cristo.
Quando duas pessoas se encontram e de alguma forma percebem uma sensação pelo outro, nasce um interesse para se conhecerem melhor. Assim é também o primeiro anúncio. Parte-se no nível das sensações, do plano experimental. O empenho de fé de uma pessoa é ‘sentido’ pela outra pessoa. Do mesmo modo, é somente pela força e pelo fervor da fé que se percebe o dever e a necessidade de narrar e contar aos outros a própria experiência pessoal com Jesus, sem qualquer intenção de forçar os ouvintes, a fim de favorecer “o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com ele, uma orientação decisiva” , o qual, por sua vez, poderia encaminhar e colocar as bases do processo de evangelização que dura a vida inteira. É este “encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo que suscita discípulos e missionários!”
Como Favorecer o Primeiro Anúncio
O enamoramento se inicia com uma atração por algum traço particular, uma característica ou “alguma coisa” naquela pessoa. Isto se baseia na lógica do coração. O Primeiro Anúncio começa também com alguma coisa que atrai ou que leva a pessoa a se questionar ou a procurar uma resposta. A atração inicial, através do testemunho da caridade e do estilo de vida, é seguida por uma breve expressão da própria fé em Jesus. É importante insistir desde o início que estes não são compartimentos estanques, nem estão divididos cronologicamente. Em vez disso, são elementos que se entrelaçam no único movimento do primeiro anúncio.
No Novo Testamento o conteúdo do “anúncio querigmático” é o núcleo da fé cristã: a pessoa de Jesus Cristo (Mt 28,6; Mc 16,6; Lc 24,6.34; At 2,24; 1Ts 4,14). Assim, o querigma se concentra sobre o conteúdo da fé cristã. O Primeiro Anúncio, contudo, se concentra sobre a prática da caridade e o testemunho de vida como meio primário de convite à fé. Portanto, a importância é focalizada no contato pessoal, na relação interpessoal e no diálogo, como passos preparatórios. Estes são precedidos, acompanhados e seguidos pela caridade, porque o testemunho da caridade inspira, suscita questionamentos e desafios. Além disso, o anúncio de Cristo é antes de tudo um ato de caridade: fazer conhecer o amor de Deus em relação a cada um de nós. Assim, os lugares em que a Igreja está empenhada em ajudar os doentes e os sofredores, os pobres, os marginalizados e os migrantes, onde a Igreja está trabalhando pela justiça, paz e integridade da criação são contextos favoráveis para o primeiro anúncio. O perigo é o de perder de vista o primeiro anúncio como fim último das nossas obras sociais. Sem esta preocupação principal nosso trabalho social fica reduzido à filantropia e nos tornamos simples agentes sociais. Porém, “a Igreja não é uma ONG”, mas uma “história de amor!”
Juntamente com o exercício da caridade está o estilo de vida de cada um dos cristãos e de toda a comunidade cristã, tanto nas suas expressões particulares no contexto das expressões culturais de momentos importantes da existência humana, em todas as suas manifestações na vida cotidiana, bem como nas suas expressões relacionais ou sociopolíticas. Uma testemunha crível é um “fermento do amor de Deus na sociedade” que desafia cada um a examinar o próprio estilo de vida, valores e prioridades. Um cuidado especial e atenção devem ser dados também à ação pastoral “tradicional” (celebração dos sacramentos, especialmente do batismo e matrimônio, as peregrinações, a religiosidade popular), porque são um reflexo da vida eclesial. Também é necessário enfrentar as possibilidades e desafios apresentados pelas novas fronteiras (por exemplo, migração, contextos multiculturais e multirreligiosos), bem como as novas situações derivadas das mudanças culturais (por exemplo, individualismo, fluidez, secularismo) porque influenciam o estilo de vida dos cristãos. É importante também encontrar ou criar oportunidades ou lugares de encontro, onde a pessoa possa se sentir livre para falar de questões existenciais e religiosas e sentir-se que é compreendido e escutado.
O testemunho da vida cristã ordinária cotidiana se torna um convite interessante para conhecer as motivações e a razão última desse estilo de vida. Torna-se assim “uma via realmente propedêutica à fé,” quando todos os católicos e toda a comunidade cristã adotam a atitude de Jesus, assumem seu destino pascal com todas as suas exigências, participam de sua missão, estão em atitude de permanente conversão e mantêm a alegria do discípulo missionário a serviço do Reino. Esta atenção pelo estilo de vida cristão supera também o perigo de reduzir o cristianismo ou o catolicismo a um mero conjunto de doutrinas. Portanto, o testemunho de vida de cada cristão, da família cristã, o estilo de vida dos SDB e das FMA, das comunidades religiosas e de toda a comunidade cristã, bem como a imagem institucional e coletiva da Congregação e da Igreja em todas as suas manifestações públicas são todas formas de primeiro anúncio ou, infelizmente, um obstáculo para ele.
Depois de se terem conhecido melhor reciprocamente, acontece aquele momento mágico no qual o amante finalmente diz à amada: “Eu te amo.” Não existe um plano preciso quando alguém deve revelar o próprio sentimento à pessoa amada. Todavia, tendo isto em mente, ele está à procura constante pelo momento propício para fazer esta declaração. Como o “Eu te amo”, expresso por dois enamorados, o anúncio querigmático faz parte do Primeiro Anúncio. A pessoa está em constante estado de missão, de maneira a discernir o momento oportuno para isso. Neste momento, ele não consiste senão numa breve, alegre e envolvente proclamação como “Jesus é o Senhor” (Rm 10,9; Fl 2,11) ou “Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes” (At 2,36). Vai ser expresso naquele momento propício no qual o Espírito abre a porta do coração para esta proclamação. Apenas uma breve proclamação é suficiente porque, neste momento, o primado é dado não às palavras, mas à experiência de fé; o que é proclamado é mais do que uma mensagem, é Deus que se comunica em Jesus Cristo.
Quando foi suscitado o interesse pelo conhecimento da pessoa de Jesus Cristo, então, no momento oportuno, segue-se a narração da vida, milagres e ensinamentos de Jesus e da própria experiência pessoal de Cristo. Estas narrativas se tornam o primeiro anúncio quando são tecidas com a procura de sentido na vida dos ouvintes e que inspira neles a esperança e a força para enfrentar as fadigas da vida cotidiana. “Pela ação do Espírito” que age na profundidade de toda consciência, estas narrativas poderiam provocar perguntas existenciais que têm condições de levar à revelação da verdade e dos valores tão profundamente desejados pelo coração humano e suscitar um interesse ainda mais profundo pela pessoa e pela mensagem de Jesus Cristo.
Seguindo a compreensão do primeiro anúncio que apresentamos acima, pouco importa se alguém está numa escola, paróquia, centro juvenil ou numa estação missionária, se alguém está envolvido na primeira evangelização, no apostolado educativo, na pastoral ou na promoção e desenvolvimento humano. Para onde quer que alguém seja enviado, o importante é que ele viva a sua vida como cristão e como religioso “em estado permanente de missão;” assim, cada pessoa e cada comunidade se tornam um centro de irradiação da vida cristã. Portanto, é nesta luz que “a missão é inseparável do discipulado!”
A Quem é Dirigido?
As outras Jornadas de Estudo em diversos continentes nos ajudaram a identificar que o primeiro anúncio, por sua natureza, é dirigido principalmente: 1) não apenas aos que não conhecem Jesus Cristo (os que não são cristãos); 2) mas também aos que, depois de tê-lo conhecido, o abandonaram; 3) aos que, crendo que já o conhecem suficientemente, vivem sua fé como uma rotina; 4) aos que procuram Alguém ou alguma coisa que percebem, sem conseguir nomeá-lo; 5) e aos que vivem a própria vida cotidiana privada de qualquer sentido. Desde então estes foram os destinatários levados em consideração nas discussões das sucessivas Jornadas de Estudo. Agora temos que acrescentar outras duas categorias mencionadas no documento de Aparecida: 6) os crentes que não participam da Eucaristia dominical, nem recebem com regularidade os sacramentos, nem se inserem ativamente na comunidade eclesial; 7) e os católicos com uma identidade débil e vulnerável.
Conversão
O primeiro anúncio não está voltado primordialmente para a conversão, mesmo se há esperança de que ela venha a ocorrer. Uma conversão verdadeira depende unicamente do chamado interno de Deus e da livre decisão da pessoa. É sobretudo graça de Deus e não fruto do esforço humano. Portanto, o primeiro anúncio trata com respeito a liberdade de consciência. Rejeita qualquer indício de uma relação de coerção, conquista ou imposição e não pode ser confundido com proselitismo.
É um convite gratuito e respeitoso que poderia ser livremente recusado ou aceito, a exemplo do encontro de Jesus com a samaritana junto ao poço de Jacó (Jo 4,3-42). É promovido de muitos modos, segundo as diversas formas de convite, de acordo com a cultura, o contexto, o ritmo da vida, situações históricas e sociais no âmbito daqueles aos quais é dirigido. Por sua vez, este abre inúmeras possibilidades.
A aceitação do primeiro anúncio não possui uma visibilidade formal porque se desenvolve no recesso da consciência humana, através da ação do Espírito Santo que age nas pessoas e nas culturas, como se depreende de seu desejo íntimo, muitas vezes inconsciente, de conhecer a verdade a respeito de Deus, do homem, e de como podemos ser libertados do pecado e da morte. Contudo, existe sempre o acontecimento inesperado, aquele momento de iluminação ou a conclusão de uma longa reflexão que leva a pessoa a decidir-se a expressar externamente esta conversão interna, dando os primeiros passos na fé, com a solicitação do batismo e de se tornar um membro da “comunidade de Amor”, a Igreja.
Orientado para o Catecumenato e a Catequese
No momento em que alguém decide conhecer a pessoa de Jesus Cristo, por causa do primeiro anúncio, a fé é “explicitamente proposta em toda a sua amplidão e riqueza”, utilizando uma pedagogia gradual. Portanto, o primeiro anúncio não deve ser considerado de modo isolado, mas como necessariamente conectado e orientado para a fase seguinte do processo de evangelização, que consiste na decisão de começar o caminho de iniciação cristã ou o Catecumenato – ou reiniciação para os católicos não praticantes ou tíbios – e Ritos de iniciação cristã e a formação integral para viver a fé cristã e compartilhá-la com os outros.
A Nova Evangelização
O primeiro anúncio é atual em países de maioria cristã? Não deveríamos refletir, em vez disso, sobre uma nova evangelização? De fato, não é estranho alguém pensar que no continente americano e no Caribe o que é verdadeiramente necessário é nova evangelização e não o primeiro anúncio.
Sabemos que no batismo a criança recebeu o dom da fé (ou a capacidade de crer), mas não o ato pessoal de fé (o firme compromisso de orientar a própria vida de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo). Contudo, no continente americano e no Caribe, onde ocorre uma secularização crescente, materialismo, consumismo desenfreado e corrupção; onde se dá um abandono da fé ou no qual ela é vivida como uma ‘rotina’, o primeiro anúncio que uma criança recebe na família, muitas vezes não é suficiente para lhe permitir que se torne o fundamento de uma fé robusta. O forte processo de secularização em todos os países trouxe “o perigo da separação entre a vida e a fé, entre a fé e a cultura” , sobretudo entre os jovens. Muitos jovens são influenciados pela visão materialista e hedonista da vida, promovida pelos meios de comunicação e frequentemente são vítimas de violência . Outros há que praticam uma “espiritualidade” subjetiva, muitas vezes compreendida sob a expressão ‘New Age’ (Nova Era), que se concentra sobre si mesmos e a própria integridade, com acentuação sobre a sensação, ao mesmo tempo em que rejeitam a Igreja como uma ‘religião institucional’.
Não causa surpresa que muitos jovens que frequentam as nossas aulas de religião e a nossa catequese paroquial e os adultos que vêm para a Eucaristia dominical não escolheram conscientemente ser cristãos e não vivem uma vida cristã comprometida. Assim, muitos praticam a sua fé como algo cultural, enquanto outros continuam a manter crenças supersticiosas e práticas que revelam um sincretismo prático entre as religiões tradicionais e sua fé cristã. Neste contexto, sem o primeiro anúncio que leva à conversão inicial e a uma fé pessoal inicial, a catequese corre o risco de se tornar estéril. O Diretório Geral para a Catequese insiste que os cristãos que abandonaram a prática de sua fé, bem como os que vivem a sua fé por hábito, todos têm necessidade do primeiro anúncio do Evangelho para promover sua opção e adesão pessoal a Cristo. Quanto tempo, energias e recursos investimos na catequese! No entanto, quão pouco nos preocupamos em garantir que os que são catequizados efetivamente tenham feito anteriormente uma opção pessoal de fé a fim de conhecer e seguir Cristo. O primeiro anúncio, portanto, é o primeiro e necessário passo para uma nova evangelização!
Uma Definição Operativa do Primeiro Anúncio
À luz da apresentação acima, poderíamos já redigir a nossa definição operativa do primeiro anúncio. A expressão se refere à prática da caridade e ao testemunho de vida cristã de cada cristão e de toda a comunidade cristã, qualquer atividade ou conjunto de atividades, uma narrativa breve, alegre e envolvente de Jesus Cristo que têm como objetivo a intenção de suscitar ou provocar um interesse por sua pessoa e que possa levar, salvaguardando a liberdade de consciência, a uma primeira adesão a ele ou a uma revitalização da fé nele. Isto acontece efetivamente, se seguir uma pedagogia progressiva, que atenda ao contexto cultural, histórico e social do destinatário.
É claro que o primeiro anúncio é o fio condutor que reúne a Paróquia Missionária, a Missão Continental e a Missão ad gentes. A atenção consistente para favorecer o primeiro anúncio nestas áreas coloca todos os membros da Igreja em estado de missão com renovado “ardor, métodos e expressões.” Na realidade, o primeiro anúncio é o fundamento do discipulado missionário!
Nosso papel - tarefa
O nosso encontro aqui em Los Teques deveria ser visto como uma continuação e o aprofundamento dos temas discutidos durante o seminário Povos Indígenas e Evangelização. 5º Encontro de Missionárias e Missionários Salesianos em Contextos Pluriculturais – Cumbayá (2006). Estamos aqui para refletir, estudar e discutir sobre O Primeiro Anúncio ao Discipulado Missionário na América e no Caribe, a fim de alcançar uma compreensão mais profunda dos desafios e descobrir novas intuições e perspectivas sobre o que se refere ao primeiro anúncio na América e no Caribe.
Ousaria esperar que depois deste encontro “se renove nossa alegria e nossa esperança” e “nos liberte do cansaço, da desilusão, da acomodação ao ambiente” e nos ajude a sermos “cheios de ímpeto e audácia evangelizadora.” De outra forma, cedemos ao cansaço da fé e retrocedemos comodamente para uma presença salesiana na América e no Caribe com a “mentalidade de manutenção,” sem alegria e sem ardor. De fato, salesianas irmãs, irmãos, sacerdotes que estão profundamente “enamorados de Cristo” colocam o amor no centro de suas vidas e assumem “a radicalidade do amor cristão” , para que a expressão mais radical do discipulado missionário suscite o interesse dos jovens pela vida consagrada!
· Doutor em teologia fundamental, licenciado em missionologia e teologia dogmática. Trabalhou em Papua Nova Guiné a partir de 1985. Atualmente é o encarregado da animação e formação missionária no Dicastério para as Missões Salesianas.
CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE, 5. Documento de Aparecida. Brasília ; São Paulo : CNBB ; Paulus ; Paulinas, 2007. 301p. n. 214, 287, 341, 450, 486, 532, 545, 550. De agora em diante este documento será citado como DA.
Ubaldo Montisci, “Primo Annuncio: Verso un Concetto Condiviso,” en Missione Salesiana in Situazione di Frontiera e Primo Annuncio Cristiano in Europa Oggi (Dicastero per le Missioni SDB, Ambito Missioni FMA: Roma, 2013), 31-36.
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Instituto Superior de Catequesis Argentino, “Catequesis en Clave Misionera: Relación entre Primer Anuncio, Iniciación Cristiana y Catequesis Permanente.” Seminario Nacional de Catequesis (2011), 15.
Europa (2010), Asia Sur (2011), Asia Oriental (2011), Oceanía (2011), Presencia Salesiana entre los Musulmanes (2012), y África y Madagascar (2012).
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André Fossion, “Proposta della Fede e Primo Annuncio,” Catechesi 78, no.4 (2008-2009): 29-34; 30; Luca Bressan, “Quali Esperienze di Annuncio Proporre?,” Notiziario dell'Ufficio Catechistico Nazionale 36, no.1 (2007), 61-68.
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Bento XVI, Encíclica Deus Caritas Est, 19; João Paulo II, Encíclica Redemptoris Missio 44; Ubaldo Montisci, “Pastoral Juvenil y Primer Anuncio,” Misión Joven vol. 51, 414-415 (2011): 63-66.
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O Primeiro anúncio e a Educação à fé
Introdução
No contexto da nova evangelização, são muitas as perguntas que a Igreja se propõe em seu percurso missionário atual. No documento dos “lineamenta” do Sínodo dos Bispos, convocado pelo Papa emérito Bento XVI, as perguntas giram em torno da transmissão da fé, sua crise e sua solicitude por novas formas de realizá-lo. (1) A preocupação central do documento dos “lineamenta” são os assuntos relacionados com o primeiro anúncio do evangelho e a iniciação cristã, próprias das etapas especificamente missionárias do processo global de evangelização, a missionária e a catecumenal, respectivamente. Na América Latina também há muitas preocupações ao evidenciar-se a desvinculação entre primeiro anúncio e catecumenato. “Sentimos a urgência de desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida cristã que comece pelo querigma e, guiado pela Palavra de Deus, conduza a um encontro pessoal, cada vez maior com Jesus Cristo” (2).
A isto se acrescenta a profunda preocupação pela qualidade e existência do sujeito evangelizador: “a comunidade cristã”. Deste modo o sínodo, tal como o expressam os seus “lineamenta” e as 58 proposições finais que foram levadas em conta pelos padres sinodais, terão que ocupar-se dos assuntos de transmissão da fé mais próximos e próprios do início da mesma. Com isto se mostra a mudança de atenção por parte da Igreja nos últimos anos. Passar da preocupação dos problemas relacionados com a transmissão da fé a partir da perspectiva da educação à fé dos crentes, aos problemas relacionados com a transmissão da fé para os que não creem ou se encontram em busca ou em processo de iniciação; isto não significa abandonar os problemas da educação permanente da fé dos discípulos de Cristo, mas sim assumir com mais rigor e seriedade os problemas do primeiro anúncio e da iniciação cristã. A respeito da iniciação cristã, os “lineamenta” mostram como este foi um tema que começou há alguns anos a tomar relevância e maior vigência, até o ponto que hoje “a iniciação cristã é já um conceito e um instrumento pastoral reconhecido e bem consolidado em muitas Igrejas locais”. (2)
Grandes desafios
Num contexto pluriétnico e plurirreligioso, o cristianismo não é já a opção social que se realizava, quase espontaneamente, na confluência da socialização religiosa e cultura. Hoje “a proposta cristã se converteu em uma a mais entre muitas e deve, portanto, apresentar-se de modo tal que seja capaz de mostrar sua validade e sua credibilidade” 3.
A reflexão sobre a transmissão da fé que se apresenta perante o cristianismo atual como um desafio deu início na Igreja a um difuso processo de reflexão e de revisão dos itinerários de introdução à fé e de acesso aos sacramentos. Na pastoral atual temos numerosas ações valiosas em si mesmas, porém que não conseguem articular-se num processo claro que leve a uma profunda adesão ao Senhor por meio da conversão e numa autêntica inserção na comunidade cristã. São muitos os cristãos que não são nem membros vivos da Igreja nem autênticos discípulos do Senhor. “São muitos os crentes que não participam da Eucaristia dominical, nem recebem com regularidade os sacramentos, nem se inserem ativamente na comunidade eclesial” (A 286). Por isso é preciso optar mais decididamente pela criação de processos de iniciação para formar discípulos, algo não suficientemente exercitado em nossa pastoral. “A catequese não pode limitar-se a uma formação meramente doutrinal, mas precisa ser uma verdadeira escola de formação integral” (A 299)
Este processo de revisão não funcionou sempre em termos positivos. Não faltam os mal entendidos, isto é, a vontade de interpretar as transformações exigidas como ocasiões para introduzir lógicas de ruptura: as novas práticas pastorais são consideradas e compreendidas à luz de uma hermenêutica da fratura criadora, que vê no que nasce como novo a possibilidade de instaurar formas sociais inéditas para apresentar e para viver o cristianismo hoje. De acordo com este critério, o abandono da prática do batismo das crianças tem sido apresentado algumas vezes como uma necessidade inadiável. Paralelamente, um sério obstáculo para a revisão em ato se verifica nos comportamentos inerciais, mantidos por algumas comunidades cristãs, convencidas de que a simples repetição de ações estereotipadas seria uma garantia de bondade e de êxito da ação eclesial.
O processo de revisão propõe à Igreja alguns lugares e alguns problemas como verdadeiros desafios, que colocam as comunidades cristãs perante a obrigação de discernir, e depois adotar novos estilos de ação pastoral. Nestes últimos tempos as Conferências Episcopais tomaram opções diversas a este respeito, baseando-se em diferentes perspectivas sob as quais esta problemática pode ser considerada (pedagógica, sacramental, eclesial). Assim se apresenta como um desafio para a Igreja a capacidade de oferecer novamente conteúdo e energia para esta dimensão mistagógica dos caminhos de iniciação.
Efetivamente, tendemos a priorizar “o mais importante para mim”, as necessidades, em vez daquilo que é “o importante em si”, o amor como valor (L. Rulla). Por causa de nossa condição “carnal”, nos custa autotranscender-nos, e por vezes ficamos aferrados num narcisismo que nos asfixia. A expressão pseudorreligiosa do narcisismo é idolatria: o ídolo é uma projeção ou extensão de nosso eu. Por isso é uma forma de autodivinização, que se associa à soberba individualista que nos deixa estéreis.
Também se apresenta como mais um desafio a necessidade de não delegar a eventuais caminhos escolares de educação religiosa a tarefa, que é própria da Igreja, de anunciar o Evangelho e de gerar na fé, inclusive em relação às crianças e aos adolescentes. As práticas neste setor são muito diferentes de nação para nação, e não permitem a elaboração de respostas únicas ou uniformes. Contudo, a instância permanece válida para cada Igreja local.
Para uma catequese iniciadora
Em primeiro lugar, a Iniciação Cristã é obra de Deus; Ele é quem toma a iniciativa de chamar gratuitamente à salvação; o Ritual de Iniciação Cristã de Adultos e o Catecismo da Igreja Católica apresentam a Iniciação Cristã como participação na natureza divina (Cf. 2Pd 1,4). Na pedagogia catequética entendemos por Iniciação Cristã o processo estendido no tempo no qual o convertido recebe a instrução evangélica e se exercita para conformar sua vida ao estilo do Evangelho, na fidelidade à iniciativa divina: se introduz na vida nova do Senhor Ressuscitado pelo batismo, a confirmação e a eucaristia na comunidade eclesial e também no mundo. Uma catequese de Iniciação Cristã hoje precisa aprofundar os gestos e os passos do caminho de Jesus (cf. Jo 14,6); ele viveu em obediência à vontade do Pai (cf. Hb 10,7-10; Jo 4,34), numa opção radical e absoluta, chamada Reino de Deus; portanto, em nossos processos catequéticos precisamos recuperar a centralidade do Jesus histórico, o Deus encarnado que se fez pobre e sofredor por amor a nós, dedicado totalmente a construir o Reino de Deus. Para iniciar o itinerário de formação do discípulo, muitas vezes se torna necessário um novo anúncio, que permita ao batizado experimentar a Jesus vivo como Senhor e Salvador de toda a vida e doador do Espírito Santo; e, mediante a catequese e os sacramentos de iniciação, aprofundar o crescimento na fé que põe em comunhão com Cristo e introduz o crente na comunidade eclesial. Sem este processo, cai-se na simples transmissão de uma sã e ortodoxa doutrina, porém que não penetra verdadeiramente no coração do crente. Isto estabelece a necessidade de uma formação integral e de processo do discípulo: que responda aos tempos a partir de uma expressão de fé adulta e comprometida; que redescubra o sentido festivo da liturgia com oportunas celebrações da Palavra, na utilização adaptada dos ritos do catecumenato; que integre progressivamente na comunidade da Igreja, como lugar de acolhida, crescimento e amadurecimento da vida cristã a serviço da evangelização e da transformação do mundo. Além de ser dom, a Iniciação Cristã é também resposta, acolhida e conversão. Resposta que é educada e acompanhada na comunidade, por meio da catequese. A Iniciação Cristã tem no antigo catecumenato um princípio de inspiração e um modelo ainda vigente, sobretudo por seu caráter de processo e seu caráter integrador. 11
O Magistério atual, a partir do Concílio Vaticano II, nos convidou reiteradas vezes a retomar a inspiração catecumenal, adaptando este processo às diferentes idades, ambientes, realidades sociais, religiosas e culturais, para responder aos desafios de um novo discipulado hoje. Os diferentes processos adaptados devem ter em comum certas etapas do processo evangelizador que conduzem as pessoas a uma crescente adesão ao Senhor Jesus na Igreja. Conforme o Diretório Geral da Catequese 47-48, tais etapas são: Testemunho – Querigma – Catequese – Vida Comunitária – Sacramentos – Missão, que se costumam articular em etapa de ação missionária, etapa de ação catecumenal, etapa de ação pastoral e de presença no mundo. Deste processo podem-se dizer três coisas: São etapas que devem ser cumpridas nesta ordem (ordem na complexidade) para que haja lógica na maturidade da fé que a Igreja promove com seus filhos. Estas etapas não necessariamente se desdobram de modo linear e delimitado num tempo preciso; caracterizam-se antes por ser dinâmicas, de processo e circulares. Visto que são muitos os batizados não convertidos, é necessária uma catequese missionária prévia. Elas permitem a criatividade de numerosos métodos para levá-las a termo.
A catequese de Iniciação Cristã, entendida como formadora de discípulos, busca ser um itinerário pedagógico que permite aprender a viver em conformidade com a fé cristã. Esta catequese de processo busca integrar todas as dimensões da pessoa, atender às suas buscas e necessidades, avançando através de sucessivas etapas do percurso espiritual; percurso sempre singular, conforme as pessoas e os grupos.
Gostaria de mencionar alguns critérios básicos para uma catequese evangelizadora: Cuidar da formação humana e psicossocial do catequista e do catequizando. Privilegiar o uso da Sagrada Escritura. Situá-la em contexto comunitário e no entorno social, econômico, político, cultural e religioso da sociedade contemporânea. Fundamentá-la no querigma. Propiciar a conversão num processo por etapas. Valorizar a relação entre catequese e celebração, privilegiando os sacramentos da iniciação. Acompanhar a busca de sentido da vida. Assumir uma clara dimensão diaconal, missionária e vocacional. Tudo isto exige a formação de um novo catequista. Em poucas palavras: novos evangelizadores para uma nova evangelização (José Prado).
O primeiro anúncio como exigência de formas novas do discurso sobre Deus
O processo de revisão dos caminhos de iniciação à fé deu mais relevo a um desafio decididamente presente na situação atual: a dificuldade cada vez maior com a qual os homens e mulheres escutam hoje falar de Deus e encontram lugares e experiências que despertem uma reflexão sobre este tema. Trata-se de uma dificuldade com a qual a Igreja se defronta desde algum tampo, e que, portanto, não apenas foi denunciada, mas conhece alguns instrumentos de resposta. Já o Papa Paulo VI, considerando este desafio, colocou a Igreja diante da urgência de encontrar novos caminhos para propor a fé cristã. Assim nasceu o instrumento do “primeiro anúncio”, entendido como instrumento de proposta explícita, ou melhor, até de proclamação do conteúdo fundamental de nossa fé. (Evangelii Nuntiandi).
Uma vez assumido integralmente na tarefa de elaboração de um novo projeto dos itinerários de introdução à fé, o primeiro anúncio deve ser dirigido aos não crentes, aos que, de fato, vivem na indiferença religiosa. Este primeiro anúncio tem a finalidade de proclamar o Evangelho e a conversão, em geral, aos que ainda não conhecem a Jesus Cristo. A catequese, diferente do primeiro anúncio do Evangelho, promove e faz amadurecer esta conversão inicial, educando na fé o convertido e incorporando-o na comunidade cristã. A relação entre estas duas formas do ministério da Palavra, contudo, não é sempre fácil de estabelecer, e não necessariamente deve ser afirmada de modo claro. Trata-se de uma dupla atenção que frequentemente se une na mesma ação pastoral. Com efeito, muitas vezes acontece que as pessoas que se achegam à catequese precisam viver ainda uma verdadeira conversão. Por isso, quando se trata dos caminhos de catequese e de educação à fé, será útil prestar maior atenção ao anúncio do Evangelho que chama a essa conversão, que a provoca e a sustenta. Este é o modo segundo o qual a nova evangelização estimula os itinerários habituais de educação à fé, acentuando o caráter querigmático, de anúncio.
Portanto, foi dada uma primeira resposta direta ao desafio proposto. Contudo, para além da resposta direta, o discernimento que estamos realizando nos sugere determo-nos para compreender ainda mais em profundidade as razões dessa estranheza do discurso sobre Deus por parte de nossa cultura. Trata-se de verificar, sobretudo, em que medida uma situação deste tipo exerceu uma influência nas mesmas comunidades cristãs. Isto é necessário especialmente para buscar as formas e os instrumentos para elaborar reflexões sobre Deus, que saibam responder às esperanças e às angústias dos homens de hoje, mostrando-lhes como a novidade, que é Cristo, é, ao mesmo tempo, o dom que todos esperamos, ao qual cada ser humano anseia como cumprimento implícito de sua busca de sentido e de sua sede de verdade. O esquecimento do tema de Deus se transformará assim numa ocasião de anúncio missionário. A vida cotidiana nos mostrará onde localizar esses “pátios dos gentios”, dentro dos quais nossas palavras se tornem não apenas audíveis, mas também significativas e curativas para a humanidade.
Nestas condições, se requer um anúncio querigmático que, muitas vezes, se supõe erradamente que já existiu. Muitas vezes, ressoa com força uma pergunta em nossa experiência de catequistas: Qual é a conversão que hoje deve fazer a nossa Catequese para suscitar a resposta de fé ao longo da vida dos homens e mulheres que vivem entre nós? Os conceitos catequéticos parecem estar hoje numa situação de “transbordamento semântico”, de transformação e adequação às novas realidades que se hão de nomear e definir.
Tradicionalmente situamos a Catequese como continuação do Primeiro Anúncio, conforme as funções que o Diretório Geral para a Catequese de 1997, propõe para o Ministério da Palavra: a chamada à fé, a iniciação, a educação permanente da fé.
A partir desta concepção e de acordo com o que expressa o citado documento, a Catequese é diferente do Primeiro Anúncio e a ela compete desenvolver a conversão inicial. Nesta mudança de época, a realidade pastoral nos convida a revisar os conceitos que temos formulado, durante anos, e as práticas que se fundamentaram em tais conceitos. A Catequese, no contexto atual, tem muitas vezes uma tarefa missionária. Fala-se então de Catequese querigmática.
Em conclusão, o Diretório Geral para a Catequese afirma que as fronteiras entre ambas as ações não são facilmente delimitáveis. “A Catequese, por exemplo, junto com sua função de iniciação, deve assumir frequentemente tarefas missionárias”.
Então, delineamos a redefinição de caminhos possíveis para os que chegam a um processo catequético sem fé ou com uma fé reduzida, esquecida, quase “adormecida”. A pluralidade e a diversidade de ofertas de todo tipo, como dizíamos acima, colocam a pessoa em situação de reconfirmar e de validar suas opções cristãs. Por isso, talvez, não somente devemos falar de um Primeiro Anúncio, sempre necessário e impostergável no início de um processo catequético, mas de uma Catequese sempre missionária e querigmática, que sai para nos procurar nas diferentes etapas de nossa vida, nas diversas “idades de nossa fé” e em nossos diferentes lugares de encontro teológico com Deus.
Uma “Catequese querigmática ou missionária” é uma Catequese de proposta que busca, atrai e propõe sempre. Não se trata de um discurso doutrinário impresso de fora e pela força da repetição ou da tradição, mas sim de um caminho de experiências sempre novas, que marcam profundamente a vida das pessoas. Uma Catequese que se ressignifica, muitas vezes em Primeiro Anúncio, para que este se diferencie e, por sua vez, se integre em todo o processo catequético, outorgando-lhe uma força renovadora e catecumenal. Numa Catequese em chave missionária, todo anúncio clarifica o Primeiro Anúncio. Ele é como uma luz sempre viva no Ministério da Palavra: na primeira conversão, na Iniciação Cristã e na Catequese permanente.
Porque, mais do que um processo linear no qual a Catequese se coloca como continuação do Primeiro Anúncio, parece que o pluralismo, a diversidade de propostas, o descrédito do religioso, em alguns casos, e uma longa série de mudanças que se vão produzindo nos modos de viver, de sentir e de crer, exigem da Catequese este “transbordamento semântico”, que nos faz concebê-la como um processo espiralado, sempre aberto e em desenvolvimento. O Querigma se vai ampliando e aprofundando, ao longo de nossa vida, reiterando-se sempre, de modo novo, vigoroso e atraente, acompanhando o permanente dinamismo da fé.
A fé é um dom destinado a crescer no coração dos crentes. A adesão a Jesus Cristo, com efeito, dá origem a um processo de conversão permanente que dura toda a vida. Quem se aproxima da fé é como uma criança recém-nascida que, pouco a pouco, crescerá e se converterá num ser adulto, que tende ao “estado de homem perfeito”, à maturidade da plenitude de Cristo.”
Na vida da Igreja é necessário voltar-se para o essencial, para o núcleo central da evangelização: o Primeiro Anúncio de Jesus Cristo, base para todo processo de educação à fé. (Pepe Prado) Esta proposta se fundamenta na Sagrada Escritura, em cujos textos se encontra uma estrutura lógica do Querigma: o Anúncio de Jesus Cristo encarnado na história; a interpretação do significado da salvação; a proclamação da fé em Jesus Cristo; a exortação à conversão. O Querigma deve acompanhar todos os processos evangelizadores, e deve ter como fundamento a Bíblia e a interpretação do Magistério da Igreja, além da contemplação e do discernimento das comunidades em sua própria cultura, privilegiando sempre os mais pobres.
Como iniciar o anúncio do Evangelho para as pessoas e grupos de nosso tempo e como concluí-lo? Há uma compreensão geral entre pastores e catequistas: em nossos povos da América Latina aconteceu algo e está acontecendo ainda que as pessoas que receberam a fé não conseguem expressá-la claramente; outras nem sequer se propõem esclarecê-la porque estão envolvidas pela indiferença religiosa; e outras, que se interrogam a respeito do fundamental da mensagem cristã, não encontram a resposta que satisfaça suas dúvidas. O que fazer? Talvez as respostas não sejam tão palpáveis, porém temos uma convicção: “Nossa catequese tem um ponto em comum em todos os meios de vida; tem que ser eminentemente evangelizadora, sem pressupor uma realidade de fé, a não ser depois de oportunas constatações” (Documento de Medellín 8,9) Esta afirmação dos bispos latino-americanos em Medellín, em 1968, continua sendo atual.
Nossa convicção é que é preciso retornar ao essencial, ao que é mais nuclear da Evangelização; porém, o que é o mais nuclear, o essencial? (Pepe Prado). Sem dúvida é o anúncio de Jesus Cristo, base para todo processo de educação à fé. Em torno do conceito sugestivo do “Querigma” se utiliza um bom número de termos para expressar, se não a mesma coisa, ações e dimensões semelhantes da evangelização, tais como “Primeiro Anúncio”, (Diretório Geral da Catequese, DGC 61), “Pré-Catecumenato” (RICA 9-13), “Catequese Querigmática ou Pré-Catequese”. Utilizam-se também outros termos tais como “Primeira Evangelização”, “Pré-Evangelização”, “Evangelização”. Ao falar do primeiro anúncio aos que estão distantes, a Evangelii Nuntiandi diz: “Esse primeiro anúncio de Jesus Cristo efetua-o a Igreja por meio de uma atividade complexa e diversificada, que algumas vezes se designa com o nome de ‘pré-evangelização’, mas que, a bem dizer, já é evangelização, embora no seu estádio inicial e ainda incompleto.” (EN 51).
Quais são as concepções mais comuns sobre o querigma? A partir de nosso ponto de vista, podemos enumerar três posições que subjazem tanto na prática pastoral como nos materiais utilizados na catequese.
Uma primeira concepção é reduzir o Querigma apenas a frases curtas bem feitas ou a sumários estratificados que podem ter uma eficácia quase automática nos ouvintes; contudo, embora estejam bem formuladas e não contenham nenhum erro teológico, cremos que dizem muito pouco às pessoas indiferentes de hoje. Não será porque nos deixamos influenciar por uma cultura do slogan, do anúncio espetacular, do sistema mercadológico?
Uma segunda concepção do Querigma é compreendê-lo como uma “panaceia”, pensando que é a solução para qualquer problema pastoral que se apresente em nosso tempo; assim tudo se concentra no primeiro anúncio, esquecendo outros momentos do processo evangelizador, igualmente importantes, como a etapa catequético-catecumenal e a pastoral que alimenta a vida diária da comunidade.
E a terceira, que é muito parecida com a anterior, confunde todo um processo evangelizador com o Querigma. Vemos isto nos próprios subsídios, nos materiais de apoio que, ao falar do Querigma, é tão grande sua extensão que abarcam todo o processo. Estas posturas respondem sem dúvida às diferentes situações nas quais o catequista evangelizador se encontra imerso. Cremos que é necessário chegar a consensos, partindo do ponto de referência obrigatório que é a Sagrada Escritura, tendo presente o Magistério como garantia de sua interpretação e a própria experiência que tivemos com os povos latino-americanos.
Partimos da convicção de que o Querigma é, para toda a nossa Igreja, uma de suas formas de vida e atividade essenciais, imprescindíveis e insubstituíveis (cf. RM 44) e de que é uma dimensão da própria Palavra de Deus; porém, é inconcebível sem o Espírito, sem a fé e sem o testemunho; tampouco deve estar desconectado de outras tarefas da Igreja, tais como a liturgia e a atenção aos mais pobres de nossa sociedade.
Num sentido amplo, então, o Querigma abrange todo o âmbito do serviço da Palavra: evangelização, missão, catequese, etc. Onde está situado dentro do processo evangelizador? Já é comum na reflexão pastoral considerar a Evangelização como processo e como realidade “rica, complexa e dinâmica” (CT 18). Este processo se estrutura em três momentos principais: o Querigmático ou primeiro anúncio, também chamado missionário, o Catequético no qual se amadurece a fé inicial e a Dimensão Pastoral. Assim entendemos que uma dimensão é a que chama à fé, que é Querigma; outra a ação pastoral que alimenta a fé da comunidade cristã; e a Catequese que é como o elo entre ambas e que fundamenta toda a vida cristã (cf. DGC 64).
Em sentido estrito, falamos de uma dimensão ou momento da ação missionária no qual se manifesta o núcleo mesmo do mistério cristão: a pessoa de Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Sublinha-se aqui o elemento dinâmico que não se reduz a uma etapa. Podemos defini-lo como “o fato dinâmico e progressivo da salvação realizada por Cristo, enquanto proclamado pela Igreja, em cujo seio se realiza visivelmente a força operante do Espírito. É proclamado pelos enviados com a autoridade das Igrejas”. É, pois, o anúncio da mensagem central do Evangelho aos homens e mulheres de hoje em vista da conversão. O objeto último do Querigma é toda a revelação de Deus, porém como está “condensada” no Mistério Pascal, ponto de referência de todo o cristianismo. O ponto central é, então, a pessoa de Jesus Cristo. Com sua ação torna presente e atualiza a palavra divina encarnada nEle.
A finalidade primária da proclamação do Querigma não é conhecer detalhadamente as verdades da fé, os ritos e os costumes da Igreja, mas sim entrar, dar acesso à fé. Proclama-se o Querigma em vista da adesão de uma pessoa à fé em Jesus Cristo. É um ato, uma intervenção viva e atual de Deus pela palavra do agente evangelizador. O primeiro grande momento da evangelização consiste na conversão ao Deus vivo, criador do céu e da terra. Por isto, deve haver uma repercussão forte nos conteúdos mesmos porque a apresentação da mensagem querigmática difere qualitativamente da Catequese que é uma fundamentação mais extensa. Dizemos então que o Querigma tem uma estrutura “elementar”, não são aulas ou conferências, mas convites ao diálogo primeiro com a pessoa de Jesus Cristo.
Alguns propõem estruturar os conteúdos em dois momentos ou fases:
Uma fase inicial está centrada na calorosa acolhida por parte do agente evangelizador à pessoa que procura encontrar-se com Jesus Cristo, seguida de um processo de abandono dos ídolos para voltar-se ao único Deus vivo e verdadeiro. Uma segunda, está centrada na pregação da Boa Nova; se trata de um anúncio explícito de Jesus Cristo que gira em torno dos núcleos do Novo Testamento (cf. EN 27). Este momento que quer suscitar o encontro com Jesus Cristo passa normalmente por encontros humanos concretos, portadores do Evangelho que o vivem, o testemunham e o proclamam com a palavra mais apropriada. Explicita também o dom do Espírito Santo, dando a conhecer as maravilhas sobre o projeto de Deus, sobre o homem e convidando a todos para entrar em intimidade com Ele.
A modo de conclusão:
No cenário habitualmente chamado “de cristandade” a Catequese tradicional assumia a missão de fazer crescer uma fé inicial, com a qual as pessoas chegavam aos processos catequéticos. Alguém havia realizado já o Primeiro Anúncio; a família, a escola, outras instituições e a própria sociedade transmitiam a fé através de uma espécie de “banho sociológico”.
O fenômeno que alguns denominaram “modernidade psicológica”, que põe a realização pessoal e a própria liberdade como valores absolutos aos quais devem subordinar-se outros valores; e o fenômeno da globalização, com seus evidentes resultados de pluralidade, põem a pessoa em situação de fazer sua opção religiosa num cenário no qual as diversas propostas se oferecem num nível de igualdade em que vale tudo. Deste modo, a pessoa fica num amplíssimo âmbito de liberdade sem referências.
Aqui a Catequese tradicional se acha impedida de transmitir a fé, visto que pretende abordar um caminho que supõe já uma fé inicial que não existe. A multiplicidade de propostas e a ausência ou debilidade de referências confundem as buscas religiosas.
Para apresentar e viver o Querigma hoje
1. Dado o vazio do Querigma em muitos dos processos evangelizadores, será necessário promover sua inclusão onde não esteja, acompanhar aqueles processos que estão dando frutos em nossas comunidades e estar atentos à voz do Espírito que é aquele que age nos que buscam aderir à fé em Jesus Cristo.
2. A inspiração e ponto de referência para fazer a experiência do Querigma tem que ser em primeiro lugar o Novo Testamento, a interpretação do Magistério da Igreja e a contemplação e discernimento das pessoas em sua própria cultura.
3. O Querigma não poderá que ser apresentado isolado ou como ação única e fechada no serviço da Palavra; mas como momento de todo o vasto processo evangelizador e ao mesmo tempo como luz envolvente à qual é preciso retornar sempre que se trata de anunciar Jesus Cristo.
4. O processo evangelizador, com seu momento querigmático, se quiser se ligar e ser importante para as pessoas de nosso tempo, tem que ajudar a tomar consciência do sentido último da existência, mediante um processo lento, retomar as situações humanas como parte de seu conteúdo. Somente quem se confronta seriamente com o sentido da vida pode apresentar a religião como dimensão fundamental da existência humana.
5. Finalmente, o cuidado dos mais pobres, que são a maioria no continente latino-americano, tem que ser um critério básico que nos diga se estamos ou não no caminho certo. Não é que seja uma condição que os pobres saiam de sua situação para que se tornem cristãos, mas que eles sejam evangelizados, que se encontrem à vontade na Igreja que é sua casa. Isto é importante num momento em que talvez, por medo das ideologizações, os pobres se convertem naqueles que simplesmente não contam.
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NA TENDA, O ANÚNCIO QUE CRIA RELAÇÃO
Attilio Ignacio Hartmann*
Prólogo
Olhem... este é o Cordeiro de Deus, anunciou João, o Batista. André e João, curiosos, seguiram a Jesus, que, voltando-se, perguntou: o que vocês estão procurando? E eles: Rabi/Mestre, onde moras? Jesus lhes disse: venham e vejam. Eles foram, viram e ficaram com Ele (cf. Jo 1, 35-39a). O primeiro anúncio foi o de João Batista, indicando a presença de Jesus. Na "tenda", o seguimento de Jesus lançou raízes, criou relação: E eles ficaram com Ele. Da tenda, vamos passear pelas muitas comunicações da nossa realidade.
Então, o foco da minha apresentação vai ser a comunicação como a arte do encontro com o outro. Neste sentido, entendo a comunicação como uma celebração de amor... um ato voluntário no qual duas ou mais pessoas se acolhem como interlocutoras iguais, cordiais e necessárias num processo interativo dialógico, feito de informações, experiências e sentimentos, buscando um crescente sentido para o seu existir em comunhão com os outros. Nesta definição, o corpo pode ser definido como o sacramento de comunicação de toda a pessoa.
No processo de comunicação, as mídias são importantes, mas sempre como ferramentas ou instrumentos ao serviço da comunicação. Elas são parte do processo, não são o processo nem podem conduzi-lo. "Extensões", diria que MacLuhan, simplificando o conceito.
Jesus Cristo não é o "comunicador perfeito do Pai", como se ouve dizer; Ele é a Palavra, o Verbo, a Comunicação viva e histórica do Pai. O prólogo de João deixa isso claro. Em Jesus, a Palavra eterna do Pai tomou um corpo, se fez carne, é visível e tangível como toda pessoa.
No mesmo prefácio, João diz que ele “armou sua tenda entre nós". É urgente que a humanidade recupere o "espírito da tenda" porque a verdadeira comunicação se dá na “tenda”, ou seja, no tu-a-tu presencial e interativo.
A nova época humana: Que mudou? Que fica? Que é exterioridade, perfumaria, consumo, show? Vivemos sempre mais na cultura do espetáculo e do consumo, a cultura do “use e descarte". O que permanece para que o homem/a mulher continuem sendo humanos?
Se aceitamos que a comunicação é uma liturgia... uma celebração de amor, será que podemos dizer, honestamente, que nossas celebrações são o que deveriam ser, o espaço privilegiado de evangelização?
A religiosa... o religioso... a vida consagrada continua sendo uma presença profética do Verbo que se fez Carne e armou sua tenda na história humana para estabelecer o tu-a-tu do diálogo salvador?
Perguntas, perguntas e mais perguntas. Oxalá possamos sair deste encontro com algumas respostas e muitas perguntas mais...
Entrando no tema
Pelo visto, há muito que falar, e se pode discutir e chegar a algumas conclusões. Que nunca serão conclusivas, definitivas... Muito mais do que apresentar respostas tentarei, honestamente, complicar suas vidas com perguntas. Isso me ensinaram os anos: quando pensei ter todas as respostas, a vida mudou as perguntas. Eu ficaria tristemente só com minha sabedoria se não fosse um sábio que me disse: a vida é uma busca constante que apequena os fracos e covardes e engrandece os que não cansam de buscar.
Bem, esta é uma geração mal-dita... vivemos numa sociedade mal-dita. E eu não estou sendo apocalíptico, apenas bíblico. Mal-dito, mal-falado, mal comunicado. Há dois mil anos, um certo Jesus de Nazaré dizia para quem não o queria escutar: Esta geração é maldita porque não recebe a Palavra, a Comunicação do Pai".
O prólogo de João serve como referencial àquilo que quero dizer: a Palavra se fez Carne, se fez Pessoa e, como Pessoa, se fez Comunicação. E como pessoa que quer se comunicar, armou sua tenda para entrar em diálogo com a gente. E para que, na Palavra e pela Palavra, ou seja, na/e pela Comunicação, as pessoas se salvem. É na tenda, na proximidade da tenda, no tu-a-tu da tenda, no provisório da tenda, no calor cordial da tenda que acontece a comunicação. Por aí passa a salvação da gente desta geração mal-dita, onde as pessoas são como ilhas cercadas de meios de comunicação por todos os lados, mas in-comunicadas, não relacionadas, uma reedição atual das mônadas fechadas, sem portas nem janelas, figura criada pelo filósofo Leibnitz. Como mônadas, homens e mulheres deste tempo se bastam a si mesmos e não sentem necessidade de entrar em relação com os demais. “O outro é uma paixão inútil”.
As mídias são meios, artefatos, instrumentos, ferramentas, "extensões" (McLuhan). Sua função é estar a serviço da comunicação, entendida como a arte do encontro com alguém, com o outro. As mídias não podem tornar-se senhores na comunicação. Como senhores, elas são tiranas, exigem dependência, querem súditos aos quais escravizam. A dependência das mídias é uma droga que vai se adonando de todo o ser e agir das pessoas de uma forma sutil, "deliciosa", "saborosa", apaixonante. Quando alguém se dá conta, já está drogado, já é um dependente midiático a mais...
A história humana jamais registrou uma tão impressionante e quase geral subserviência das grandes mídias aos interesses dos novos impérios e do império central, com suas formas serpentinas para insinuar-se na vida das pessoas e nos negócios dos povos. São formas mais perversas porque mais sutis, mais envolventes porque mais atrativas e, principalmente, mais eficientes porque mais espetaculares. Por exemplo: para mostrar ao mundo o poder norte-americano, a televisão se instalou uns quantos dias antes da espetacular invasão do Iraque, lembram?
A monopolização dos meios de comunicação caminha, pari passu, com a globalização. E os profissionais ficam na disjuntiva: abafar sua consciência ética que os desafia a serem coerentes e fazer das mídias o espaço da construção de um outro mundo possível, ou "administrar” a situação e, ao menos, garantir o pão não tão honesto e muitas vezes amargo de cada dia.
Neste quadro nada encorajador, talvez uma das principais fontes de angústia dos profissionais é exatamente a "administração" desta dicotomia: por um lado, a consciência ética que insiste em fazer das mídias um lugar de relações construtivas de um mundo melhor e, por outro lado, os interesses dos proprietários dos meios de comunicação e, portanto, do poder político e econômico mundiais.
Não sou futurista, dando tiros para o ar, nem o brasileiro mais lido em todo o mundo (Paulo Coelho), chorando sentado às margens de um rio, muito menos uma reencarnação crioula de Nostradamus, que prevê apocalipses tão genericamente localizados na história que se pode ouvir trombetas angélicas e tropéis de cavalos imaginários em todos os lugares. Mas, honestamente, não vejo no horizonte próximo, alguma mudança substancial e real nas políticas e práticas dos grandes monopólios de comunicação globais e nacionais. E se, daqui a dez anos, mudanças houver, toda a realidade terá mudado também. E os parâmetros analíticos serão outros, diferentes dos atuais.
O que eu vejo como espaço midiático possível de uma ação transformadora do status quo atual é a aposta mais forte dos meios alternativos, particularmente na radiodifusão comunitária e na internet. Isso, enquanto os grandes trustes internacionais não inventem uma forma de codificar de tal forma a internet que essa mídia, ainda democrática, seja igualmente cooptada pelo sistema das grandes mídias, e seja apenas dama de companhia do mercado transnacional.
Eu faço minha opção: vou falar algumas coisas da responsabilidade social do religioso/a, com a construção de um outro mundo possível. E vou falar desde o referente ético, comunicacional e de um cristianismo humanista que desafia os comunicadores/as a dar sua contribuição, corajosamente, para a páscoa de uma sociedade de relações justas e solidárias.
Claro, assim como toda verdadeira comunicação começa a partir do interlocutor, assim toda comunicação termina onde começa a imposição. Só se coordena e dirige bem o que se conhece... só se conhece o que se ama. Amar o interlocutor para conhecê-lo é a condição fundamental sine qua non para alcançar mudança de atitudes, mudança de estruturas, mudança de realidade. Este é o desafio colocado para o comunicador comprometido, e todos/as somos comunicadores/as: amar o interlocutor, amar o entorno, amar o mundo, amar a vida.
Entre as características da realidade deste tempo pode-se identificar algumas características negativas, como a retirada estratégica de muita gente que cria seu nicho particular, pequeno e isolado, onde se acostuma a viver miseravelmente em plena riqueza informativa, talvez por sentir-se incapaz de acompanhar o ritmo da notícia e da vida de seu tempo. E se refugia em uma atitude defensiva que, a médio ou longo prazo, poderá gerar uma tremenda solidão. E toma para si o mote: "Não sei, não quero saber, tenho raiva de quem sabe".
Outro aspecto negativo é a equiparação de todos os fatos: a invasão de um país por outro, a morte de um jovem em um acidente de trânsito, o assassinato dos pais por sua filha de 18 anos, a luta dos sem-terra, sem-teto, sem-educação, sem-saúde, o mutirão que constrói o salão comunitário, a visita do Papa, as eleições para presidente. Isso pode levar as pessoas à perda da sua identidade e até mesmo do próprio sentido do "porque" do seu existir. É como um sujeito sem memória histórica, sem sensibilidade diferenciada, sem coisas que marcam sua vida, sem projetos a médio e longo prazos, sem raízes, absolutizando o presente, criando mitos temporários que o levam a viver entre um grande espetáculo e outro. From one big to the next big.
Entre as características positivas se pode citar a tendência das pessoas sentirem-se cidadãs do mundo, que se transforma em "aldeia global" (McLuhan), na qual se sabe quase tudo de quase todos e tudo afeta a todos. Essa sensibilidade ajuda a levar a uma consciência de gestão corresponsável do mundo e da vida, a uma crescente consciência ecológica, à importância da água para a saúde da vida da gente e da vida do planeta, à rejeição forte da violência e da guerra, especialmente da guerra imperialista, ao grito resgatado da história e que é referido, agora, ao nosso planeta: a Terra não é de ninguém, não tem donos; é a Pacha Mama, a casa comum de todos.
Outra característica é a sensação de que se vive num constante presente, o que não é isento de contradições. A alucinante quantidade de informações que as mídias jogam sobre o indivíduo lhe permitem sentir-se um "cidadão do mundo" e, assim, sentir-se mais ou menos responsável pela condução dos destinos da terra, incrementando sua autoestima. É interessante observar como as pessoas falam, com paixão, dos fatos e eventos do mundo que viram pela televisão, escutaram pelo rádio, leram no jornal, receberam pela internet...
Outra entrada que deve ser levada em conta é como as pessoas recebem as mensagens das mídias. Primeiro, um espaço para nosso amigo Aristóteles. Ele tinha a ideia de que tudo o que é recebido do mundo exterior, através dos sentidos, é recebido de acordo com cada perceptor. Uma coisa tão antiga e que comunicadores, como o colombiano Jesus-Martín Barbero, traduzem e nos convidam a ir "dos meios às mediações". Aristóteles soa assim em latim: Quidquid percipitur ad modum recipientes percipitur. Na recepção de uma mesma mensagem, cada perceptor recebe de acordo com o seu mundo-da-vida, seu entorno, sua disposição, suas atitudes e opções de vida. Isso relativiza a "força" persuasiva que se atribui às mídias, inclusive como definidoras das vidas de muita gente. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra...
Na recepção das mensagens, é possível identificar três níveis: o primeiro é o nível do fascínio, do mito, da sedução; é um nível infantil e adolescente que cria seus mitos e tem necessidade psicológica de sua presença. Um segundo nível é o do cansaço, de uma certa letargia, também da rejeição do "mundo adulto", iconoclasta, do despertar da leitura crítica das mensagens e o começo dos jovens perguntar-se sobre o "porque" das coisas, dos fatos, da vida. Finalmente, um terceiro nível, que eu chamo de consciência, da integração, onde se faz sempre a necessária distinção dos fatos, das situações, das relações e se usa os meios na medida e proporção que ajudam a atingir o objetivo que se busca e se quer.
O comunicador ético tem que ter presente que o seu entorno, ou seja, as mídias e seus interlocutores em geral, não tem o mesmo referente ético. No Brasil, há um ditado que se aplica para toda a América Latina, talvez para todo o mundo atual: é a assim chamada lei de Gerson. Gerson foi um jogador de futebol que, ao fazer a publicidade de uma marca de cigarros, terminava dizendo: "é preciso levar vantagem em tudo". A aplicação prática desta lei leva à corrupção, à mentira nas relações pessoais, ao engodo político, à instrumentalização de valores, à prostituição das mídias, a uma religiosidade individualista, a um egocentrismo que transforma as pessoas em ilhas ou mônadas fechadas sobre si mesmas.
Outro aspecto ao qual o comunicador precisa dar atenção: vivemos a era do descartável. As mídias monopolizadas incentivam a sensação de que as coisas, o tempo e a vida passam rápido e é preciso aproveitar o máximo possível. Neste esforço, elas são ajudadas por uma verdade científica: do tempo histórico "Alfa" até 1750, aconteceu a primeira duplicação do conhecimento humano; de 1750 a 1900 (150 anos), a segunda; atualmente, a cada três anos; no ano de 2030, a cada 75 dias. Isso significa, por exemplo, que um computador de última geração que alguém compra hoje, será sucata em 75 dias. Esta alucinante aceleração do tempo gera a sensação de que é preciso viver, consumir, aproveitar, desfrutar o máximo possível no menor tempo disponível.
Definitivamente, vivemos uma mudança de época. Razão tem a "negra" Mercedes Sosa, quando canta: cambia, todo cambia. Mudam os modos de conhecer, muda o próprio conhecimento, o saber/conhecer se faz global, há uma tensão entre global e local, levando à tensão entre cultura globalizada e culturas locais, muda o sentido de história, o moderno sai da linearidade e nos leva à cultura do zapping, incluindo a zapping religion. A cultura do zapping constrói uma narrativa aparentemente desconexa e faz, com ela, uma nova narrativa, um novo produto cultural.
Esta mudança epocal leva da linguagem conceitual e abstrata, a uma linguagem perceptiva, concreta. Isso empobrece a linguagem, porque se usam sempre menos palavras e se reduzem os significados. O ato de ver está "matando" a capacidade de entender. Se vejo, não necessito entender, discernir ou avaliar. E ninguém se apropria daquilo que não entende. Consequência: o que não é entendido, é descartável.
É uma falácia, também, crer que o mundo está intercomunicado e que todos os povos e todos os homens e mulheres do universo têm acesso à comunicação e às mídias. Só para ilustrar: mais da metade dos computadores do mundo estão nos lares norte-americanos; todos os terminais telefônicos instalados na África negra são menos do que os que existem na cidade de Tóquio; quase a metade da população mundial jamais usou um telefone.
Por outro lado, é certo que os meios de comunicação são sempre mais comuns e acessíveis a uma sempre maior parcela da população. Mesmo em culturas emergentes, como as culturas indígenas, as minorias étnicas e de gênero, entram fortemente no mercado de consumo da mídia eletrônica, utilizando-a para suas reivindicações e demandas, para a afirmação de sua identidade e de suas culturas.
No ciberespaço do macro-mundo das comunicações navegam os novos internautas desta cultura comunicacional emergente. Este é um espaço eminentemente público e, por isso, um lugar cultural por excelência.
Alguns lembretes mais para comunicadores/as socialmente comprometidos. E o religioso/religiosa deve ser uma voz profética também no mundo da comunicação, das relações, da "tenda".
Educar as pessoas para a cultura da vida é, hoje, o compromisso maior de todos os que têm responsabilidades numa sociedade onde as forças da morte (egoísmo, consumismo, corrupção, falsidade, monopólios, neo-imperalismos...) dirigem e, inclusive, podem determinar as atitudes de indivíduos e da própria sociedade.
Contribuir para a construção do cidadão do novo milênio é parte deste compromisso dos comunicadores/as. Este cidadão pode ser definido como o novo homo politikos, cidadão de direitos e deveres sociais, econômicos, educacionais, sujeito dos processos relacionais de seu entorno sociocultural e que inclui os processos e políticas de comunicação. Como contraponto temos o homo esclavus, excluído do acesso real aos direitos fundamentais da sociedade civil, com participação apenas simbólica nos processos relacionais e servindo, geralmente, de "massa de manobra" para confirmar o status quo, definido e estabelecido pelos que detêm o poder econômico, ao qual os demais poderes do sistema sociopolítico estão subordinados.
No espírito da tenda, é forçoso organizar e estimular ao máximo a participação nas relações de comunicação. A autoestima da gente, tão em baixa nestes tempos, só se afirma e acentua quando pessoas são reconhecidas e acolhidas como sujeitos de um processo ou projeto. Isso se aplica ao projeto cristão: hoje, para que o cristianismo, que vem de um compromisso real com as pessoas, não seja puro palavreado documental ou midiático, é preciso resgatar a participação do povo crente, na construção coletiva da Comunidade. Este é um espaço onde o jovem pode desenvolver suas potencialidades de liderança e de relações, crescer em autoestima, sentir-se alguém com outros, fazendo algo por alguém. Esta é uma proposta de sentido.
Entre os sinais de esperança podemos destacar a recuperação de sentido do comunitário, o pensar o mundo da vida e das relações desde o outro (radiodifusão comunitária, mutirão, associações de vizinhos, encontros de famílias...); também a valorização do sentimento de justiça e da dimensão ética da vida, o uso responsável dos bens públicos, comuns a todos; a crescente consciência política e a disposição, inclusive de parte de muitos jovens das classes média e alta, em contribuir para uma sociedade mais justa e solidária; a ridicularização dos mitos do campo político, social, religioso e econômico; as tiras cômicas e as piadas de bar são uma grande maneira de esvaziar mitos e mostrar seus pés de barro. Finalmente se percebe uma crescente atitude ecumênica, seja nas relações políticas e econômicas entre os povos ou a abertura ao diálogo inter-religioso e intercultural. Tem plena atualidade a frase daquele que, por sua visão e coragem proféticas, foi o principal Papa dos últimos séculos, João XXIII: "é preciso que olhemos sempre mais para aquilo que nos une do que para aquilo que nos separa". Que parece ser também a visão e a prática do Papa Francisco.
Assim, todo comunicador e toda comunicadora comprometido com o projeto de uma sociedade justa e solidária, sinal do Reino, deve comunicar vida. Como comunicador, é chamado a ser profeta do novo, do que ainda não é mas poderá ser, a ser um crítico honesto do ontem, vivendo o hoje histórico, reescrevendo constantemente o mundo da vida pessoal e sonhando, com muitos outros, o limite ideal do horizonte humano, a utopia.
A esperança desta utopia passa pela capacidade de aceitação do desafio deste tempo histórico: criar e apoiar comunidades humanas, com base na solidariedade e na intercomunicação de valores culturais e sociais. Nestas comunidades solidárias da “terra sem males", viver a comunicação como uma bela celebração, onde a gente se acolhe livre e amorosamente, onde as pessoas buscam juntas sentido para suas vidas, onde os meios, processos e políticas de comunicação são colocados ao serviço desta comunicação/relação. Porque este é seu objetivo, sua missão e sua razão de ser. É utopia? Pois sonhemos as pequenas e grandes utopias, sem as quais a humanidade não tem futuro.
Religião, artigo de consumo pessoal?
É seguramente surrealista tentar separar, hoje, o espaço/tempo/lugar sagrado do espaço/tempo/lugar profano. Há apenas um único espaço/tempo/lugar: o homem e seu mundo da vida (Lebenswelt) globalizado. E as expressões religiosas nas mídias são parte deste único espaço/tempo/lugar.
Haverá fé quando o mundo – a economia, as culturas, as religiões, as relações – estiver totalmente globalizado? Encontrarão as pessoas respostas de sentido depois da mundialização das culturas, da mitologização do capital, das relações consumistas, do Deus ex machina que tem por função avalizar eticamente e dizer que "tudo é bom" – bendizer – o que o atual sistema econômico e de meios produz? O consumo compulsivo de sempre mais bens tecnológicos não seria uma busca, talvez inconsciente, de uma resposta de sentido para uma espécie de vazio existencial, um no sense vivencial? Tem sentido falar hoje da possibilidade da contribuição da religião organizada (igreja, comunidade) como resposta a uma necessidade, também social, de relacionamento presencial que produza sentido plenificante e plenificador?
Embora pareça exagerado ou apocalíptico o grau de negativismo de Lipovetsky em sua obra "A era do vazio" , não se pode deixar de reconhecer que há muito de verdade quando ele comenta a realidade atual. Sente-se uma apatia mais ou menos generalizada entre as pessoas diante de situações que vivenciam em seu cotidiano ou que lhes são passadas pela mídia. E essa apatia, essa indiferença, essa desistência consciente de posicionar-se diante de situações de injustiça, de violência, de exclusões de toda ordem afeta pessoas de todas as idades, também as gerações mais jovens. Os níveis de individualismo e consumismo compulsivos estão gestando uma sociedade filosoficamente desencantada e culturalmente esgotada.
O sistema de meios está profundamente enraizado neste arcabouço e seus produtos são, para muitos, a agenda que orienta sua conduta cotidiana e o tipo de relacionamento que estabelecem com os vizinhos e em sua própria casa. As justificativas para atuar e para suportar a vida são ajudadas pela presença constante dos meios massivos de comunicação. Em uma sociedade neurótica e neurotizante, onde dominam a violência e o não-respeito pelo humano, um noticiário espetacularizado vai agir no sentido de tornar normais tais situações, levando as pessoas a dar graças a Deus por ainda estarem vivas. O que num outro tempo ou situação seria visto como uma patologia social, é agora aceito e vivido pelas pessoas como algo comum, próximo, doméstico e, portanto, normal. É cada vez mais difícil "chocar" ou abalar as pessoas.
Fracos diante de um poder que as aplasta, as pessoas desenvolvem pequenas táticas de resistência que tornam a vida ainda suportável e com algum tipo de sentido. Há uma espécie de cumplicidade entre o consumidor e o produtor cultural: um ressignifica as mensagens que recebe; o outro, reapropriando-se do modo popular de falar e atuar, propicia os elementos fundamentais para que a pessoa possa interpretar sua vida e relativizar os problemas do seu cotidiano.
Como táticas de resistência, consequência de todo quadro anterior, surge uma nova categoria religiosa muito presente na realidade atual: a dos transmigrantes religiosos ou eclesiais, que podem ser identificados pelas mesmas ou similares características que identificam boa parte das populações urbanas de hoje: oriundi do interior ou de outras cidades, com uma multifacética identidade racial e étnica de famílias fragmentadas, sem referências socioculturais fortes, sem opções religioso-eclesiais históricas definidas, são pessoas religiosamente sincréticas, vivem um multiculturalismo individual quase espontâneo, onde a mídia encontra terreno fértil para a recepção de elementos culturais globalizados.
Obviamente, tudo isso muda a imagem que as pessoas têm de si mesmas e o sentido que alimenta o relacionamento com o outro, muda o sentido do lugar que ocupam no universo, muda o sentido do tempo e da memória. E muda o sentido de Deus, da religião e o sentido de pertença a uma igreja/comunidade determinada.
Há uma evidente crise de identidade de grupos e indivíduos, o que parece gerar outro tipo de crise: a crise existencial. A ausência de raízes comunitárias e de culturas referenciais que ofereçam um "porto seguro" onde ancorar suas vidas e projetos mais amplos do que a vida cotidiana e trivial e o cotidiano “come-e-dorme”ou a simples luta pela sobrevivência, faz com que sempre mais mulheres e homens já não se reconheçam em seu próprio ambiente social e, inclusive, em seu ambiente mais próximo, familiar, profissional, religioso e comunitário. É neste quadro que surgem o que poderíamos chamar de respostas imediatas de sentido.
Como resposta imediata de sentido é entendido, também, o consumo de bens da fé, muito presente em propostas religiosas fundamentalistas, que estabelecem com a divindade um espaço de troca material, onde o fiel/cliente entra com sua parte, seja em forma de "promessas", da oferta de objetos ou dinheiro e a divindade é "pressionada" a responder com o "milagre" (bom emprego, saúde, dinheiro, sorte... a pragmática teoria bíblica do “cem por um”, do do ut des!). É a prática da teologia da prosperidade. Os adeptos desta forma de expressão religiosa geralmente cultuam uma divindade individual e não sentem necessidade da organização, vivência e celebração comunitária da fé. Também nada lhes diz nem apreciam a historicidade de uma instituição eclesial. O que importa para esses crentes é que a "igreja" responda, aqui e agora, às suas necessidades tópicas de felicidade imediata. É neste grupo de crentes que encontramos a categoria de transmigrantes religiosas ou transmigrantes eclesiais.
No imaginário destes crentes, o religioso se apresenta como uma solução mágica para a necessidade que têm de uma referência que, para eles, faça sentido, construa sentido. Este sentido pode vir da sensação de segurança, de harmonização que o mundo religioso oferece ou pode oferecer. Assim, parecem pequenos cosmos de harmonia e de paz, tantos lugares religiosos de culto, onde a música, o canto, o mover o corpo em movimentos sensuais rítmicos, o fechar os olhos, o convite à "contemplação", ao êxtase servem como contraponto à violência física e psicológica, aos medos e à insegurança do cotidiano.
A religião/religiosidade, vivenciada mais como um bem de consumo individual do que uma prática coletiva/comunitária, tem cada dia mais seguidores. Além disso, há sempre mais pessoas que fazem ou refazem seu micro-mundo religioso em frente à televisão. Lá, sozinho ou com a família, eventualmente com parentes e amigos, interagem com a televisão e com "muitos irmãos e irmãs" interligados pela mídia e, em sentido mais amplo, pela mesma fé. Experiências frustrantes anteriores de participação presencial desestimulam muitos crentes hoje, hedonistas e consumistas como toda pessoa mais ou menos "normal" deste tempo, a deixar o conforto do ambiente familiar para enfrentar a rua, o templo, a voz pouco agradável do padre/pastor, o canto desafinado, os "donos" da liturgia, os assentos duros e nada anatômicos, os longos e repetidos “avisos paroquiais”, a insistência pela contribuição econômica, o clima pouco cordial e geralmente nada acolhedor. O espaço hermético das instituições eclesiais em geral e os locais de culto pouco "humanos" que oferecem, propiciam a cooptação e a utilização pela mídia do produto “religião” para gerar ingressos econômicos com o sentimento religioso, universalmente presente em nossas culturas.
Empresários da mídia televisiva perceberam o filão religioso e, ágeis, começaram a fazer dele um lugar de audiência e uma fonte de lucro. Conhecendo melhor a alma do povo do que as instituições eclesiais em geral, porque mais profissionais no ramo, resgataram símbolos, mitos e toda uma linguagem religiosa de fácil digestão e de muita emoção e os programas/produtos "religiosos" foram tomando todos os horários, dos mais aos menos "nobres", com um cardápio diversificado para todos os gostos e paladares deste macro-mundo de deuses e mitos, de santos e orixás, de tupãs e oloduns, de marias e "iemanjás" .
Entre as diferentes expressões religiosas hoje presente no Brasil, Reginaldo Prandi identifica algumas características das religiões neopentecostais, entre elas, aquelas do culto mágico da cura divina. E agora que o dinheiro já não é mais "coisa do diabo", mesmo que o papa Francisco disse que é excrementum diaboli, Prandi destaca os aspectos econômicos e proselitistas relacionados com a prática religiosa.
Muitas instituições eclesiais, mesmo alguns segmentos das igrejas históricas, são montadas a partir do econômico e do mercado, onde a conquista de almas se dá em função do mercado religioso. Nesse cenário, de corte globalizado, a religião já não tem caráter de perpetuidade, mas dura enquanto houver uma possível troca entre serviço e consumidor.
Prandi apresenta este cenário num tom bastante apocalíptico, como se fosse um sermão dominical de Vieira , atualizado para nosso tempo. Ele diz:
Por isso, estão enganados os que imaginam que vivemos um momento de grande reflorescimento religioso, que nega a secularização e leva a sociedade, de novo, a entregar os pontos ao sagrado. A velha religião, fonte de transcendência para a sociedade como um todo, perdeu toda a sua utilidade. A religião que tomou o seu lugar é uma religião para causas localizadas, reparações específicas.
A sociedade como um todo não pode ser neopentecostal, pois os que já são capazes de gerenciar sua capacidade de ganhar dinheiro nunca vão aceitar de dividi-lo com Deus. Não pode ser católico carismático o católico que busca a construção de uma sociedade socialmente mais justa. Também não vai conformar-se em ter uma única religião os que se fartam em desfrutar o que cada uma delas pode oferecer para seu interesse, compondo eles mesmos seu próprio mix religioso, com anjos, espíritos, guias e gnomos, oráculos e pirâmides, orações, ervas e fórmulas de alquimia, meridianos chineses, preceitos orientais, baralhos, passes espirituais, horóscopos, talismãs e todo tipo de sinais e símbolos, religiosos ou não. Porque tudo se vende, tudo se compra .
Um texto de Alcino Leite Neto, igualmente apocalíptico, não deixa de ser motivo de preocupação para as igrejas históricas, pois reflete um aspecto da realidade eclesial do novo milênio e é uma característica da globalização religiosa. Ele diz:
Hoje, religiões nascem no ritmo dos dias. E estão abandonando o plano do universal para medrar no território insidioso do “self”. É a “self religion”; não a religião do eu, mas uma religião para cada ego. Nesse processo, o crente está tão à vontade para escolher uma fé quanto para trocá-la por outra, dependendo de sua disposição emocional e dos atrativos da igreja que adotou (ritual, grupo social, obrigações).
Esse “self servisse” religioso se baseia num tipo de pragmatismo que associa as necessidades existenciais concretas do crente e suas demandas espirituais urgentes. "O fiel tem pressa e a doutrina metafísica é apenas um acessório para o convertido" . Para Leite Neto, o oligopólio espiritual ambicionado pelas religiões clássicas, tais como o catolicismo (romano), é coisa do passado da humanidade. Já não há culpa nem pecado em deixar uma religião e adotar outra. A mudança de credo vem a ser uma forte fantasia de liberdade num mundo materialmente sufocante. Em um mundo assim, dá no mesmo se um exorciza seus demônios no palco e outro dança feliz a aeróbia da fé, se este toca tambores entre as pedras pagãs de Stonehenge (Inglaterra), enquanto aquele tecla sua conversão à igreja da eutanásia da Reverenda Chris Korda, na Internet. A salvação pós-moderna lacra a crise da metafísica ocidental, distribuindo deuses à imagem e semelhança de cada um .
Esta fantasia de liberdade parece receber força e atualidade na assim chamada "Igreja eletrônica" , onde as pessoas interagem com seus deuses e mitos nos espaços da religiosidade virtual, inaugurando, inclusive, um novo conceito de prática religiosa. Pode entender-se por "igreja eletrônica" o fenômeno religioso que começou nos Estados Unidos e que encontrou na América Latina terreno fértil para sua implantação e rápida expansão. A Igreja eletrônica nasceu no pentecostalismo americano e sua principal característica é, obviamente, o uso massivo, constante e insistente da mídia eletrônica (rádio, televisão, internet). A divindade que cultua é essencialmente curadora de todos os males tópicos e sua pedagogia pastoral é intimista, personalista e fortemente sentimental.
Este fenômeno, no entanto, engloba muito mais e é mais profundo do que se pode imaginar e, de modo algum, se limita ao terreno religioso ou à curiosidade científica, mas torna-se um fenômeno social, antropológico e, no campo das comunicações, em uma importante mediação da experiência religiosa. Jesús-MartínBarbero o expressa bem quando diz que são...
igrejas que não se limitam a usar os meios de comunicação para fazer mais ampla a audiência de seus sermões, não se limitam a usar os meios para fazer maior o espectro de público ao qual chegam. Não. A meu ver, as igrejas eletrônicas são igrejas que se converteram especialmente para o meio rádio e televisão (hoje, navegando firme pela Internet), fazendo da TV e do rádio uma mediação fundamental da experiência religiosa. Ou seja, o meio é um elemento fundamental do contato religioso, da celebração religiosa, da experiência religiosa .
Poderíamos dizer que a Igreja eletrônica é o lugar onde se está gestando uma neo-religião midiática, de relações virtuais, com crentes ligados pela mediação telemática. Esta neo-religião, que tem seu habitat na mídia, para muitos tem um primeiro e grande mérito: estaria contribuindo para o reencantamento do mundo da vida das pessoas. Num tempo de desencantados, desiludidos, amargurados e desesperados, o reencantamento é um reencontro com a própria reconstrução de sentido na vida de muitos.
Martín-Barbero disse que a Igreja eletrônica
está devolvendo a magia às religiões que se haviam intelectualizado, que se haviam esfriado, que se tinham desencantado. A Igreja eletrônica lança mão das tecnologias da imagem e de tecnologias de sentimento para capturar a exaltação messiânica, apocalíptica e, ao mesmo tempo, para dar rosto e voz às novas tribos, às novas seitas, às novas comunidades. Estas comunidades são, principalmente, ritual e moral e muito menos doutrina .
O que parecia ser apenas um detalhe, não escapou aos profissionais da mídia: a linguagem adequada e a visibilidade do religioso. Na televisão, deuses e santos falam a linguagem do povo, das alegrias e tristezas da vida do cotidiano da gente. E mais: nos meios de comunicação, os "representantes" destes deuses são perfeitamente identificáveis, seja por sua maneira de se vestir, seja por sua maneira de interagir com os fiéis. Na sociedade pós-moderna, onde a visibilidade dos sinais religiosos quase inexiste em lugares públicos, a mídia os recupera e os recoloca no espaço mais visível: a televisão. Sem julgar se isso é um atraso ou um avanço, aqui apenas a constatação de que se trata de uma inteligente técnica/tática comunicacional. A questão não é se o religioso é visível ou não; a questão é se essa presença religiosa na mídia massiva constrói sentido e que tipo de sentido.
Não é difícil identificar a quantidade de signos e presença do religioso na mídia: basta somar e multiplicar os tempos de programas explicitamente ou implicitamente religiosos que são levados ao ar todos os dias. Os 120 milhões de católicos-romanos do Brasil, por exemplo, não têm porque reclamar em termos de quantidade: todos os fins de semana, são como 60 missas na televisão e em torno de 650, no rádio! Há cinco redes nacionais de televisão que se identificam como "católicas", com duas e até três missas, diariamente. Tudo isso são atos de culto, que é a presença mais explícita do religioso/institucional que pode haver. Agora, se somamos programas de corte religioso, inserções em telenovelas, sermões, orações, "bênçãos" e um mundo de "manifestações" que se movem no universo pararreligioso ou religioso, esta quantidade é imensa, quase incomensurável.
Aqui entra a questão das mediações. O sistema de meios é poderoso, mas não todo-poderoso. As mediações cotidianas do mundo da vida de cada indivíduo interferem, filtram e canalizam as mensagens recebidas e dão um sentido diferente (ressignificam) aquilo que é procurado pelos meios de comunicação.
Martín-Barbero, numa de suas principais obras, nos leva a migrar dos meios às mediações e aponta para os grupos de vida como mediação particularmente importante. Para os jovens, então, há uma necessidade quase compulsiva de reunir-se em grupos, em tribos, de sentir-se com os outros, de ser conhecido e reconhecido pelos membros de seu grupo e por membros de outros grupos também. É o espírito da "tenda".
O jovem vive esta relação com seu grupo de uma maneira desenraizada, sem apego ao local, ao terreno, à casa, ao berço, ao nome. Neste sentido, o grupo pode transformar uma discoteca, a esquina de um bairro, uma praça, a calçada de uma rua em seu lugar, em seu espaço. Mas este seu espaço nunca é definitivo: hoje pode ser a esquina de uma rua, amanhã uma parte de uma grande praça, depois, a calçada de uma avenida central, em seguida, um bar ou uma pizzaria. No imaginário do jovem, o local e o global, a "aldeia" e o mundo, a esquina em frente à sua casa e a Praça Vermelha de Moscou são apenas dois pontos diferentes do mesmo planeta, da mesma Terra. Para a “geração internet”, o mundo tem as dimensões de sua capacidade de navegar pelas infovias cibernéticas, que as modernas tecnologias lhe oferecem. Seu grupo e sua cidade têm sempre mais força, mais karma, mais energia, mais identidade do que o macro-mundo lá fora, que causa apenas um impacto relativo na sensibilidade do jovem. Para a gente jovem e outras pessoas também, o grupo de vida, de pertença, é uma das principais mediações que interferem e "condicionam" as mensagens que o entorno e a grande mídia lhes oferecem.
Poderia ser de um jovem ou de outra pessoa, talvez de alguém decepcionado com seu grupo ou estimulado por ele, o grafite de uma rua de Buenos Aires que afirma, categórico, nostálgico e contraditoriamente poético: o futuro já não é o que era. O grafite, anônimo, democrático e caótico, expressa um sentimento comum de perplexidade diante de um amanhã que, para sempre mais gente, é nebuloso, cinza, sem perspectivas, vazio. Todas estas situações novas que a realidade globalizada traz, e que incluem a mudança de paradigmas tradicionais e históricos, exigem uma atitude que também não tem o signo dogmático do definitivo, da perpetuidade. Mais que nunca é preciso aceitar e viver a dinâmica de um definitivo provisório. Que seja infinito enquanto dure , como expressa o poeta brasileiro Vinícius de Moraes, referindo-se ao sentimento de amor.
Por aí se entende também a suspeita que recai sobre os discursos definitivos, os paradigmas, as pessoas, instituições, projetos, situações ditas “ideais”. Há, até, os que vaticinam o fim das utopias, embora este vaticínio, geralmente, venha acompanhado de uma alta carga de interesse ideológico, patrocinado pelo sistema único globalizado, inimigo das utopias que possam iluminar e apontar para sistemas sociopolíticos e econômicos diferentes do sistema central.
Diante disso, penso que há uma saída possível: reinventar o futuro, abrir novos horizontes de possibilidades, cartografado por alternativas radicais àquelas que deixaram de sê-lo. Com isso, se assume que estamos entrando numa fase de crise paradigmática e, portanto, de transição entre paradigmas sociais, políticos e culturais. É preciso assumir, igualmente, que já não é suficiente continuar a criticar o paradigma ainda dominante; é necessário definir o paradigma emergente. Esta tarefa é, de longe, a mais importante e é, também de longe, a mais difícil... Diante de tudo isso, como proceder? Eu acho que há apenas uma solução: a utopia. A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por meio da oposição da imaginação para a necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de querer e pela qual vale a pena lutar .
Sinais de esperança
Já assinalamos, entre trombetas apocalípticas e reflexões integradas, uma série de sinais de esperança ao longo deste trabalho. Nestas páginas finais queremos enfocar o que parece ser de particular importância para a construção de sentido e contraponto do no sense existencial, protagonizado, em grande parte, pelo processo de globalização que não é antropocêntrico, mas que faz do mercado e do lucro seu principal e único referente. Estamos falando da dimensão religiosa, seu imaginário e sua prática individual, mediatizada ou eclesial/presencial.
Na América Latina e particularmente no Brasil, onde as comunidades eclesiais de Base (CEB) apontaram para uma primavera cristã, por obra e graça do Espírito, houve todo um processo de ressignificação teológica, que teve como consequência natural uma prática religiosa de outro corte que o tradicional e hierárquico, baseado em dogmas, decretos e normas do magistério. Nesta prática, o leigo é convocado para assumir o seu ser e seu agir cristãos na comunidade cristã e, desde a sua comunidade referencial, para a sociedade. Esta ressignificação teológica, designada "libertadora", não foi compreendida nem aceita por amplos setores e denominações da igreja, tanto pelo catolicismo romano, quanto por várias igrejas cristãs históricas e, mais ou menos obviamente, por muitos dos novos movimentos eclesiais ou religiosos. Cooptada por setores dominantes destes estratos eclesiais, esta ressignificação teológica ocorre hoje em relações e práticas catecumenais. Por ter tido uma visibilidade e uma práxis mais incisiva e socialmente transformadora no catolicismo romano, foi nesta instituição eclesial onde recebeu mais críticas e foi definida como "teologia perigosa". As comunidades de base significam a "aldeia" ou a “tenda” da proposta cristã, a Última Ceia e a manhã de Pentecostes, a nuclearização que permite o reconhecimento e a acolhida pessoal, liturgias que celebram as "alegrias e tristezas, sucessos e fracassos" da caminhada do povo de Deus, a vida de cada assembleia reunida, de cada comunidade.
Há sinais de esperança, quando a gente, especialmente os jovens, sente e expressa uma “alergia quase cultural" a tudo o que, tradicional e historicamente, tem se constituído em sinal de pressão e repressão. Esta alergia é dirigida particularmente para instituições religiosas que deixam de ser sacramentum salutis e se transformam em estruturas de poder auto-constituído, auto-alimentado e auto-justificado, vendo "perigo" em tudo o que escapa, de alguma forma, do seu controle. Toda instituição que sente e se move a partir de uma necessidade compulsiva de auto-afirmação, sem procurar uma ressignificação constante dos sinais que lhe dão vida, perde sua razão de existir. Esta é uma questão muito séria que as instituições eclesiais históricas têm que se colocar para não oferecer respostas a perguntas que ninguém mais faz...
Há sinais de esperança, quando se constata a força das culturas, do ambiente familiar, das relações primárias, do sentido de pertença como mediações que interferem e, certamente, mudam o significado das mensagens transmitidas pela grande mídia. As pessoas não são pobres vítimas indefesas diante do "demônio" do sistema globalizado de meios e suas intenções "demoníacas"; a força das mediações de ordem diferente as leva a construir o seu próprio sentido! Quidquid percipitur...
Há sinais de esperança, quando se confirma que, para cada ação, há sempre uma reação de sinal contrário. "Assim caminha a humanidade " é uma frase de efeito que não se sustenta como uma inexorável fatalidade do destino humano que não pode ser alterado. Na prática, a afirmação é contestada pela capacidade de mulheres e homens reais e situados que, independentemente de raça, cor, cultura e religião, realizam e mostram, com suas ações cotidianas, a reação contra a tendência, também presente e, frequentemente, superdimensionada pelo sistema de meios, o fatalismo histórico que iria arrastar a humanidade para o vazio, o nada.
Há sinais de esperança quando aparece um documento fechado, anti-ecumênico e proselitista por parte de uma instituição eclesial e causa uma reação em cadeia, tanto por parte dos membros da mesma instituição, como de instituições irmãs. O Espírito, sinal de esperança maior, se manifesta, não na elaboração e na publicação do documento, mas na reação que se segue, provocando uma reafirmação inequívoca de anteriores espaços de conversão, de respeito, de um caminhar juntos no Senhor e, juntos, celebrar a festa da vida.
Há sinais de esperança quando, nos espaços midiáticos, já não se associa nem identifica o religioso com determinada instituição eclesial, mas que as instituições se colocam ao serviço dos bens da fé, servidoras das relações entre as pessoas, referentes éticos, enquanto se entende a ética como um código de disposições teórico/práticas normatizadoras do bem comum e das relações interpessoais e grupais da sociedade.
Há sinais de particular esperança quando as igrejas, como lugar de organização comunitária, são também um espaço privilegiado de transformação social e de celebração da vida, contribuindo, desde o lugar da fé, para a produção de sentido dos membros de cada comunidade eclesial e, assumindo sua dimensão testemunhal, são sinais de esperança para um outro mundo possível, bem como das relações profissionais e sociais da sociedade.
Há sinais de esperança, quando a religião assume seu papel mais importante: o de identificar o fenômeno de um crescente não-sentido existencial que leva a cada vez mais pessoas, por falta de alternativas, a pautar seu mundo-da-vida por uma disposição de estímulo-resposta, reagindo positivamente ou compulsivamente aos estímulos das mensagens da mídia. Aqui, a "missão" da religião é propor, desde o lugar sociocultural, uma produção de sentido mais consciente, profundo e até mesmo transcendente do epidérmico estímulo-resposta.
Há sinais de esperança quando as religiões e igrejas praticam uma teoria comunicativa que se define como uma liturgia em que duas ou mais pessoas se acolhem como interlocutoras iguais, cordiais e necessárias, buscando um crescente sentido para seu existir no mundo, como eu definia no início de minha palestra.
Há sinais de esperança, quando as igrejas cristãs em geral já não confundem sua dimensão missionária com a prática proselitista. Ser missionário significa apresentar uma proposta para a organização do sentir religioso de pessoas e grupos e sua participação presencial numa comunidade humana que possa contribuir para uma suposta qualidade de vida melhor. A decisão será sempre de quem é convidado a participar desta comunidade, cuja anima é a fé em um Projeto e, no mundo cristão, um projeto que se identifica com a pessoa de Jesus de Nazaré. O proselitismo de uma instituição eclesial é a postura de quem parte do princípio de que sua instituição é possuidora única de verdades que não admitem discussão e, muito menos, contestação. É a postura dogmática e, para afirmar ou impor estas "verdades", a instituição pode lançar mão de argumentos persuasivos de ordem subjetiva e, eventualmente, usar a força física ou psicológica. Remember a “santa” inquisição...
Há sinais de esperança na reação de amplos setores de igrejas históricas à prática simoníaca com os bens da religião e a gestação de uma religiosidade eletrônica que está transformando o homo mediaticus deste novo milênio em um homem religiosamente subjetivo, consumidor individual dos bens da fé, sem responsabilidade ética nem social, inclusive porque perde o contraponto que a comunidade presencial oferece.
Há sinais de esperança no uso dos meios de comunicação como espaços de interação comunitária, onde se recupera a prática religiosa e celebrativa de comunidades concretas e se estimula a participação presencial e a pertença comunitária.
Há sinais de esperança quando se recupera a importância social de uma comunidade de fé, que se reúne sistematicamente para intercambiar experiências e histórias de vida e celebra, ritualmente, seu processo histórico e seu cotidiano, tornando possível um relacionamento personalizado e personalizante. É nisso que está seu mérito, sua importância sociocultural e sua "utilidade" para a construção de sentido de pessoas e grupos sociais.
Há sinais de esperança quando se reflete, honestamente, sobre a presença religiosa na mídia e se desdemoniza o sistema de meios, acreditando que são, realmente, uma maravilha da criação do homem que recebeu do Criador a potencialidade de tudo o que faz e constrói. É preciso incluir nesta reflexão sobre o significado do controle remoto da televisão, símbolo de uma zapping religion de comunidades virtuais eletrônicas, organizadas digitalmente pelo imaginário religiosas do perceptor e o sentido que nele produz. Sem prejuízo de qualquer tipo.
Há sinais de esperança, quando as religiões e igrejas crescem na consciência de que são inseridas em um determinado contexto histórico e é sua missão contribuir com estratégias e alternativas eficazes na desatanização da tecnologia e seu corajoso uso para abrir portas e oferecer oportunidades para novos atores culturais e comunicacionais. A pluralidade de atores e mensagens é condição necessária para a criação de um ecossistema de comunicação democrática, necessidade básica para construir um mundo justo e solidário.
Há sinais de esperança quando se busca honestamente este novo habitat cultural/comunicacional a serviço de um novo modelo de sociedade. O projeto cristão, fiel ao seu inspirador Jesus Cristo, coloca uma ênfase especial na comunicação comunitária. Entende-se o comunitário como o lugar vital da experiência humana, onde a gente diz sua palavra, expressa seus desejos, exige seus direitos, celebra a sua vida e faz germinar os valores culturais, que, logo, são transmitidos ao conjunto da sociedade.
E voltamos ao começo: o retorno à "aldeia" ou à tenda é saudade ou esperança? O grafite de Buenos Aires – o futuro já não é o que era – e a música brasileira – Pois é... pra quê? – nos ajudam nesta conclusão. A tenda das relações pessoais e personalizadas é um grito-futuro de um passado-nostalgia. Não se pode negar: o ser humano é um ser e um lugar social e, portanto, um ser/lugar relacional. Esta necessidade de interação relacional com outro semelhante e diferente dele parece não ficar satisfeita em umas relações virtuais, mediadas eletronicamente. Obviamente existe um interagir com a mídia; mas há um "algo" que os meios de comunicação não passam, não realizam, não satisfazem plenamente: um algo de "pele", de cheiro, de cor, de vibração, de tangibilidade física, de corpo e de alma. Esse algo, a nosso ver, só a "aldeia" ou a tenda, com todo o seu significado, pode proporcionar ao ser humano. Donde se infere que a prática religiosa, como uma dimensão humana, não se esgota em relações virtuais, no consumo individual dos bens da fé, numa relação solitária com a divindade. Não no projeto cristão, sempre um projeto construído com alguém.
Concluindo...
O "tio Google" sabe-tudo! Eu poderia perguntar a vocês: mas por que vocês vieram para esta cidade do Caribe, saíram do seu habitat, tomaram tempo, gastaram um “rico” dinheiro... se tudo o que eu possa dizer, o tio Google o diz com muito mais detalhes, informação mais ampla, mais completa? Seria porque "tio Google" sabe quase tudo, mas não pode colocar alma e coração na sua comunicação?
O profetismo dos religiosos/as de hoje passa pelo testemunho do uso consciente de todos os meios disponíveis, de todas as tecnologias midiáticas, mas sem escravizar-se a elas. E usar todos estes meios também para o primeiro anúncio da boa nova do Reino. A liberdade das filhas e dos filhos de Deus passa pelo testemunho de usar a mídia como uma grande invenção do gênio humano, mas sempre como criatura.
E termino, queridas e queridos: houve mais evangelização do Papa Francisco (Jornada Mundial da Juventude, Rio de Janeiro, julho/2013) no abraço que levou a uma família simples de uma favela do que o encontro com os três milhões de jovens na praia de Copacabana, se me entendem. Estimulados pelo papa de espírito franciscano, que entende de comunicação e de “tenda”, nós temos uma oportunidade histórica de colocar alma e coração na nossa comunicação e no nosso ser/agir eclesial de consagradas e consagrados. Com este Papa se dá o necessário resgate do coração, da alma, da ternura, da bondade, da utilização dos meios de comunicação para levar ao mundo o sorriso animador de um outro mundo possível.
Esta geração mal-dita será bem-dita quando voltar para a tenda da comunicação do tu-a-tu, cara-a-cara, coração-a-coração. Então, voltemos para a tenda...
Los Teques, Venezuela, 22 de novembro de 2013
* Jornalista, doutor em ciências da comunicação, diretor da Livraria Padre Reus e do jornal Solidário, Jesuíta.
LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio. Ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barcelona: Anagrama, 1994.
Orixá, Olodum e Iemanjá, divindades afro-brasileiras; Tupã, divindade do povo indígena Tupi/Guarany.
PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. Uma realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.
Antonio Vieira, religioso jesuíta do século XVII, famoso por seus sermões de ordem política e sociotransformadora. O tom desses sermões seria classificado hoje de "apocalíptico" e,certamente, revolucionário.
LEITE NETO, Alcino.Apocalipse do catolicismo.Folha de São Paulo, Primeiro Caderno, a Coluna deOpinião,São Paulo, 22 dez. 1998 p. 2.
O termo "Igreja eletrônica" tornou-se comum e usual na década de 1980 e foi objeto de discussões e estudos, especialmente através do trabalho de Hugo Assmann: a Igreja eletrônica e seu impacto na América Latina.
MARTIN-BARBERO, Jesus. Secularização, desencanto e reencanto massmidiático. Diálogos de comunicação, Lima, FELAFACS, n. 41, mar.1995. p.76.
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Jornadas de Estudio de SDB y FMA
Del Primer Anuncio al Discipulado Misionero en América y El Caribe
Los Teques, Caracas (Venezuela), 20-25 de Noviembre de 2013
21 de Noviembre
Los Desafíos que le presenta el sincretismo religioso al Primer Anuncio
Ponencia: La complejidad religiosa de América Latina La Grande
como texto y contexto para una Nueva Evangelización (Versión preliminar).
Ponente: Dr. Enrique Alí González Ordosgoitti .
Índice.
1.-Necesidad de construir una constelación teórica desde la Fenomenología de la Religión.
1.01.-Concepto y fenomenología de la Mediumnidad.
1.02.-Continuum Magia-Religión.
1.03.-Constantes estructurales de las relaciones interreligiosas en situaciones de lucha religiosa.
1.04.-Relaciones Interreligiosas y el papel de las Correspondencias y Equivalencias.
1.05.-Relaciones Intermágicas y el papel de las Adiciones.
1.06.-La Relación Ritual-Mito y Ritual-Religión.
1.07.-Relaciones Interreligiosas entre Religiones Históricas y Religiones Cosmogónicas.
1.08.-Sincretismo.
1.09.-Panteísmo y Panenteísmo.
1.10.-Mediumnidad y Chamanismo.
1.11.-Vida Más Allá de la Muerte, Reencarnación y Resurrección.
1.12.-Doble adscripción religiosa.
2.-Breve cartografía del mundo religioso latinoamericano que se le presenta a la Iglesia como texto y contexto vivo.
2.1.1.-Religión.
2.1.2.-Religiones Formales-Oficiales.
2.1.3.-Religiones Formales-Populares.
2.1.4.-Religiones Informales-Oficiales.
2.1.5.-Religiones Informales-Populares.
2.1.6.-Religiosidad Popular.
2.1.7.-Catolicismo Popular.
2.1.8.-Protestantismo Popular.
2.2.-Sobre la determinación de seis ejes teórico-religioso de articulación del campo religioso latinoamericano.
2.2.1.-Primer eje: las Religiones Oficiales Cristianas.
2.2.2.-Segundo eje: el de las Religiosidades Populares de las Religiones Oficiales Cristianas.
2.2.3.-Tercer eje: el de las Religiones Oficiales y Religiones Populares no-Cristianas.
2.2.4.-Cuarto eje: el de las Religiones Oficiales y Religiones Populares no-Cristianas, Etnia y Etnicidad.
2.2.5.-Quinto eje: el de la relación Religiosidades Populares, Etnia y Etnicidad.
2.2.6.-Sexto eje: el Espiritismo.
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Agradezco la invitación que me ha formulado la Familia Salesiana para que los acompañara, a través de esta comunicación, en la Jornada de Reflexión que están realizando previo al CAM que se efectuará en la ciudad de Maracaibo el próximo año 2014.
Como le decía en las conversaciones previas al P. Raúl Biord, me siento un poco paralizado para esbozar la temática implícita en la convocatoria de mi intervención, debido a la vastedad del universo implicado, por lo que apelo a vuestra generosidad al evaluar los contenidos de mi comunicación.
Una primera observación es sobre el término Sincretismo, con el que se pretende haber llegado a la sustancia del universo religioso latinoamericano . Pensamos que es utilizado más como una especie de Amuleto teórico, que por su capacidad real de explicación. Se sigue pensando en su acepción original como unión circunstancial de todos los Cretenses (Helenos) para enfrentar a los Bárbaros (Persas), que luego de pasado el peligro, cada componente étnico-ciudadano regresa a su posición original, sin haber cambiado en nada su fisonomía social. De esa noción se procede a ampliar su capacidad metafórica, para reflejar lo que sería una realidad simplemente yuxtapuesta, ocasional, en donde sus componentes son fácilmente perceptibles y por ende, siguen manteniendo su individualidad, prácticamente sin mezcla significativa.
Esta visión del Sincretismo presenta algunos problemas históricos y lógicos, que en mínima medida son necesarios aclarar los más gruesos, de manera que no empañen nuestra visión de la complejidad religiosa latinoamericana. En primer lugar, es necesario ver la longitud de tiempo en la que se han venido desarrollando esos procesos sincréticos, de donde es posible desprender la siguiente afirmación: mientras más tiempo social acumulado, más sólido tiende a ser el sincretismo, menos fácil es posible distinguir sus componentes iniciales e incluso éstos pueden formalmente seguir existiendo, pero con alta probabilidad de haber sido resemantizados por completo.
Valga el ejemplo de nuestra Religión y nuestra Iglesia, formada por judíos (Jerusalén), que buscaron explicarla a través de un proceso de dominio y reconversión de la filosofía griega (Teología) y organizarla siguiendo el modelo exitoso del centro imperialista en donde se desarrollaba (Roma). Y nadie duda de su originalidad, ni se refiere despectivamente a este proceso sincrético, independientemente de que sus tres troncos fundacionales, presenten tensiones en lo interno y aún más en lo externo con el resto del mundo, en la medida que nuestra Iglesia se va universalizando. Por eso no podemos ver la brizna de paja en el ojo ajeno.
Otro elemento histórico, axiomático al leerlo desde el punto de vista de la Historia de las Religiones, es que cualquier Religión existente desde el Neolítico (10.000 a.C) hasta hoy en día, es producto de mezclas y sincretismos de variados procesos, por lo que catalogar a una Religión o Religiosidad de sincrética, no agrega novedad a la descripción, a menos que se decida a investigar puntualmente para describir en profundidad a la cosa en sí y así poder determinar tanto los orígenes de los diversos componentes, como los procesos aculturativos, conculturativos y de resementización existentes.
Y un tercer elemento lógico social, es que no es posible sostener que en un proceso de transculturación, que comienza a efectuarse por el simple hecho de poner en contacto sociedades, culturas o religiones, pueda en algún momento concluir el contacto, sin que hayan sido reconfiguradas –con distinta intensidad- las partes intervinientes (sociedades, culturas, religiones).
Explicitadas esas premisas históricas y lógicas paso a continuación a mi exposición que he dividido en dos partes: la teórica y una breve cartografía del mundo religioso latinoamericano que se le presenta a la Iglesia como texto y contexto vivo.
1.-Necesidad de construir una constelación teórica desde la Fenomenología de la Religión.
Pensamos que es necesario un diálogo más franco y profundo entre la Teología Católica y las Ciencias de la Religión, especialmente la Fenomenología de la Religión, la Historia de las Religiones y las Religiones Comparadas en América Latina La Grande.
Concentrándome -por las limitaciones de tiempo de que dispongo- pretendo llamar la atención acerca de doce nudos teórico-fenomenológicos que considero clave para ayudar a entender la diversidad religiosa latinoamericana desde el punto de vista católico. Tales conceptos son los siguientes:
.-Concepto y fenomenología de la Mediumnidad.
.-Continuum Magia-Religión.
.-Constantes estructurales de las relaciones interreligiosas en situaciones de lucha religiosa.
.-Relaciones Interreligiosas y el papel de las Correspondencias y Equivalencias.
.-Relaciones Intermágicas y el papel de las Adiciones.
.-La Relación Ritual-Mito y Ritual-Religión.
.-Relaciones Interreligiosas entre Religiones Históricas y Religiones Cosmogónicas.
.-Sincretismo.
.-Panteísmo y Panenteísmo.
.-Mediumnidad y Chamanismo.
.-Vida Más Allá de la Muerte, Reencarnación y Resurrección.
.-Doble adscripción religiosa.
1.01.-Concepto y fenomenología de la Mediumnidad.
La Mediumnidad es el proceso mediante el cual los fieles de una Religión buscan consciente y fervorosamente un contacto más directo con lo divino, lo numinoso, donde priva la Religión Vivida antes que la Religión pensada. Estos procesos avivan la fe del fiel-Medium y también la de su grupo primario inmediato. En el caso de Religiones Tribales minoritarias, estos procesos reafirman su pertenencia étnica y en el caso de Religiones Universales, estos procesos reafirman su pertenencia distintiva irrenunciable a una comunidad mayor. Como fenómeno religioso, la Mediumnidad se presenta a través de EAC (Estados Alterados de Conciencia) y es posible que esté presente en casi cualquier religión conocida: judía, cristiana (Pentecostales y Carismáticos), musulmanes (Derviches, Santones). En América Latina tal fenómeno se expresa en todo el universo religioso progresando a través de dos constantes: es más intensa en las Religiones que no son universales y dentro de las Religiones universales se reproduce más intensamente en las zonas eclesiásticas (en el sentido de ecclesia-comunidad) más alejadas del centro directivo formal de la institución y tiene más el signo de libertad para el creyente, que de enfrentamiento jerárquico; pero el fenómeno mediumnico también pude darse en el centro directivo formal de la institución y entonces el creyente asume ese signo de libertad, como también signo de enfrentamiento o de alejamiento afectivo de la estructura jerárquica de la institución.
1.02.-Continuum Magia-Religión.
La relación con lo divino se organiza alrededor de lo que la visión occidental (judeo-griega-cristiana) ha llamado Magia y Religión, que si bien son polos distintos, ambos poseen la misma sustancia (la manera humana como se comunica con lo divino), pero con intenciones radicalmente opuestas: el dominio o la adoración. Pero estos polos se relacionan entre sí como un campo gradiente, un continuum, por lo que se puede afirmar que toda religión conocida tiene ambos polos incorporados y es decisión de cada una establecer cuál sería el polo dominante. Esta respuesta siempre es dada desde la Religión Pensada y desde la Religión Vivida, desde las Jerarquías hasta el último de los fieles. Cabe discernir en cada ocasión, cuan de verdad se encuentra alejado lo pensado de lo vivido, pero no de un modo unilateral, sino dialectico, pues en definitiva hablamos de acciones humanas que se han venido consolidando en el tiempo (cuando son acciones y actitudes tradicionales) y otras que están en pleno desarrollo (atribuibles a lo sucedido en el siglo XX). Ambas actitudes (especialmente las tradicionales) pueden mostrar resistencia al cambio si se percibe propuesto de manera etic y no emic.
1.03.-Constantes estructurales de las relaciones interreligiosas en situaciones de lucha religiosa.
A veces, por enfatizar tanto el uso de un lenguaje “políticamente correcto”, terminamos distanciados de la verdad de las cosas. La situación en el campo religioso de América Latina presenta tres variables fundamentales y en orden de intensidad serían lucha religiosa, la indiferencia entre Religiones y el Diálogo Interreligioso (muy minoritario). Siendo la tendencia fundamental la lucha religiosa, podríamos afirmar que toda lucha interreligiosa que se presenta en el campo religioso latinoamericano, está dirigida fundamentalmente a quebrantar y violentar la hegemonía que en dicho campo ejerce la Iglesia Católica desde el siglo XVI.
En tal situación es necesario analizar algunas constantes que se presentan en escenarios de lucha religiosa, o más eufemísticamente, en situaciones de disputa por apropiarse de nichos importantes del mercado religioso. Sintéticamente, las más resaltantes a nuestro modo de ver son las siguientes:
-las Religiones minoritarias, intentan reinterpretar el Núcleo Central de Sentido de la Religión mayoritaria para adecuarlo al suyo pero de manera subalterna (Jesús como Profeta pero no como Dios-Hijo en el Islam y el Espiritismo Kardeciano); o enfrentarlo como falso (la acusación de idólatras que nos hacen los Protestantes fundamentalistas como los Evangélicos, o grupos para-cristianos como los Testigos de jehová) o fagocitarlo hasta cambiarle el sentido original (la conversión del Cristo Histórico en Cristo Cósmico en la New Age).
-la Religión mayoritaria, por desdén, displicencia, complejo de superioridad y/o ignorancia, no se preocupa por comprender, reinterpretar e inculturar el Evangelio apoyado en la premisa del concepto de Semillas del Verbo, tan usado por los Padres de la Iglesia.
-la Religión mayoritaria tiende a negar dos cualidades básicas que la caracterizan, las cuales son necesariamente complementarias y nunca subsumibles u optativas. La primera, es que la Religión mayoritaria se considera –y con razón- la última expresión de la Revelación Divina y la segunda, que aun creyéndose esa premisa, la Religión mayoritaria sigue formando parte del campo religioso epocal y geocultural y de esa forma comparte la misma estructura fenoménica que las otras Religiones. Tal actitud de rechazar ser parte del mismo campo religioso, la puede llevar a plantearse como la única Religión posible, pasando a considerar como natural su permanente sobrevivencia y la extinción inevitable de las otras, disminuyendo la potencia de su inculturación y comprensión del Otro. Una actitud contraria, es sentirse tan comprometida con el campo religioso epocal y geocultural, que disminuye la importancia de considerarse portadora de la última verdad revelada y pasa a considerarse a sí misma como una más dentro del campo, relativizando la irreductible especificidad de su origen, con las consecuencias de pérdida del “ardor proselitista” y la desaparición paulatina de la apologética.
-las lecturas que efectúan las Religiones minoritarias cuando las Religión mayoritaria hace énfasis sólo en su especificidad como portadora de la última revelación de la Verdad y casi de ser la Religión por antonomasia, es acusarla de prepotente. Y cuando hace énfasis en ser una Religión más dentro del pluralismo religioso, las Religiones minoritarias ven en tal actitud un signo de debilidad y decadencia que las autoriza para que algunas de ellas mismas asuman para sí, la tenencia de la verdadera revelación.
1.04.-Relaciones Interreligiosas y el papel de las Correspondencias y Equivalencias.
En una situación de convivencia interreligiosa, una parte de la dinámica de dichas relaciones, estriba en mirarse como frente a un espejo e intentar ver correspondencias y equivalencias que permitan que la o las religiones colocadas en el polo asimétrico de poder, tiendan a hacer más llevadera tal desigualdad, comenzando un proceso de aceptación empática de algunos elementos de la Religión dominante, que a su vez permita seguir practicando la propia con menos oposición virulenta por parte de la Religión mayoritaria. En algunas ocasiones estas cercanías son subsumidas y asumidas como propias por manifestar coherencia con el núcleo central de sentido de la Religión minoritaria (es el caso del Catolicismo en la España musulmana que cambió el wach-Alá por el ojalá) o en algunos casos asimilar parte de la definición del Otro que no es contradictoria con la propia, como es el caso de las Religiones monoteístas como el Islam, la Santería y el Palo Mayombe, que en el concepto de Dios, pueden crearse correspondencias entre el Dios del Antiguo Testamento, con el Dios otiosus de la Santería, el Dios Cósmico del Palo Mayombe y el término Dios del Cristianismo, obviando el carácter trinitario de este último, que establece una distinción tajante del mismo, asunto que es ayudado por el énfasis –en Latinoamérica- de la predicación católica en Cristo y no en el Dios-Trino.
1.05.-Relaciones Intermágicas y el papel de las Adiciones.
Mientras las relaciones interreligiosas suelen presentar una triple complejidad (lo que puede asumirse del Otro, lo que no puede y lo que resulta indiferente), las relaciones Intermágicas presentan fundamentalmente un tipo de relación: la adición de lo diferente. Esto se manifiesta en un deseo manifiesto de conocer al Otro para fagocitar cualquier elemento que aumente el poder de lo humano para dominar y dirigir lo divino. Esto explica la razón de la cercanía con la Iglesia e incluso la obligatoriedad de relacionarse o de también pertenecer a ella, por parte de las Religiones cuyo polo mágico predomina sobre el religioso, el poder sobre la adoración. Tal es el caso del Vudú, la Santería, el Shinto y otras.
1.06.-La Relación Ritual-Mito y Ritual-Religión.
El Rito es una acción social que puede ser religiosa o no, existen ritos civiles, ritos de la sociabilidad, etc. Igualmente pueden existir Ritos que representen a Mitos de Religiones actuales pero también pueden representar a Religiones ya hoy no existentes, es cuando entre otros momentos, se habla de superstición, pues ésta no es más que la pervivencia de narraciones, símbolos y/o gestos de religiones preteridas. Y existe el Ritual canónicamente establecido en las Religiones. Para el caso de América Latina vamos a encontrar Rituales hoy Civiles que antaño eran religiosos (la Bendición de las herramientas de trabajo por ejemplo), Rituales Religiosos claramente establecidos por aquellas religiones que han formalizado suficientemente su práctica, pero también podemos observar intentos de crear Rituales nuevos, aún no suficientemente madurados que pueden tener múltiples intenciones, desde la competencia directa con el Catolicismo (Espíritu de la Navidad), hasta relecturas anacrónicas de Religiones ya desaparecidas acerca de las cuales se quieren realizar reconstrucciones imaginarias en el sentido de la invención de la tradición de Eric Hobswan (el consumo de la Ayahuasca peruana según el Neochamanismo y el Aquelarre de las Brujas según el Neopaganismo).
1.07.-Relaciones Interreligiosas entre Religiones Históricas y Religiones Cosmogónicas.
Desde el punto de vista de la Historia de las Religiones, pueden afirmarse un conjunto de tendencias que tienden a ser unas constantes en cuanto a las relaciones interreligiosas se refieren:
-las Religiones Cosmogónicas pueden ser subsumidas por las Religiones Históricas (Universalistas o Étnicas-Nacionalistas) o vivir en paralelo a ellas sin ningún tipo de conflicto.
-las Religiones Cosmogónicas cuando se relacionan entre ellas predominan las equivalencias, correspondencias y adhesiones de maneras francas, directas y no traumáticas.
-las Religiones Históricas Salvacionistas Universalistas tienen una relación de competencia permanente e irreductible entre sí.
-las Religiones Históricas Salvacionistas Étnicas-Nacionalistas pueden convivir entre sí, guiadas fundamentalmente por la indiferencia y la exacerbación de la diferencialidad étnica. En cambio, sienten rechazo –por considerarlas disolventes de su Sociedad/Nación/Religiosa- por las Religiones Históricas Salvacionistas.
1.08.-Sincretismo.
Todo proceso de sincretismo religioso lleva aparejado una mezcla de elementos de las religiones intervinientes, los cuales pueden presentar al menos tres formas:
-una Religión toma rasgos de otra Religión y los resemantiza (el Rosario de Cuentas pasó de hinduistas a budistas, luego a musulmanes y finalmente a cristianos católicos);
-o los convierte en Préstamos Culturales Religiosos (el uso del Agua Bendita de la Iglesia por parte de otras Religiones Populares; el paso de la Misa Católica, a la Misa Kardeciana, a la “Misa Espiritual” de la Santería cubana)
-o da origen a una nueva expresión religiosa (el contacto entre la Iglesia Católica y el Palo Mayombe en Cuba, dará origen a la Regla de Palo Kimbisa del Cristo del Buen Viaje o Palería Cristiana, creada por un franciscano de la Tercera Orden).
Todo proceso de sincretismo tiene que ser analizado en su devenir histórico y en el tiempo social acumulado en la duración de tiempo que tiene de existencia. Los procesos antes del siglo XX serán considerados tradicionales y en gran parte consolidados y formalizados, mientras los ocurridos en el siglo XX y XXI, pueden presentar contornos y límites borrosos pues están aún en plena gestación.
1.09.-Panteísmo y Panenteísmo.
Las Religiones Cosmogónicas, Politeístas y las que plantean a lo divino como la única realidad, tienden a ubicarse en el ámbito del Panteísmo (Pan-teísmo), mientras aquellas que aceptan la idea de un Dios personal Creador (sea Activo u Otiosus con o sin Demiurgo) tienden a ser Panenteístas (Pan-ente-teístas). De tales ubicaciones se desprenderán las teorías de la existencia de un Universo único o de varios Universos únicos pero sucesivos.
1.10.-Mediumnidad y Chamanismo.
Como hemos visto anteriormente, la Mediumnidad es un fenómeno religioso presente en todas las Religiones conocidas, como su realización sólo es posible a través de un EAC (Estado Alterado de Conciencia), ha sido duramente condenada en primer lugar por cualquier jerarquía religiosa formalizada pues no son fácilmente controlables y en algunos casos puede provocar situaciones que afecten la estabilidad de una comunidad religiosa, a este respecto es ilustrativo la discusión en nuestra Iglesia durante los dos primeros siglos acerca del “Entusiasmo” entendido como don del Espíritu Santo. En segundo lugar, ha sido condenada desde una racionalidad controladora de los fines, basada en el logos griego, auto erigido como la Razón por excelencia. Esta tendencia será reforzada por todo el pensamiento que impulsará a la modernidad desarrollado desde el siglo XVIII y que ira desde el Iluminismo, Enciclopedismo, Positivismo y Positivismo marxista.
Esta posición previa sobre los EAC puede ofuscar un juicio más comprensivo sobre el fenómeno de la Mediumnidad e incluso, confundir una técnica religiosa de acercamiento con lo divino, con algunas Religiones en su totalidad, como se da el caso en cierta literatura latinoamericana, de reducir el Chamanismo, a dicho fenómeno. El Chamanismo es una Religión de probado origen en el Asia Central y que fue traída a América y forma parte importante del campo religioso Indígena/Aborigen/Nativo Americano.
El Chamanismo en América Latina puede ser clasificado como una Religión Salvacionista Étnica Tribal, por lo que de su vigencia y desarrollo depende en gran parte la identidad étnica del endogrupo (al igual que la relación entre Judaísmo-Pueblo Hebreo o Hinduismo-Pueblo Hindu), de ahí que cualquier discriminación hacia ella puede ser interpretada como amenaza a la supervivencia civilizacional.
1.11.-Vida Más Allá de la Muerte, Reencarnación y Resurrección.
La discusión acerca de las ultimidades, especialmente la Vida Más Allá de la Muerte, ha sido desplazada e ignorada paulatinamente por la Iglesia, especialmente después del Vaticano II. La aceptación de la Modernidad y “el abrir las ventanas al mundo” fueron entendidas -especialmente- como un Diálogo con los Saberes más secularizados e incluso con las corrientes secularistas, adoptando una agenda europea, la cual se autocalificaba de universalista, por una típica reacción eurocéntrica.
Al ser leído en América Latina el Concilio Vaticano II en clave social, que alimentará la corriente de la Teología de la Liberación, el énfasis de la acción teórica y pastoral de la Iglesia será cada vez más orientada a la solución de los innúmeros problemas sociales que maltratan al continente, especialmente a su población más pobre. Objetivo congruente con los principios de una ética cristiana.
Pero esa actitud no evitó, que prácticamente el resto del campo religioso latinoamericano siguiera definiendo su práctica teórica y pastoral a resolver los problemas de las ultimidades, especialmente los de la Vida Más Allá de la Muerte, condensada teóricamente en el concepto de Reencarnación, el cual ni siquiera era confrontado con el de Resurrección, pues no es visto como adversario o competidor por el espacio teórico, debido a la manera de baja intensidad, poco beligerante como lo plantean los activistas católicos (sean especialistas religiosos, laicos con Ministerios o el simple pueblo laico).
El concepto de Reencarnación es el segundo gran complejo teórico fenomenológico (el primero es el de la Mediumnidad) que habría de ser manejado solventemente por los agentes pastorales latinoamericanos.
Algunas cifras pueden demostrar la importancia del concepto de Reencarnación para el campo religioso mundial, especialmente el africano, el asiático y el latinoamericano:
1.-la tercera y cuarta Religión mundial son respectivamente el Hinduismo y el Budismo, cuyo número de fieles sumados es más de 1.000.000.000 (un mil millones) de personas.
2.-las llamadas Religiones Chinas (una relación especial de tres enmarcadas en una: Taoísmo, Budismo y Confucionismo en el contexto de la Religión del Cielo) son seguidas, al menos, por 200.000.000 (doscientos millones) de personas.
3.-las Religiones Tradicionales Africanas, el Chamanismo asiático y americano son varios cientos de millones.
4.-El Espiritismo creado por Allan Kardec en el siglo XIX y re-creado a principios del XX en Argentina por Joaquín Trincado, aunado a sus variantes caribeñas como el Espiritismo Cruzado y el Espiritismo de Cordón, son seguidos por millones de fieles. Valga el Ejemplo de la Federación Espírita Brasileña de orientación Kardeciana-Cristiana Católica, a finales de la década de los ´90 contaba con 30.000.000 (treinta millones) de fieles.
5.-La New Age, plataforma religiosa de gran alcance en todo el continente americano, cuya base teológica le viene dada por la Sociedad Teosófica, cuya fundadora, la rusa Madame Blavatsky, había sido Espiritista Kardeciana.
Todos los cinco ítems religiosos anteriores, que abarcan a miles de millones de fieles, tienen como uno de sus dogmas fundamentales la creencia en la reencarnación. Es una creencia mundial, con mucha repercusión en América Latina, por lo que urge reflexionar seriamente sobre ella, para poder entender uno de los principales ejes transversales de comunicación del campo religioso latinoamericano no cristiano. Desde la Iglesia se han realizado algunos aportes interesantes, tales como el número que la Revista Concilium nro. 249 le dedica al tema con el título: “Reencarnación o Resurrección” y otros artículos individuales en otras Revistas, pero a todas luces es insuficiente.
1.12.-Doble adscripción religiosa.
Las Religiones Salvacionistas Universalistas Monoteístas, auto consideradas el culmen de la Revelación de la Verdad de Dios a la humanidad, parten de la premisa de que la Revelación ha sido concluida, por lo que sus relaciones con las otras religiones se basan implícita o explícitamente en el proselitismo, cuyo punto de partida es el que las otras religiones están en el error o han conocido insuficientemente la verdad (como el concepto de “Semillas del Verbo” entre los cristianos y el concepto de “Pueblos del Libro” en el ámbito musulmán).
Cuando además dichas religiones –como el cristianismo y el islam- han sido organizadas a través de una teología basada en el logos griego, cuya lógica se fundamenta en la exclusión del tercero (o es esto o no lo es), les es prácticamente imposible aceptar como adecuado y verdadero la situación de un fiel, que pueda participar simultáneamente en dos ámbitos religiosos. Este es el fenómeno de la doble adscripción religiosa, que se practica en todo el mundo, tanto desarrollado como subdesarrollado, con intensidades diferentes.
Para el caso de Asia podríamos señalar los ejemplos de doble adscripción de porciones importantes de los fieles al Islam-Chamanismo en Asia Central , Budismo-Chamanismo y Cristianismo-Chamanismo en Corea del Sur y Budismo-Shinto y Budismo-Shinto-Cristianismo en Japón.
En África está ampliamente difundida la doble pertenencia de Cristianismo-Religiones Tradicionales Africanas.
En América Latina encontramos varios tipos de dobles adscripciones desde el punto de vista de los fieles: obligatorias, sugeridas y toleradas:
-entre las adscripciones obligatorias están el Vudú-Catolicismo, María Lionza-Catolicismo, Espiritismo de Cordón-Cristianismo, Chamanismo-Catolicismo, Regla de Palo Kimbisa-Catolicismo.
-en la adscripción sugerida encontramos: Santería Cubana-Catolicismo, Xangó de Trinidad-Cristianismo, Candomble-Catolicismo, Religión de Caboclos-Catolicismo.
-y en la adscripción tolerada tenemos: Catolicismo-New Age, Catolicismo-Magia (de origen europeo o americano).
Es un fenómeno muy extendido y que amerita atención teórica, teológica y pastoral especial. Pensamos que tales reflexiones nos llevan al escenario ideal de comprensión de la diferencia entre la Religión Pensada y la Religión Vivida.
2.-Breve cartografía del mundo religioso latinoamericano que se le presenta a la Iglesia como texto y contexto vivo.
Queremos en este aparte presentar un sucinto panorama del campo religioso latinoamericano, el cual hemos organizado primero con algunas definiciones teóricas sobre religión y religiosidad y luego presentamos los seis ejes teórico-religiosos como se articula dicho campo.
2.1.1.-Religión.
Las diversas maneras como los seres humanos intentan religarse con el sentido de lo sagrado. Estas pueden ser formales y/o informales.
2.1.2.-Religiones Formales-Oficiales.
Cuando dichas relaciones están fuertemente codificadas en el saber escrito tradicional y moderno, la autoridad de los hombres que se reconocen que saben está justificada por un saber pensado antes que vivido y se expresan mayoritariamente en el ámbito de una forma legal institucional que las contiene.
2.1.3.-Religiones Formales-Populares.
Cuando dichas relaciones están fuertemente codificadas en el saber escrito tradicional y moderno, la autoridad de los hombres que se reconocen que saben está justificada por un saber pensado antes que vivido, pero no se expresan en el ámbito de una forma legal institucional que las contenga (por ejemplo el Xangó en Trinidad).
2.1.4.-Religiones Informales-Oficiales.
Cuando dichas relaciones no están rígidamente codificadas en el saber escrito sino en el oral tradicional y moderno, la autoridad de los hombres que se reconocen que saben está justificada por un saber vivido antes que pensado y se expresan, tanto en el ámbito del transcurrir de la vida cotidiana en el hogar, la comunidad residencial y el trabajo, como en su reconocimiento en el ámbito de las formas legales institucionales de la sociedad en donde se realiza históricamente (por ejemplo el Vudú en Haití y las Religiones Indígenas en Venezuela).
2.1.5.-Religiones Informales-Populares.
Cuando dichas relaciones no están rígidamente codificadas en el saber escrito sino en el oral tradicional y moderno, la autoridad de los hombres que se reconocen que saben está justificada por un saber vivido antes que pensado y se expresan mayoritariamente en el ámbito del transcurrir de la vida cotidiana en el hogar, la comunidad residencial y el trabajo.
2.1.6.-Religiosidad Popular.
Las diversas maneras como los sectores populares se relacionan vivencialmente con el sentido de lo sagrado. Puede coexistir sin conflicto en el seno institucional de las expresiones formales y/o informales, porque la realización de su ciclo de producción, circulación, intercambio y consumo simbólico no plantea en ningún momento una alternativa de poder distinta a dicha institución, es más en todos los casos, es necesaria para su propia existencia la vigencia de la Institución como cobertura teológica y ritual, pues se reconoce la complementariedad de poderes para conocer y controlar lo sobrenatural, entre los especialistas formales y los informales.
2.1.7.-Catolicismo Popular.
Las diversas maneras como los sectores populares se relacionan con el sentido de lo sagrado presente en la Iglesia Cristiana Católica Apostólica Romana. El Catolicismo Popular constituye la Religiosidad Popular del Catolicismo.
2.1.8.-Protestantismo Popular.
Las diversas maneras como los sectores populares se relacionan con el sentido de lo sagrado presente en la Iglesia Cristiana Reformada, en sus Denominaciones decimonónicas y del siglo XX, especialmente en las Iglesias Evangélicas Libres y en el Pentecostalismo. El Protestantismo Popular, es la principal expresión de las Religiosidades de las Iglesias Reformadas.
2.2.-Sobre la determinación de seis ejes teórico-religioso de articulación del campo religioso latinoamericano.
Pensamos que es posible determinar al menos seis ejes teórico-religiosos de articulación del campo religioso latinoamericano, que se comportan como bloques vinculados sistémicamente con relaciones dialécticas, o de adición, o de paralelismo o de solapamiento entre sí. Dichos ejes serían:
1.-el conformado por las Religiones Oficiales Cristianas (Catolicismo y Protestantismo);
2.-el de las Religiosidades Populares de las Religiones Oficiales Cristianas (Catolicismo Popular y Protestantismo Popular);
3.-el de las Religiones Oficiales y Religiones Populares no-Cristianas (Indígenas, Africanas, Indias/Hinduísmo, Chinas e Islámicas);
4.-el de las Religiones Oficiales y Religiones Populares no-Cristianas, Etnia y Etnicidad;
5.-el eje de la relación Religión, Religiosidades, Etnia y Etnicidad;
6.-el eje del Espiritismo.
2.2.1.-Primer eje: las Religiones Oficiales Cristianas.
Es necesario tener claridad acerca de las diversas formas como fue implantado el Cristianismo Católico y el Cristianismo Protestante en América Latina y el Caribe, ya que será alrededor de ambos que se articularán tanto las Religiosidades Populares como –por oposición y/o complementación- las Religiones Populares.
2.2.2.-Segundo eje: el de las Religiosidades Populares de las Religiones Oficiales Cristianas.
Las Religiones Oficiales Cristianas Católicas y Protestantes generarán las dos principales maneras de articulación de las Religiosidades Populares en América Latina y el Caribe: el Catolicismo Popular y el Protestantismo Popular. A través de las mismas pueden ser detectados como los principios de unificación (las doctrinas cristianas) serán coloreados por el impacto de los procesos históricos de la: colonización, esclavitud, urbanización compulsiva y diversidad étnica.
2.2.3.-Tercer eje: el de las Religiones Oficiales y Religiones Populares no-Cristianas.
Existe un tercer eje, que aunque minoritario a escala continental, no deja de ser importante por tres cuestiones fundamentales: da testimonio de la presencia de Religiones Oficiales-Formales (Hinduísmo, Islam y Religiones Chinas), de Religiones Oficiales-Informales (Religiones Indígenas y Vudú) y de Religiones Populares, cuyo tronco de origen no proviene del Cristianismo.
2.2.4.-Cuarto eje: el de las Religiones Oficiales y Religiones Populares no-Cristianas, Etnia y Etnicidad.
Existe un cuarto eje, que aunque minoritario a escala continental, es muy importante pues ayuda a comprender la gran diversidad étnica y cultural de América Latina y muestra parte de la enorme red de vasos comunicantes con el mundo que se ha ido construyendo desde abajo, desde el ejercicio de la socialidad de nuestros pueblos. Se trata de analizar como tres tipos de Religiones: las Religiones Oficiales-Formales (Hinduísmo, Islam y Religiones Chinas), las Religiones Oficiales-Informales (Religiones Indígenas y Vudú) y las Religiones Populares no-Cristianas, participan en los procesos de creación de etnicidades y de etnias de nuestra región. Valgan los ejemplos de Religiones con matriz indígena (Caboclos, María Lionza, Neo-Chamanismo); con matriz africana (Umbanda, Batuque, Santería, Palo Mayombe, Xangó); con matriz Hinduista y con matriz Islámico (algunos Terreiros en Bahía, Brasil), no conocemos ejemplos con matriz china (es posible que existan en Cuba, Surinam, Guyana, etc.).
Así podríamos hablar de al menos cinco grupos de Religiones con predominio de lo étnico y la etnicidad como factor aglutinante: Religiones Indígenas, Religiones Africanas (Vudú, Santería, Palo, Candomblé, Xangó de Trinidad), Religiones Hinduistas, Religiones Chinas y Religiones Islámicas.
2.2.5.-Quinto eje: el de la relación Religiosidades Populares, Etnia y Etnicidad.
Un quinto eje que requiere de un esfuerzo conceptual importante, es el de la relación que es posible establecer entre Religiosidades Populares Cristianas, Etnia y Etnicidades. Entendiendo Etnia como aquel proceso etnicitario cristalizado en un grupo con etnónimo definido y Etnicidad como aquel proceso etnicitario, que aunque no cristaliza en un grupo con etnónimo definido, es capaz de contribuir a colorear étnicamente grupos sociales previamente existentes, de manera tal que se constituyen en una de sus fuentes de origen. Este quinto eje podemos organizarlo en dos grupos: uno vinculado a la Religión Oficial Cristiana Católica (Catolicismo Indígena, Catolicismo Negro) y otro vinculado a la Religión Oficial Cristiana Protestante (Protestantismo Indígena y Protestantismo Negro).
2.2.6.-Sexto eje: el Espiritismo.
El sexto eje se refiere a las Religiones Espiritistas creadas en América desde mediados del siglo XIX, algunas de cuyas expresiones serían el Espiritismo Científico de Allan Kardec, El Espiritismo de la Comuna Universal de Joaquín Trincado, el Espiritismo de Cordón, el Espiritismo Cruzado y el Espiritismo Cristiano.
Enrique Alí González Ordosgoitti. (Doctor en Ciencias Sociales, Sociólogo, Folklorólogo, Filósofo, Teólogo, Locutor, Profesor Titular de la UCV, de la Facultad de Teología de la UCAB y del Instituto de Teología para Religiosos-ITER. Creador y Coordinador (desde 1998) del Sistema de Líneas de Investigación Universitaria (SiLIU) sobre Sociología, Cultura, Historia, Etnia, Religión y Territorio en América Latina La Grande y Coordinador General (desde 1991) de la ONG Centro de Investigaciones Socioculturales de Venezuela-CISCUVE. Creador y Productor del Micro Radial: “El Folklore y la Cultura Popular de América Latina La Grande: De Quebec hasta la Patagonia”, inserto en el Programa “Por Tu Comunidad” dirigido por Juan Perfetti, en Radio Uno, 1340 A.M., todos los Miércoles de 9-10 de la mañana. Para ver mis Publicaciones: http://ciscuve.org/?cat=4203; www.ciscuve.org; ciscuve@gmail.com; @ciscuve; ciscuve-Facebook; @enagor; enagor2@gmail.com; Skype: enrique.gonzalez35)
.-Como mi marco geocultural es América Latina La Grande, cuando hablo de la diversidad de lo latinoamericano, siempre me estoy refiriendo a la Provincia de Quebec, a los Latinos en los EEUU y a la América Latina fijada desde el siglo XIX como inclusiva desde México hasta Argentina. Además, incluyo la experiencia insular del Caribe hispano y francés y el Caribe anglo y holandés, si queremos una cobertura más exhaustiva de las Religiones Afroamericanas-Negras.
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OPORTUNIDADES E DESAFIOS DO PRIMEIRO ANÚNCIO
PARA SALESIANOS E FILHAS DE MARIA AUXILIADORA
NA AMÉRICA LATINA E CARIBE
Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora presentes nos países da América Latina e do Caribe, fruto da iniciativa de Deus para contribuir com a salvação da juventude como resposta às suas aspirações profundas , entregamos nossa vida ao Senhor, para ser sinal e expressão, portadores do amor de Deus entre os jovens e as jovens. Milhares de jovens vivem em contato permanente com SDB e com FMA através das diferentes obras para que, como discípulos e discípulas do Senhor, missionários e missionárias, atualizemos na história o espírito e a missão de Dom Bosco e de Madre Mazzarello com um programa, o Da mihi animas cetera tolle, que dá uma tonalidade concreta à nossa vida.
Dedicamo-nos à educação cristã dos jovens e das jovens, como Evangelizadores, Educadores da fé, anunciando e dando testemunho da Boa Notícia da Redenção para cooperar na sua plena realização em Cristo a partir da espiritualidade e do método de ação pastoral do Sistema Preventivo .
A Igreja nos chama a viver e a proclamar de um modo novo o Evangelho da vida e da esperança. Junto com aqueles que compartilham conosco a missão educativa queremos manifestar de novo a alegria e o entusiasmo do anúncio de Jesus.
“Numa realidade sempre mais pluricultural e plurirreligiosa, a perspectiva evangelizadora convida a renovar a paixão pelo primeiro anúncio, a catequese, a missão ad gentes, partindo do Evangelho, da Igreja como comunidade de rosto humano que se revela sinal e instrumento do Reino de Deus, do diálogo com as culturas e as religiões” .
Por que se fala hoje de Primeiro Anúncio? O Texto nacional para a orientação da Catequese na França popularizou a noção de “Primeiro Anúncio”. No período do cristianismo se falava pouco de anúncio do Evangelho. A fé era dada por certa porque fazia parte do contexto social e, portanto, se transmitia no ambiente e na cultura. Neste tempo não se falava de anúncio mas sim de ensino, de instrução, de doutrina e de catecismo.
Porém, na sociedade secularizada, na qual a fé não pode ser considerada como certa, é necessário repensar todo o processo missionário e considerar o anúncio da Boa Notícia. “A fé depende da pregação” (Rm 10, 17). A secularização da sociedade atual ativa novamente a vocação missionária da comunidade cristã. Daqui a problemática que emerge em nossos dias com a nova evangelização, com o anúncio missionário que tem por objetivo a conversão a Cristo.
“A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais. [...] Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários. Isso não depende de grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e novidade, como discípulos de Jesus Cristo e missionários de seu reino, protagonistas de uma vida nova para uma América Latina que deseja se reconhecer com a luz e a força do Espírito” .
A análise de um estudo que acaba de ser publicado pelos SDB de Bogotá faz referência direta à realidade religiosa dos jovens e das jovens aos quais se dirige toda a nossa ação evangelizadora. Evidencia um dos grandes desafios que enfrentamos hoje:
“É grande o percentual de jovens que confessam algum tipo de pertença: 81,7% dizem pertencer a uma Igreja ou grupo religioso diante daqueles a quem este tema não interessa. De fato somente 14,4% expressam atitudes de indiferença, ignorância, ateísmo confesso e/ou de rejeição consciente. Os dados recolhidos, ainda que significativos, são explicáveis, dado o contexto cultural, social, religioso no qual se realizou a presente pesquisa. Intui-se aqui a existência de um substrato religioso significativo e revelador de que o religioso não perdeu sua importância na nossa sociedade. Continua sendo referência de sentido e mantém a memória de tradições humanistas e religiosas cuja perda empobreceria a cultura. Contudo, uma religião só é socialmente credível se faz com que seus seguidores cresçam em humanidade e no serviço aos demais.
Tudo isto pode induzir os jovens a pensarem em Deus como um ser distante, fora da experiência humana; a reflexão teológica e a pregação não sacodem, não apaixonam, não comovem, não convencem, não comprometem. É preciso uma linguagem mais próxima, mais compreensível a respeito da fé cristã. Neste sentido, Papa Francisco acendeu uma luz de esperança. A revolução cultural provocada pela Internet, a proximidade que nos oferece a globalização como se o mundo fosse uma “aldeia”, a ideologia da pós-modernidade, a corrida tecnológica, o ritual do “ter” celebrado no altar das catedrais do consumo, o espiritualismo de crenças orientais, etc. modelam as mentes juvenis no hoje histórico...
Em um mundo e sociedade cada vez mais secularizados, e diante do fim de um modelo de Igreja que se chamou de Cristianismo, no qual a doutrina e a moral cristãs eram norma e parâmetro de toda a vida da sociedade e das pessoas, nos encontramos diante de três fatos evidentes: de uma parte, a perda de importância do religioso na sociedade; por outra, a fuga silenciosa de católicos rumo à indiferença ou outros movimentos religiosos e o distanciamento da juventude; e finalmente, como consequência do anterior, a presença de um mundo plurirreligioso e um incontestável laicismo.
Diante desta realidade, a Igreja Católica se propôs com suma urgência uma conversão pastoral, com o objetivo de impulsionar a Nova Evangelização para que proponha com renovado ardor, novos métodos e expressões, a Boa e esperançosa Notícia de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Reino de Deus que deve fazer-se presente no aqui e no agora de nossos povos, em particular da juventude.
Meta e fruto da Nova Evangelização há de ser que cada cristão católico chegue a ser discípulo e missionário de Jesus Cristo e entre todos e todas consigamos construir uma sociedade justa e solidária, digna de todo ser humano, filho e filha de Deus. A Nova Evangelização deve ser o propósito primordial da Pastoral juvenil que daqui em diante devemos empreender…
Para nós, SDB – FMA da América Latina e do Caribe, esta realidade presente em nossos contextos, mais ou menos semelhante àquela evidenciada nesta análise da juventude colombiana, implica falar hoje de “Primeiro Anúncio” em um ambiente que parece ser cristão devido à tradição que se vive nas famílias, às manifestações da religiosidade popular, à sacramentalização que fez de muitas crianças e jovens, membros da Igreja somente de nome. É uma oportunidade de aproximação, de convivência, de conhecimento das experiências vividas e um objetivo para encontrar a forma mais adequada para chegar ao Primeiro Anúncio de modo que suscite um fascínio, um desejo pessoal de conhecer o Senhor Jesus. “Na verdade, a situação exige frequentemente que a ação apostólica com os jovens seja de índole humanizadora e missionária, como primeiro passo necessário para que amadureçam disposições mais favoráveis à ação estritamente catequética” e mais adiante, como parte do processo, se faz necessário propor itinerários personalizados de Iniciação Cristã ou Catecumenato para pequenos grupos.
É conveniente recordar que o primeiro anúncio jamais se faz em um terreno virgem, onde não existam representações de Deus, da fé ou da vida cristã: se faz em um terreno já habitado por representações anteriores e sempre se corre o risco de que o primeiro anúncio seja compreendido e interpretado à luz de tais representações.
Isto quer dizer que, com frequência, o primeiro anúncio deve ser acompanhado de um trabalho de questionamento e de transformação das representações anteriores. Isto pode gerar etapas de instabilidade, de insegurança e de sérios questionamentos. Momentos que não são fáceis, que implicam um grande desgaste e que requerem um acompanhamento. O anúncio da fé suporá então envolver-se em um trabalho de aprendizagem e de desaprendizagem das representações anteriores.
É a grande oportunidade para nós, SDB – FMA da AL e do Caribe, para conhecer as manifestações religiosas do contexto em que atuamos, o que nossos jovens introjetaram e do qual muitas vezes nem sequer são conscientes e nem mesmo o colocam em prática. É um adentrar na experiência vital de cada um dos candidatos do primeiro anúncio, para ajudá-lo a objetivar, a encontrar razões, a compreender suas manifestações religiosas para fazer opções à luz do novo encontro com Jesus Cristo. O objetivo que se nos apresenta é a pedagogia do acompanhamento rumo ao interior de sua experiência religiosa. O diálogo que suscita grandes interrogações que habitam o mundo interior dos jovens. Os porquês nascidos da experiência cotidiana que muitas vezes lhes fechou as portas à participação ao mundo religioso, à busca de Deus.
Da grande riqueza de Dom Bosco se percebe com facilidade o interesse que manifestava pelas experiências que os jovens traziam consigo ao chegarem ao Oratório. «Pode-se dizer que a característica peculiar de sua criatividade se vincula à práxis educativa que denominou “sistema preventivo”. Este representa, de certo modo, a síntese da sabedoria pedagógica e constitui a mensagem profética que chegou aos seus e a toda a Igreja, e que mereceu a atenção e o reconhecimento de numerosos educadores e estudiosos de pedagogia. A palavra “preventivo” que usa, deve ser considerada mais que em sua acepção linguística estrita, na riqueza das características peculiares da arte de educar do Santo. Antes de mais nada, é preciso recordar a vontade de prevenir o surgimento de experiências negativas, que poderiam comprometer as energias do jovem e obrigá-lo a grandes e dolorosos esforços de recuperação. Não obstante, em tal palavra se encontram também, vividas com intensidade peculiar, intuições profundas, opções precisas e critérios metodológicos concretos; por exemplo: a arte de educar positivamente, propondo o bem em experiências adequadas e envolventes, capazes de atrair por sua nobreza e beleza, a arte de fazer com que os jovens cresçam interiormente, apoiando-se em sua liberdade interior, vencendo condicionamentos e formalismos exteriores; a arte de ganhar o coração dos jovens, de modo que caminhem com alegria e satisfação rumo ao bem, corrigindo deviações e preparando-se para o amanhã por meio de uma sólida formação de seu caráter” .
Também nas raízes da nossa espiritualidade FMA, encontramos sementes preciosas da maneira como se pensava a atividade catequética: educar as mães de família para preparar o terreno à catequese das meninas. “Dom Pestarino iniciou em Mornese o grupo da Imaculada, posteriormente Dom Frassinetti o iniciou em Gênova; as antigas companheiras de Maria Domingas declararam nos processos de Beatificação que, nesta época, já era notório o interesse que tinha em conduzir as meninas a Deus, sendo as mais peraltas, as mais rebeldes e as mais necessitadas, as suas preferidas. Algumas das atividades propriamente catequéticas com as quais se iniciou a ação apostólica deste grupo de jovens mulheres, eram as reuniões para as mães de família. Dom Pestarino estabeleceu que cada uma das Filhas da Imaculada se encarregava de cinco mães de família, com a finalidade de ensinar-lhes a educar cristãmente as filhas; se reuniam em diferentes lugares e em diferentes horários, no verão, algumas vezes se reuniam debaixo de uma árvore... ela mesma preparava com responsabilidade e interesse os encontros, tal como escreveu Dom Fernando Maccono na biografia: “Maria preparava a conferência e o catecismo para as mães de família com esmero, porque estava convencida de que da mãe depende a vida cristã da família…” .
Destina-se a quem não tem fé ou se distanciou dela; a quem está em situação de perplexidade, de incerteza ou que se acomodou. Estar distanciado da fé ou duvidar não significa estar distante de Deus. Pessoas distanciadas da fé podem estar em total sintonia com as bem-aventuranças do Evangelho e, por conseguinte, viver na dinâmica do Reino de Deus.
“Na América Latina, a maioria da população é formada por jovens. A este respeito, devemos recordar-lhes que sua vocação é ser amigos de Cristo, discípulos, sentinelas do amanhã, como costumava dizer o meu Predecessor João Paulo II. Os jovens não temem o sacrifício, mas, sim, uma vida sem sentido. São sensíveis ao chamado de Cristo que os convida a segui-Lo... Os jovens encaram a existência como uma constante descoberta, não se limitando às modas e tendências comuns, indo mais além com uma curiosidade radical acerca do sentido da vida e de Deus Pai - Criador e Deus - Filho Redentor no seio da família humana...” .
A oportunidade para nós SDB – FMA é aproximar-nos dos jovens, é a possibilidade sempre aberta de descobrir o positivo que eles vivem e são, ainda que não apareça, o Jesus que eles carregam dentro mesmo sem sabê-lo. Em algumas ocasiões, por sua etapa de crescimento e amadurecimento pessoal, questionam a fé que aprenderam, às vezes a rejeitam, às vezes querem mostrar-se indiferentes e descrentes.
Os meninos e meninas que chegam em nossos pátios, também os que encontramos em outros pátios, a maioria das vezes não sabem nada a respeito de Deus nem da fé, ainda que sejam sensíveis ao afeto, à vida que cresce, a partir das sensações que experimentam; sabem manejar o celular, os tablets, pesquisar na Internet, amam os amigos e amigas e muito pouco a escola. Uma menina de cinco anos, quando estava há três meses na Pré-Escola no nosso colégio, dizia: ‘por que sempre nos levam à capela? É um lugar escuro e frio e não gosto de rezar...’ É claro que, ao mesmo tempo, questionava outras coisas: por que organizam o horário sem a nossa participação, sem perguntar se nos agrada ou não? Vocês são muito chatas...
O grande desafio é poder dedicar todas as nossas forças e energias para que desejem Deus, para que queiram conhecê-lo, para que o sintam e o amem, para que queiram iniciar processos de crescimento da fé. Não é possível seguir preparando sacramentos para todos, sem perguntar-lhes qual a sua motivação, o seu desejo, embora sejam pequenos, é indispensável proporcionar os meios para que eles e elas façam sua opção.
«Quem se sente amado, ama e quem é amado, obtém tudo especialmente dos jovens. Esta confiança estabelece uma corrente elétrica entre os jovens e os Superiores. Os corações se abrem e manifestam suas necessidades, seus defeitos. Este amor ajuda os Superiores a suportarem cansaços, aborrecimentos, ingratidão, incômodos, negligências dos jovens. Jesus Cristo não rompeu o caniço rachado, nem a chama que fumega. Eis aí o vosso modelo...
Dom Bosco colocou uma mão sobre o ombro do menino e lhe perguntou: “Querido, o queres fazer?”»
«Não sei», respondeu o menino. «O que queres que eu faça?». «És tu que deves dizer-me o que mais te agrada fazer». «Oh, eu gosto muito é de jogar». «Pois então, queres jogar com o Senhor?»
O menino ficou desconcertado, sem saber o que dizer. Então, o santo acrescentou: «Se tu queres jogar com o Senhor, farás a coisa mais linda que se possa fazer. Todos levam Deus tão a sério que o fazem de modo chato. Joga com Deus, filhinho. És um companheiro de jogo incomparável». Assim os “Miguel Magone” do século XXI podem encontrar Deus .
Madre Mazzarello sabia muito bem para quem trabalhava, a quem entregava toda a sua vida. “Alguns fatos revelam a unidade profunda entre o seu ser educadora e catequista, estas são suas palavras, segundo o que foi declarado por Ir. Petronila: “... nós assistimos as meninas aos domingos na Igreja e damos a ela catequese e tudo isso é uma bela obra. Porém, depois da catequese e das sagradas funções, aonde vão as meninas? E o que fazem? Estão por demais abandonadas a si mesmas e em perigo de ofender a Deus... isto não me deixa tranquila....” .
A finalidade do primeiro anúncio é favorecer, facilitar os primeiros passos na fé. O primeiro anúncio incendeia o desejo, convida a percorrer um caminho de fé, suscita o interesse... Seu propósito é a conversão a Cristo. Nós não temos o poder de transmitir a fé, porém temos sim a responsabilidade de afastar os obstáculos e de criar todas as condições que a tornam possível.
Segundo o documento de Aparecida, “propomo-nos a reforçar a nossa presença e proximidade. Por isso, no nosso serviço pastoral, convidamos a dedicar mais tempo a cada pessoa, escutá-la, estar ao seu lado em seus acontecimentos importantes e ajudar a buscar com ela as respostas a suas necessidades. Façamos com que todos, ao serem valorizados, possam sentir-se na Igreja como em sua própria casa. Ao reafirmar o compromisso pela formação de discípulos e missionários, esta Conferência se propôs a atender com maior cuidado as etapas do primeiro anúncio, da iniciação cristã e do amadurecimento na fé. A partir do fortalecimento da identidade cristã ajudemos a cada irmão e irmã a descobrir o serviço que o Senhor lhe pede na Igreja e na sociedade” .
“O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade ou as tarefas que devemos empreender, mas todo o amor recebido do Pai, graças a Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo... Aqui está o desafio fundamental que contrapomos: mostrar a capacidade da Igreja de promover e formar discípulos que respondam à vocação recebida e comuniquem em todas as partes, transbordando de gratidão e alegria, o dom do encontro com Jesus Cristo. Não temos outro tesouro a não ser este. Não temos outra felicidade nem outra prioridade que não seja sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja, para que Jesus Cristo seja buscado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante todas as dificuldades e resistências. Este é o melhor serviço – seu serviço! – que a Igreja tem que oferecer às pessoas e nações” .
Para Dom Bosco e Madre Mazzarello, a vida de família, o ambiente que se fomentava, constituíam o clima adequado para cultivar a fé. “A vida comum que fazia conosco, nos persuadia que mais do que estar em um colégio ou um internato, nos encontrávamos em uma família, sob a direção de um padre que nos amava e somente se preocupava com o nosso bem espiritual e material. Vivia-se no oratório uma vida de família, na qual o amor por Dom Bosco, o desejo de vê-lo contente, a incidência que tinha sobre nós, faziam florescer entre nós as mais belas virtudes... Estar com os jovens era a paixão santa e irresistível de Dom Bosco. Se alguma vez estava irritado por algo era quando se sentia forçado a abandonar a doce e familiar companhia dos jovens para receber alguma visita. Dom Bosco considerava o viver juntos em uma comunidade educativa como o viver em uma família que compartilha afetos. Ele diria: “quero que todos sejamos um só coração”. Gostaria de ser capaz de descrever a vida que vivíamos, porque eu estive ali, no oratório, na época de Dom Bosco... todos nos sentíamos parte de uma família... Dom Bosco sempre se referia ao oratório como a uma casa”
“E com a ajuda de Deus...”. “Confissão e comunhão frequentes e Eucaristia diária são as colunas que sustentam o edifício educativo”. O anterior é confirmado por uma nota escrita por Dom Bosco. “Há alguns anos, veio visitar-me Lord Palmerston, chegou ao Oratório às dez da manhã e ali ficou até quase as seis da tarde visitando minuciosamente tudo com a precisão e o interesse típico dos ingleses. Admirou-se de encontrar um grande salão com quinhentos jovens em perfeito silêncio e sem assistentes. Ao perguntar como conseguia isto, o Diretor lhe respondeu: a frequente Confissão e Comunhão e a missa diária. Ao que o visitante disse: é verdade, ou a religião ou o bastão” .
Da mesma maneira, Santa Maria Mazzarello empenhava sua vida em estar com as jovens para ajudá-las a encontrar a salvação. “... A serva de Deus conservava profundamente gravada no coração a instrução religiosa da juventude, especialmente das mais ignorantes e das mais abandonadas. Ouvi-a dizer que ela mesma antes de ser religiosa, ensinava o catecismo” . Nas principais fontes da vida de Madre Mazzarello se narra a proeza do baile para contrariar os efeitos do carnaval do povo; analisando este fato se observa uma audácia pouco comum e uma ânsia evangelizadora que envolve também as próprias meninas. Dom Fernando Maccono diz textualmente: “... o baile no Oratório era uma novidade. Maria se satisfazia com todo aquele movimento, o animava e fazia observar como se podia estar alegre sem ofender a Deus... por causa do baile as meninas e as Filhas da Imaculada suportaram insultos, houve algumas brigas e algumas bofetadas, alguns arranhões... um dia, coube a uma um forte soco que lhe quebrou a pianola; no entanto, Maria continuou em seu propósito e com a permissão de Dom Pestarino, com economias e sacrifícios, comprou uma pianola ainda maior”. Depois, já como FMA, em uma ocasião que parecia impossível contrariar o carnaval, a Madre consultou Dom Costamagna que lhe sugeriu organizar além do baile, o teatro com convite também para o povo; Dom Costamagna compôs para estes teatros, 22 músicas.
Os frutos da ação catequética de Madre Mazzarello podem ser sintetizados em quatro aspectos:
A oportunidade para SDB – FMA é permitir que esse fogo do carisma que incendiou em nós o Senhor com o dom da vocação salesiana, cresça e se desenvolva para a salvação dos jovens e das jovens, eles são a razão de ser da nossa vida e nossa missão. A vida de nossos santos é o desafio para que nos dediquemos inteiramente à Evangelização dos jovens e das jovens, adolescentes, meninos e meninas. A dimensão catequética é essencial à nossa identidade, é o que justifica a presença no pátio, nas salas de aula, nas ruas, nos areópagos do mundo juvenil. Mesmo quando avançam os anos e as forças vão diminuindo, não podemos perder o porquê do primeiro anúncio de um coração apaixonado.
O primeiro anúncio é antes de tudo um ato de amor que tem lugar em um ambiente onde reina e se pode experimentar o amor cristão. O ambiente salesiano gera, através do espírito de família, este ambiente cálido, afetuoso, vivido na bondade e na valorização de cada um como é. Aqui é onde pode germinar o primeiro anúncio que é em primeiro lugar o melhor que cada um oferece de si mesmo e, logo, o melhor que se espera de quem o acolhe. É o amor que nos instiga a anunciar o Evangelho, o amor de Cristo por cada pessoa que nos empurra para anunciar-lhes este amor (1 Cor 9, 16). É reconhecer o direito que os demais, especialmente os jovens, tem de saber que existe este grande amor: por direito eles são destinatários da Boa Notícia. O primeiro anúncio abre as portas da alegria cristã, permite entrar no conhecimento, na celebração da salvação de Deus, do amor imenso que dá consistência a cada pessoa e a salva. “... Encontramo-nos diante do desafio de revitalizar nosso modo de ser católico e nossas opções pessoais pelo Senhor, para que a fé cristã se enraíze mais profundamente no coração das pessoas e dos povos latino-americanos como acontecimento fundante e encontro vivificante com Cristo... para que a América Latina e o Caribe sejam efetivamente um continente no qual a fé, a esperança e o amor renovem a vida das pessoas e transformem as culturas dos povos” .
Os SDB e as FMA, temos uma rica herança espiritual pela qual, somente a partir de um grande amor que se desdobra, podemos falar de uma missão que abarca todos os minutos, as horas e o tempo que vivemos em favor dos jovens com o único desejo de que eles e elas se encontrem com Jesus Cristo e possam viver por Ele. Dom Bosco vivia certamente nesta terra, porém vivia simultaneamente em Deus. “Ainda que aparentemente sua vida parecia dispersa em mil atividades externas, na realidade tinha unicamente a Deus, e somente a Deus, como centro de gravitação suprema.”
"O fascínio que exercia sobre seus jovens derivava do contínuo testemunho de suas grandes virtudes e de que estavam convencidos de que era verdadeiramente um homem amigo de Deus" "O pensamento da presença divina estava tão vivo em sua mente, que brilhava em sua fisionomia (...) Ainda que de índole muito sociável, quando caminhava sozinho pela estrada, dificilmente reparava nas pessoas que o cumprimentavam. Parecia que seu espírito estava continuamente concentrado em algum pensamento profundo que lhe dominava e se deduzia claramente de todo seu conjunto que estava absorto na contemplação de Deus” .
Dom Bosco, profundamente humano e rico das virtudes de seu povo, estava aberto às realidades terrenas; profundamente homem de Deus e cheio dos dons do Espírito Santo, vivia como se visse o invisível. Ambos aspectos se fundiram em um projeto de vida fortemente unitário: o serviço aos jovens. Realizou-o com firmeza e constância, entre obstáculos e cansaços, com a sensibilidade de um coração generoso: não deu um passo, nem pronunciou uma palavra, nem realizou alguma empresa que não tivesse por objetivo a salvação da juventude. A única coisa que realmente lhe interessava eram as almas .
Do mesmo modo podemos dizer o que significava a experiência de Deus na vida de Madre Mazzarello, era tudo para ela. “Uma das companheiras de Madre Mazzarello declara que aos 17 anos em uma reunião do Grupo da Imaculada, disse com franqueza: ‘... me arrependo de ter passado um quarto de hora sem pensar em Deus...’ confissão que significa a vivência de uma profunda experiência mística que Maria Domingas alimentou durante toda a sua vida e que iluminou toda a sua missão; experiência que lhe tornava natural e espontânea a tarefa de catequista, educadora e formadora, como consequência de sua opção de vida: ‘Escolhi Deus e para sempre!’. Sua espiritualidade, de uma mística profunda e simples, singela e austera, não é o fruto de sentimentalismos nem dos vaivéns da emoção do momento, mas que nasce da Cruz e é a partir do Crucificado que Maria Domingas anima as Irmãs, postulantes e também as meninas a proclamar a mensagem do Senhor. Não sem motivo confessa a Giuseppina Paccoto, já em idade adulta... “... Ir. Giuseppina, te confesso com sinceridade que nunca na minha vida senti gosto pela oração…” .
De múltiplas formas! É possível fazê-lo de modo narrativo e testemunhal quando se conta a própria história a partir da vida de tal maneira que desperta no outro o desejo de acreditar. Também se pode fazer de modo expositivo ou dialógico, cultural, através da Educação Religiosa quando nos esforçamos em dar razão da fé, em fazer memória do cristianismo, dos passos de sua história, de seu patrimônio artístico, de seus valores éticos, do tesouro de sua espiritualidade, de sua reflexão filosófica e teológica. Outra maneira pode ser o marco litúrgico já que as celebrações bem realizadas impactam a vida de quem participa.
Para nós SDB e FMA, o estilo do Sistema preventivo, vivido e atualizado ao longo da história, a simplicidade com que o viveram Dom Bosco e Madre Mazzarello, constituem nosso estilo, um modo próprio de viver e anunciar o evangelho.
“Guiado por Maria, que foi sua mestra, Dom Bosco viveu no contato com os jovens do primeiro oratório, uma experiência espiritual e educativa que chamou “Sistema Preventivo”. Para ele era um amor que se doa gratuitamente, inspirando-se na caridade de Deus, que precede toda criatura com sua providência, a acompanha com sua presença e a salva com sua própria vida. Dom Bosco transmite-o a nós como modo de viver e trabalhar para comunicar o Evangelho e salvar os jovens, com eles e por meio deles. Este sistema demonstra nossas relações com Deus, o contato pessoal com os demais e a vida da comunidade na prática de uma caridade que sabe fazer-se amar” .
“Sempre fui em frente segundo me inspirava o Senhor e as circunstâncias exigiam”. O Sistema Preventivo surge do contato permanente de Dom Bosco com os jovens. O Sistema Preventivo não é um método, nem uma pedagogia, nem sequer uma espiritualidade, é uma pessoa na qual trabalha o Espírito Santo e a torna carismática. “Foi dito com toda verdade que o método preventivo é propriamente o método do amor de Deus, um amor de Pai, mestre, amigo e sacerdote que, observando, instruindo, divertindo e santificando, previne o mal, prepara e faz o bem” .
“Dom Bosco no dia 10 de agosto de 1885 escreve uma carta a Dom Costamagna, que está na América: ‘Quero dar a todos pessoalmente uma conferência sobre o espírito salesiano, que deve animar nossas ações e todas as nossas palavras, o Sistema Preventivo seja sempre nossa característica... doçura, caridade, paciência... Cada salesiano se esforce para ser amigo de todos... Perdoe sempre...’ O Sistema Preventivo em Dom Bosco parte da experiência vital de sua própria pessoa, por ele transpassa e supera qualquer escrito” .
Afirmava em 1849 C. Danna, professor de literatura italiana, na Universidade de Turim, ao visitar o Oratório de Valdocco: “A isca com que atrai aquela numerosa meninada, mais do que os prêmios... é constituído pelo seu rosto sempre sereno e sempre atento a fazer chegar àqueles jovens a luz da verdade e do mútuo apreço” . “A doçura era o segredo de seu sistema: estava firmemente convencido de que para educar os meninos era necessário abrir seus corações, poder entrar neles como na própria casa... Dom Bosco usava sempre bons modos, paternais, delicados, inspirados na mansidão para atrair os meninos à virtude... Os meninos se sentiam imediatamente atraídos pela doçura e elegância de seus modos, a jovialidade de seu trato, a oportunidade e graça de suas palavras. Isto explica, em parte, o fascínio que exercitava sobre seus meninos, a quem atraía irresistivelmente. Centenas de vezes se ouvia os meninos que o rodeavam repetirem: “Parece Nosso Senhor!”, frase que se tornou habitual” .
A caridade pastoral fazia Dom Bosco permitir aos meninos para que o procurassem em qualquer momento do dia ou da noite para confessar-se. Esta generosidade o fazia passar até 16 horas confessando .
“Ao longo de sua vida, Madre Mazzarello demonstra um perfil catequético que é sinal claro de uma espiritualidade profunda, simples, essencial, um empenho real em seguir a Jesus Cristo, porém a Jesus Cristo Crucificado. Esta espiritualidade tem características particulares, que Madre Mazzarello reflete em sua animação catequética, em uma pedagogia simples e prática a respeito da oração e da relação com Deus, como quando animava a uma Postulante recém-chegada a Mornese para que pudesse rezar com liberdade. “... Fala com Deus usando o teu dialeto…” . “ Exortava a dizer ao Senhor o que nos sugere o coração, preferindo isto às orações que se encontram nos livros, porque – dizia – estes sentimentos são de outros; e quando vocês dizem o que sugere o coração, expressam os seus sentimentos” . Dados como os que narram as principais fontes a respeito de sua infância, quando seus pais permitiram aos primos Bodrato tê-la em sua casa quando havia apenas 8 anos de idade; ao regressar a sua família, Maria Domingas disse: “...eu gostava, sim, de ser boa e rezar, porém não com orações tão compridas, e sem exterioridades e sem ser vista por todos...” .
O método, tanto na catequese sistemática como naquela ocasional, é propriamente a comunicação de sua experiência de Deus, garantida pela coerência de sua vida. Uma Irmã declara: “... a Madre, nas conferências que nos fazia, nos falava das verdades da fé com tanta convicção e persuasão que parecia que ela via aquelas verdades como são em si mesmas; tão vivas e expressivas eram suas palavras!”
O estilo catequético de Madre Mazzarello é personalizado, lhe interessa especialmente a jovem e a experiência de Jesus nela; isto é natural em Mornese e Nizza porque o sistema preventivo é ambiente catequético de toda a comunidade. Na catequese ocasional, era frequente em Madre Mazzarello o estilo comparativo, de questionamento, de metáfora, temperado muitas vezes de esperteza e de bom humor. Existem numerosos e variados testemunhos a respeito, frases como: “para quem trabalhas?”; “que horas são?”; “recordas o compromisso que fizeste na meditação desta manhã?”; “estudas? Acredito que também estudarás o modo de fazer-te santa”; “quando estiveres em viagem, se vires um campanário, pensa que geralmente perto do campanário está Jesus; agarra-te espiritualmente às cordas do campanário e desce para cumprimentar Jesus...” .
Sua catequese, baseada na Palavra de Deus, era transmitida em forma coloquial, simples e direta como estilo natural de sua personalidade. A linha geral de seu estilo educativo, catequético e formativo é a simplicidade e a essencialidade. A Cronistória narra que Maria Domingas, sendo ainda uma jovem do grupo da Imaculada “queria conduzir as meninas ao Senhor, porém não as chateava com orações nem recomendações, nem tão pouco com proibições, mas que na parte mais visível da casa colocou uma estátua da Imaculada e sem dizer nada, cumprimentava a Virgem ao entrar, e isto foi se constituindo pouco a pouco em um programa…” . Dentro da tarefa catequética, para a formação à oração, como para qualquer tipo de ação educativa, Madre Mazzarello evita qualquer exterioridade e extravagância... Em Mornese, em uma ocasião as Irmãs lhe pedem a florzinha para o mês de Maio, e a Madre responde: “nenhuma novidade, nenhum acréscimo nas orações... fazer com maior atenção e empenho as práticas de piedade de cada dia, sem acrescentar outras coisas, começando desde o sinal da cruz que se faz ao levantar-se, até o último que se faz ao repousar…” .
Sem temor ou dúvidas, podemos afirmar que em Mornese e em Nizza a catequese é questão de ambiente, compromisso de toda a comunidade, e Madre Mazzarello reconhece que é assim: “... às meninas em Mornese: vocês devem fazer-se santas; se o Senhor lhes trouxe aqui é para que se santifiquem. No mundo há muitos perigos que levam a agir mal, aqui não: ao contrário, há muitos meios para se fazer o bem...” .
A piedade simples, o ambiente permeado de valores cristãos, a atitude de cada um dos SDB e das FMA são, para os jovens e as crianças, a possibilidade e o como do primeiro anúncio.
Cfr. Salesianos de Dom Bosco. CONSTITUIÇÕES e Regulamentos Gerais, 2 - 9; Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora. Constituições e Regulamentos, 2 - 10
Instituto Hijas de María Auxiliadora. PARA QUE TENGAN VIDA Y VIDA EN ABUNDANCIA. Líneas Orientadoras de la Misión Educativa de las FMA. CCS, Madrid, 2006, p. 37 #49a
Cfr. En todos los interrogantes, la introducción. Germán Medina Acosta, Manuel Jiménez, Jaime Mancera y Ricardo Pulido (Compiladores). Cómo llegar a la fe? El primer anuncio y el kerigma en la evangelización misionera. Cap III, El Camino a recorrer, Estrategias. André Fossion, SJ, p. 88 – 94 Medellín, Ed. Universidad Pontificia Bolivariana, 2011
Consejo Episcopal Latinoamericano, CELAM. V CONFERENCIA GENERAL DEL EPISCOPADO LATINOAMERICANO Y DEL CARIBE, 2ª edición, Bogotá, Centro de Publicaciones del CELAM, 2007, #11
AAVV. Una Mirada a la Realidad Juvenil Colombiana desde la Pastoral Educativa. Observatorio de la Juventud – Servicio Catequístico Salesiano. Análisis y Reflexión de los diversos aspectos de la Realidad Juvenil. Bogotá, EDICIONES SALESIANAS, 2013 pp.170. 171. 191. 193. 220. 221
CONFERENCIA EPISCOPAL DE COLOMBIA. Orientaciones comunes para la Catequesis en Colombia. Bogotá, Editorial Kimpres Ltda., 2012, p. 35 # 39
Maccono I, p. 60. Citado por Irmã María Victoria Montoya, fma. María Mazzarello Catequista, Septiembre 2006
Maccono I, 122. Citado por Irmã María Victoria Montoya, fma. María Mazzarello Catequista, Septiembre 2006
Processos. Pag 150, N. 13 Citado por Irmã María Victoria Montoya, fma. María Mazzarello Catequista, Septiembre 2006
Carta de Maria e Eulalia Bosco. Cronistoria II, pag 142. Citado por Irmã María Victoria Montoya, fma. María Mazzarello Catequista, Septiembre 2006
Cronist. III, p. 310. Ibid .
Brocardo, DB profondamente uomo, profondamente santo, p. 43. Jose Colomer sdb. Don Bosco, Hombre del Espíritu. Algunos Rasgos Cristianos de su Persona.
MB III 381 Jose Colomer sdb. Don Bosco, Hombre del Espíritu. Algunos Rasgos Cristianos de su Persona.
Cronistória Vol VIII. Citado por Irmã María Victoria Montoya, fma. María Mazzarello Catequista, Septiembre 2006
Cfr. Pbro. Hernán Cardona R. sdb. “El Segundo Testamento en el Sistema Preventivo de Don Bosco”. Retiro Trimestral Zonal. Medellín. Septiembre 2005.
MB III 182. Jose Colomer sdb. Don Bosco, Hombre del Espíritu. Algunos Rasgos Cristianos de su Persona
Trata-se do conteúdo do primeiro anúncio: o que deves anunciar em primeiro lugar? Os parâmetros desta resposta poder ser subjetivos e se referem diretamente aos jovens: quais são as perguntas? Em que situação se encontram? Destas respostas depende o conteúdo que desejas anunciar em primeiro lugar. É uma resposta direta ao destinatário e vai conduzindo o jovem enquanto se conversa com ele pelos caminhos da vida... O que deve ser considerado em primeiro lugar é o que interessa ao jovem em relação aos conteúdos da fé.
Porém, há um outro parâmetro que é objetivo e se refere ao primeiro e fundamental da mensagem cristã: a pregação de Jesus sobre o Reino, as Bem-aventuranças, o amor do Pai e a predicação sobre Jesus centrada no mistério pascal de sua morte e ressurreição, em sua identidade de Filho de Deus e Salvador da humanidade. É o kerigma pascal articulado com o kerigma da ação de Jesus. São aspectos que vão se articulando estreitamente para ir abrindo a inteligência à mensagem cristã. Porém, também há outros conteúdos para o primeiro anúncio: a vocação humana como resposta a partir de Jesus Cristo ao chamado de Deus à vida: aliança filial, aliança fraterna, aliança ecológica; a dinâmica espiritual da vida cristã na Igreja; o Credo que se apresenta à inteligência da fé.
Em todos os casos, esta primeira apresentação da fé exige coerência, integralidade, simplicidade. “Estar sempre prontos a dar a razão de sua esperança a todo aquele que a pede a vocês, mas com bons modos, com doçura e respeito” (1 Pd 3, 15 – 16). Dois critérios do primeiro anúncio se evidenciam nesta exortação: a credibilidade e a amabilidade na forma de falar e a delicadeza na forma de enunciá-lo.
Os temas fundamentais da vida cristã estão presentes na vida e na obra de Dom Bosco: Deus como criador e senhor, princípio e razão de tudo, domina o pensamento de Dom Bosco tanto quando defende a fé como quando prega ou escreve livros de ascética ou de história. Dom Bosco sabe contemplar a Deus nas criaturas, de tal modo que ao relacionar as coisas com Deus as vê todas boas. Gosta de chamar Deus de “Senhor”. “Servir ao Senhor”. Com o termo “Senhor” inculcava e vivia um forte sentido de dependência reverente, junto com a convicção de que a onipotência divina tudo dirige em vista do nosso bem. O Deus de Dom Bosco é um Deus que fala ao homem, que se revela em Jesus Cristo. É, sobretudo, Pai bom e misericordioso. Especialmente nos últimos anos de sua vida, DB gostava de imaginar Deus como Pai terno e amoroso. DB está convencido de que Deus é bom, infinitamente bom. Esta bondade divina a descobre especialmente no fato da redenção. “No momento do batizado – escreve – te converteste em objeto de especial amor por parte de Deus; te infundiram as virtudes da fé, da esperança e da caridade. Deste modo te converteste em cristão e pudeste levantar os olhos ao céu e dizer: Deus criador do céu e da terra és também meu Deus. És meu pai, me amas, me mandas que te chame com este nome: Pai Nosso que estás no céu”.
Testemunhas oculares recordavam mais tarde a mudança de voz em DB quando, ao recitar as orações, pronunciava as palavras do Pai Nosso. Quando escreve sobre Deus, Pai cheio de bondade e de misericórdia, o faz de tal modo que deixa transparecer uma profunda experiência cristã pessoal. Em um clima invadido entretanto de vestígios jansenistas, escreve e prega uma grande confiança na bondade e na misericórdia divinas. (Recordar a obra sobre a misericórdia de Deus escrita por desejo da Marquesa Barolo. Cfr. MB II 409-411) .
Verdadeiramente “o mais vivo desejo de DB, o único objetivo de sua vida era destruir o pecado” , afastar dele os meninos e animá-los ao amor de Deus. “Deus era o fundamento de seu sistema" . Por isso ele pôde dizer a seus filhos: “Caminhem com os pés na terra, porém com o coração no Céu" . Escreve P. Brocardo: "DB se esforçou sempre para que seus filhos tivessem uma fé “operante” e “dinâmica” como deseja São Tiago (2, 17) . Uma fé escatológica, orientada à vida eterna, proposta e vivida em íntima relação com os “novíssimos”, especialmente com a morte serena e alegre e com a felicidade eterna do céu. Uma fé sujeita a provas. “Alguma prova é necessária para reexaminar um pouco a fé” (Epist. 1792). Ver o sonho “a fé, nosso escudo e nossa vitória" .
Em meio às provas mais duras é preciso ter uma grande fé . Fé que tem seus inimigos: o descuido, a preguiça... (cfr. Sonho dos diamantes). Uma fé realista, que conhece sua fragilidade e aceita os meios para conservá-la e fazê-la crescer: oração, eucaristia, confissão, Maria, boas leituras, instrução, ambiente adequado, fuga das más ocasiões. De onde DB buscava sua grande confiança, sua esperança a toda prova? Diz-nos o seu biógrafo: “Do fundo de sua espiritualidade [recolhimento, oração, fé], DB encontrava uma confiança ilimitada em Deus, por tal motivo nada lhe parecia difícil demais nas obras que empreendia, nada lhe perturbava diante de qualquer eventualidade. Sabia incutir a mesma confiança em seus colaboradores e cooperadores" . Eugenio Ceria escreve sobre DB. "Vimos Dom Bosco [...] provado quase que continuamente por tribulações, mas sem perder nunca aquela sua calma imperturbável, aquela sua paz e tranquilidade que lhe vinham da perfeita, íntima e ininterrupta união com Deus" .
Também Madre Mazzarello transmitiu a mensagem através de suas 68 cartas e as poucas conferências, exortações e recordações que nos apresentam as fontes “iniciais” sobre a Madre; entre estes temas, Madre Mazzarello destaca de modo especial alguns aos quais dá tanta importância que os têm presente em quase todas as suas expressões: Jesus Crucificado e Jesus Menino no presépio; a Virgem Maria em suas invocações: Dolorosa, Imaculada, Auxiliadora; os Sacramentos, especialmente Penitência e Eucaristia; a Igreja e o Papa; o Paraíso como prêmio e encontro definitivo com o Senhor .
“A serva de Deus desejava ardentemente a Palavra de Deus: a escutava com profunda atenção, fazia dela o seu tesouro e, em diferentes ocasiões, a comunicava a quem dela se aproximava...” .
Algumas fontes narram a “correção” que a Madre fez a Dom Costamagna, o qual falava com frequência sobre o inferno. A Madre lhe disse com clareza: “...não é o inferno que me ajuda a fazer guerra contro o pecado, mas o fato de pensar na Paixão e Morte do Senhor; senhor diretor, fale-nos disto e verá como tiraremos maior proveito…” .
A grande oportunidade que se constitui em desafio para SDB e FMA é a espiritualidade salesiana que procuramos viver com paixão e mística segundo o estilo de Dom Bosco e de Madre Mazzarello. Somente a partir da experiência de fé profunda que cada um vive, que se compartilha em comunidade, que permeia o ambiente e a estrutura das próprias obras que animamos, é possível fazer o primeiro anúncio, ainda que sem palavras.
Quem faz o primeiro anúncio? Em primeiro lugar, as pessoas. Se a fé é uma adesão pessoal, como se poderia transmiti-la sem uma relação de pessoa a pessoa? Hoje mais do que nunca é determinante o encontro pessoal nos primeiros passos da fé. As comunidades também são portadoras do primeiro anúncio com seu estilo de vida, com seu espírito, com suas reuniões, com suas celebrações, seus projetos e seus compromissos para com a sociedade.
As instituições eclesiais também são responsáveis pelo primeiro anúncio, através do seu modo de governar e de funcionar segundo o modelo evangélico. O grande desafio é demonstrar que a fé cristã é possível, compreensível, desejável.
Jesus pregou o Reino de Deus (Mc 1, l5ss), não pregou a si mesmo, seria ostentação. Porém “Reino de Deus” quer dizer dar livremente a Deus a minha própria existência para que faça maravilhas. Os primeiros cristãos e concretamente Paulo, não anunciaram o Reino de Deus, mas a experiência de Deus que fizeram “que Jesus morto e ressuscitado os salvava”. Jesus anunciou o Reino de Deus, seus discípulos anunciaram a ele, anunciaram a Jesus como o Evangelho. Segundo Gálatas 1, 11 – 16, Evangelho é a revelação de Jesus Cristo em mim, não são conteúdos nem pregações. Paulo e as primeiras comunidades mostraram em sua própria vida o crucificado e ressuscitado, este era o Evangelho que gerava novos cristãos.
Também na vida salesiana, o anúncio parte de pessoas concretas: o Sistema Preventivo é Dom Bosco cheio de Deus agindo em favor de seus jovens empobrecidos, por isso não existem teorias sobre o Sistema Preventivo, mas salesianos (que em amplo sentido inclui os amigos de Dom Bosco) nos quais se vê Deus do mesmo modo como aconteceu a Dom Bosco para servir decididamente aos meninos... somos chamados a anunciar não teorias sobre o Sistema Preventivo, mas a Dom Bosco cheio de Deus que vibra ainda hoje .
Nosso Pai dizia que toda a nossa pessoa deveria vibrar por Deus: “Os olhos devem ver por Deus, os pés caminharem por Deus, as mãos trabalharem por Deus, o coração bater por Deus" . Sem dúvida que Dom Bosco recomendava aquilo que ele vivia. Testemunha o cardeal Cagliero: “O amor divino transparecia em seu rosto, em toda a sua pessoa, em todas as palavras que lhe brotavam do coração quando falava de Deus no púlpito, no confessionário, nas conferências privadas e públicas, nas próprias conversações familiares. Este amor foi o único desejo, o único suspiro, o mais ardente desejo de toda a sua vida. “Seu desejo – escreve P. Lemoyne – era levar todos ao paraíso; seu temor era que alguém se desviasse do bom caminho" . Dizia aos seus salesianos: “Ser sacerdote significa ser continuamente obrigado a considerar os interesses de Deus e a salvação das almas" . Um seminarista, um dia, perguntou a DB o que poderia fazer para dar-lhe a maior das alegrias: “Ajuda-me a salvar muitas almas e, por primeiro, a tua" .
“Nenhuma dificuldade, nenhum problema, nenhum sacrifício fazia DB desistir de fazer o bem. Possuía a constante disposição de submeter-se a qualquer trabalho, por mais pesado que fosse, quando se tratava de ajudar a um necessitado de socorro espiritual" . Assim, por exemplo, começou a estudar alemão, pagando 20 liras por 16 lições, e preparou uns formulários na dita língua, somente para poder confessar os soldados alemães e suas famílias . Disse o seu biógrafo: “DB apoiava sua educação cristã na oração, que praticou sempre com grande fervor, convertendo-se em modelo constante e exemplar das almas .
Conta, além do mais, a sua personalidade inconfundível, de grande riqueza humana e espiritual, que suscita a todos e em todas as partes admiração, entusiasmo e profundo apreço, porém por sua vez tão simples, humilde e bondosa que aproxima a todos. “A prática deste sistema está apoiada nas palavras de São Paulo: a caridade é benigna e paciente... tudo espera e tudo suporta” . O problema não é a caridade, mas o qualificativo TUDO. Tudo sofre, tudo espera e tudo suporta. A partir do Novo Testamento, a pessoa que pacientemente fez esse “Tudo” foi Jesus, ao obedecer a vontade do Pai, e que se converte em um ponto de referência para todo discípulo. Para suportar TUDO, é preciso ter as mesmas disposições de Jesus, ser transparência Sua, ser outro Jesus; me disponho a Deus, me entrego a Ele de tal modo que Deus faz comigo e desencadeia em mim, os mesmos mecanismos que realizou em Jesus” .
Do mesmo modo podemos afirmar que Maria Mazzarello encarnava em si mesma o mistério de Deus e o tornava visível através de suas atitudes, vivências e ardor de anunciá-lo sempre. “... A Serva de Deus queria que as postulantes e Irmãs se formassem na ciência do Catecismo para que pudessem a seu tempo ser boas mestras em meio ao povo. No leito de morte eu a ouvi recomendar com força às Superioras que se preocupassem em formar boas catequistas e que não se contentassem que o Catecismo fosse feito somente de exemplos e histórias, mas de modo a inculcar no povo as verdades da fé e as obrigações da moral cristã... que o catecismo seja sempre catecismo…”
É necessário apresentar com a palavra, com a ação e com o testemunho dos educadores o núcleo da mensagem de Jesus, para que a comunidade educativa projete uma experiência do Reino de Deus e se contagie de paixão pelo Deus da vida e pelo ser humano. A mensagem e as atitudes dos educadores não incidirão de nenhum modo nos corações, nas mentes e no comportamento dos estudantes, se pessoalmente não o vivem como adultos. Ao coração se chega habitualmente não somente através da razão mas principalmente através do sentimento e da ação testemunhal. Como aproveitar as novas sensibilidades dos jovens para que o religioso lhes ajude a dar um sentido à vida e a torne humanizante? De que modo pode uma pedagogia da compaixão e da misericórdia (Lc 10,25-37) e uma pedagogia do acompanhamento (Lc 24,13-31) converter-se em eixos transversais do Projeto Educativo Institucional? De que modo conseguir que os colégios católicos passem de uma pastoral meramente acadêmica a uma experiência de vida que integre os valores do Evangelho construtores do Projeto de Deus, com as realidades e exigências dos jovens a fim de construir vida plena e abundante?” .
Ser ‘catequistas’ e ser ‘missionários’ são dimensões da identidade salesiana: existimos como SDB e como FMA para participar ativamente da missão salvífica da Igreja, seja qual for o serviço ou a função que desempenhamos.
Quais são os lugares adequados para o primeiro anúncio? Os lugares nos quais a vida transcorre, aqueles onde as pessoas se aproximam, se encontram, os espaços de tempo livre, os lugares de trabalho, os lugares culturais e de formação, os espaços midiáticos. Em todos estes lugares se apresentam dois desafios pastorais: de uma parte, a necessidade de favorecer uma cultura do debate, da busca de sentido, que estejam abertas ao diálogo e ao diferente, com o propósito comum de gerar maior humanização. Por outro lado, trata-se de desenvolver uma pastoral cuja finalidade seja a de conservar a memória cristã no seio da cultura, para que a tradição cristã permaneça como um recurso disponível, como um princípio de alteridade e como uma proposta que se oferece à liberdade pessoal.
Também os lugares eclesiais deveriam ser espaços para o primeiro anúncio, desde que, conformes ao evangelho, sejam permeáveis e acolhedores para o ambiente social. As celebrações das comunidades cristãs, suas atividades caritativas e culturais, seus compromissos humanitários, seus espaços de formação e de partilha, como espaços abertos, de fraternidade incondicional, sem censuras nem proselitismos.
Para Dom Bosco e Madre Mazzarello, todas as ocasiões eram propícias para anunciar a Boa Notícia da Salvação, por isso os ambientes dos Oratórios, das casas, eram saturados da presença de Deus sentida, recordada, estimulada pelas pessoas, pelas atividades e pelas palavras. O acompanhamento permanente, a palavrinha ao ouvido, os laboratórios, os pátios, a capela, mas também os passeios, as excursões que promovia Dom Bosco com seus meninos, as atividades recreativas de Madre Mazzarello e das primeiras Irmãs para reunir e manter ativas as meninas e as jovens, tinham a mesma intenção.
“O cotidiano, lugar de encontro com Deus... O grupo, abertura à relação, ao trabalho com os demais e como oportunidade de superar o individualismo e o subjetivismo são o lugar privilegiado do encontro com Deus que os ama... Em fidelidade a Dom Bosco e a Madre Mazzarello insistimos na importância de educar à fé no contexto em que se vive porque é ali onde se elaboram os conhecimentos e os significados da vida... O ambiente educativo no carisma salesiano se coloca como mediação entre os valores inspirados no Evangelho e o contexto sociocultural. Em um espaço onde os jovens e as jovens projetam a vida, experimentam a confiança e fazem a experiência de grupo. Um lugar onde a educação personalizada vai de mãos dadas com o ambiente e onde a alegria, fruto da valorização positiva da existência, constitui a atmosfera de fundo da familiaridade entre jovens e adultos. No estilo salesiano, a educação é sobretudo obra de uma pedagogia do ambiente, caminho privilegiado para a formação à responsabilidade social. O ambiente salesiano se distingue por uma espiritualidade que penetra na vida dos jovens e adultos e se caracteriza pela fé em Deus, coloca ao centro o Mistério Pascal de Jesus Cristo encarnado, morto e ressuscitado, e a presença ativa de Maria. Acredita na força transformadora dos sacramentos... desemboca em uma fé comprometida com a construção da civilização do amor e se traduz em um dia a dia vivido com otimismo e alegria, confiando que Deus age continuamente na história e nos chama como pessoas e como comunidades a ser sinais de sua presença” .
“Jesus contempla na criação a beleza e a bondade do Criador, seu Pai e nosso Pai, e conduz a uma relação com a natureza e com o cosmos capaz de admirar a bondade, a verdade e a beleza das criaturas: ‘Olhem as aves do céu... observem como crescem os lírios do campo...’ (Mt 7, 26.28). Por isto a criação se converte em caminho de encontro com Deus, que deixou a marca de sua grandeza e a presenteia à humanidade para que seja sua palavra e seu canto como resposta de gratidão ao Criador pelo dom da vida” .
Além disto, a paixão missionária que ardia no coração de Dom Bosco, fazia-o sempre sonhar, imaginar, enviar seus salesianos por todo o mundo. DB “morria de vontade de converter a todos os povos e salvar todas as almas" . Seu ardente desejo era não somente reunir os meninos de Turim e seus arredores, mas os meninos de todas as nações da terra, cristãos e pagãos, católicos, cismáticos e hereges, selvagens e bárbaros e dar a conhecer a todos o verdadeiro Deus e o seu Filho Jesus Cristo. Sua caridade não devia conhecer limites" .
Animada por um ardente espírito missionário, também Madre Mazzarello abandona Mornese para abrir outras casas, outras presenças e sonha ir a terras distantes. “Nossas casas aqui na Europa vão aumentando... todas estão contentes e trabalham com entusiasmo pela glória de Deus e o bem das almas. Agradeçamos ao Senhor que nos concede tantas graças e se serve de nós, coitadas, para fazer o bem” .
“Trabalha, trabalha muito no campo que o Senhor te deu” . “Que alegria se o Senhor nos concedesse a graça de mandar-nos à América! Mesmo que não pudéssemos fazer outra coisa além de salvar uma alma ficaríamos satisfeitas com todos os sacrifícios” .
“Proclama a Palavra, insiste no tempo oportuno e inoportuno” (2Tim 4,2) diria São Paulo. No entanto, não é conveniente que o primeiro anúncio se converta em um tormento ou ameaça moral. Retomando a expressão da primeira carta de Pedro, o primeiro anúncio sempre há de ser proposto com “doçura e respeito”. Como mostra a sabedoria judaica, muitas vezes e segundo as circunstâncias, é preciso esperar que surja uma pergunta para poder respondê-la. “Amanhã seu filho vai perguntar-lhe: ‘O que significam esses testemunhos, estatutos e normas que Javé nosso Deus ordenou a vocês?’ Então você responderá a seu filho: ‘Nós éramos escravos do Faraó no Egito, mas Javé nos tirou do Egito com mão forte’ ” .
Entretanto, o primeiro anúncio nunca é o primeiro: sempre o precedem o amor de Deus e a prática da caridade pastoral. A partir deste ponto de vista, o imperativo principal da evangelização é a preocupação pelos pobres, a atenção pelos que sofrem, o combate contra a injustiça, a luta por um mundo mais humano: aqui se insere o anúncio explícito do evangelho. O anúncio da Boa Notícia e a prática da caridade são inseparáveis. Quando se anuncia a alguém o evangelho não é para conseguir antes de tudo a sua conversão, mas para dar a conhecer ao outro gratuitamente o amor com o qual é amado. A finalidade principal do primeiro anúncio é o exercício da caridade.
O primeiro anúncio não é mais que uma pergunta, uma interpelação e não exige uma resposta imediata; requer sim um ambiente favorável onde seja possível o acompanhamento e a partilha.
“A admiração pela pessoa de Jesus, seu chamado e seu olhar de amor despertam uma resposta consciente e livre desde o mais íntimo do coração do discípulo, uma adesão de toda sua pessoa ao saber que Cristo o chama por seu nome (cf. Jo 10,3). É um “sim” que compromete radicalmente a liberdade do discípulo a se entregar a Jesus, Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14,6). É uma resposta de amor a quem o amou primeiro “até o extremo” (cf. Jo 13,1). A resposta do discípulo amadurece neste amor de Jesus: “Te seguirei por onde quer que vás” (Lc 9, 57)” .
“O caminho de formação do seguidor de Jesus lança suas raízes na natureza dinâmica da pessoa e no convite pessoal de Jesus Cristo, que chama os seus pelo nome e estes o seguem porque conhecem a sua voz. O Senhor despertava as aspirações profundas de seus discípulos e os atraía a si maravilhados. O seguimento é fruto de um fascínio que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo a quem reconhece como o mestre que o conduz e o acompanha.”
O poder do Espírito e da Palavra contagia as pessoas e as leva a escutar Jesus Cristo, a crer Nele como seu Salvador, a reconhecê-lo como quem dá pleno significado a suas vidas e a seguir seus passos. O anúncio se fundamenta na presença de Cristo Ressuscitado hoje na Igreja, e é fator imprescindível no processo de formação de discípulos e missionários .
São muitos os cristãos que não participam na Eucaristia dominical nem recebem com regularidade os sacramentos, nem se inserem ativamente na comunidade eclesial. Sem esquecer a importância da família na iniciação cristã, este fenômeno nos desafia profundamente a imaginar e organizar novas formas de aproximação para ajudá-los a valorizar o sentido da vida sacramental, da participação comunitária e do compromisso cidadão. Temos uma alta porcentagem de católicos sem consciência de sua missão: ser sal e fermento no mundo, com uma identidade cristã frágil e vulnerável. Isto constitui um grande desafio que questiona a fundo o modo como estamos educando à fé e como estamos alimentando a experiência cristã; um desafio que devemos encarar com decisão, com coragem e criatividade, visto que em muitas partes a iniciação cristã tem sido pobre e fragmentada. Ou educamos à fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as a seguirem-no, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora. Se nos impõem a tarefa irrenunciável de oferecer uma modalidade de iniciação cristã que, além determinar o quê, dê também elementos para o quem, o como e o onde se realiza. Dessa forma, assumiremos o desafio de uma nova evangelização, à qual temos sido reiteradamente convocados .
Recordamos que o caminho de formação do cristão na tradição mais antiga da Igreja “teve sempre um caráter de experiência, na qual era determinante o encontro vivo e persuasivo com Cristo, anunciado por autênticas testemunhas” . Ser discípulo é um dom destinado a crescer . A paróquia precisa ser o lugar onde se garanta a iniciação cristã . Quando falamos de uma educação cristã, portanto, entendemos que o mestre educa para um projeto de ser humano no qual habite Jesus Cristo com o poder transformador de sua vida nova. Existem muitos aspectos aos quais se educa e que constam no projeto educativo. Existem muitos valores, mas estes valores nunca estão sozinhos, sempre formam uma constelação ordenada, explícita ou implicitamente. Se a organização tem a Cristo como fundamento e fim, então esta educação está recapitulando tudo em Cristo e é uma verdadeira educação cristã; se não, pode até falar de Cristo, mas corre o perigo de não ser cristã . Propõe-se que nas instituições católicas a educação à fé seja integral e transversal em todo o currículo, considerando o processo de formação para encontrar a Cristo e para viver como discípulos e missionários seus, inserindo nela verdadeiros processos de iniciação cristã .
Para SDB e FMA, anunciar Jesus Cristo é uma oportunidade permanente, e o grande objetivo é fazê-lo com audácia, com criatividade, com empenho de qualidade, a partir do testemunho da própria vida e sempre! Segundo nossa tradição salesiana é fazê-lo com os próprios jovens, e o mesmo é confirmado por Papa Francisco em uma das suas mensagens dirigidas aos jovens na JMJ no Brasil: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações»... Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem. Este é o caminho a ser percorrido por vocês... Além disso, Jesus não disse: «Vai», mas «Ide»: somos enviados juntos... quando juntos enfrentamos os desafios, então, somos fortes, descobrimos recursos que pensávamos não ter. Jesus não chamou os Apóstolos para que vivessem isolados; chamou-os para que formassem um grupo, uma comunidade... Que Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, os acompanhe sempre com a sua ternura: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Amém.
MB XII 349. Jose Colomer sdb. Don Bosco, Hombre del Espíritu. Algunos Rasgos Cristianos de su Persona
Cfr. Pbro. Hernán Cardona R. sdb. “El Segundo Testamento en el Sistema Preventivo de Don Bosco”. Retiro Trimestral Zonal. Medellín. Septiembre 2005.
MB II 129. Jose Colomer sdb. Don Bosco, Hombre del Espíritu. Algunos Rasgos Cristianos de su Persona.
Pbro. Hernán Cardona R. sdb, “El Segundo Testamento en el Sistema Preventivo de Don Bosco”. Retiro Trimestral Zonal. Medellín. Septiembre 2005.
Madre Enriqueta Sorbone. Processos. P. 150 n. IV. 13. Irmã María Victoria Montoya, fma. María Mazzarello Catequista, Septiembre 2006.
AAVV. Una Mirada a la Realidad Juvenil Colombiana desde la Pastoral Educativa. Observatorio de la Juventud – Servicio Catequístico Salesiano. Análisis y Reflexión de los diversos aspectos de la Realidad Juvenil. Bogotá, EDICIONES SALESIANAS, 2013
Cfr. Instituto Hijas de María Auxiliadora. Para que tengan Vida y Vida en Abundancia. Líneas Orientadoras de la Misión Educativa de las FMA. CCS, Madrid, 2006. P. 66 y 93 # 98. 99. 142. 143
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JESUS FILHO DE DEUS
Experiência do Primeiro Anúncio entre o povo Yanomami do rio Marauiá – Amazonas/Brasil
Pe. Justino Sarmento Rezende
Deus da Vida sempre acompanhou o povo Yanomami. Eles O adoram, veneram e louvam através de seus rituais de paricá, pinturas corporais, com seus gritos invocam a Deus seus favores, proteção de seus xaponos, de suas vidas e cura das enfermidades. Cantam, gritam pedindo equilíbrio do mundo, cosmo, florestas, águas, animais. Essas realidades estão presentes até nos dias atuais, no dia a dia acontece as danças dos pajés no seu grande templo xapono.
Veio o missionário salesiano! Ele veio em nome da Igreja, em nome de outra religião não-yanomami: religião cristã-católica. Que significa isso para o povo Yanomami? Que figura é essa de padre? (missionário) Ele não é pajé, não é Yanomami. Quem ele é? Que significado tem o padre?
Ele, o missionário é o primeiro anúncio. De que? Entra na cultura Yanomami com outras culturas, outras crenças, outras orações, outras atitudes de vida. A nossa presença missionária é muito mais do que presença. Não devemos pensar que estamos ai somente para estar com o povo Yanomami. A nossa presença influencia, os nossos modos de ser, de rezar, de celebrar, de encarar a vida, de acreditar em Deus, de cantar cantos religiosos cristãos, de rezar nossas laudes, vésperas, celebrar as missas, de visitar as pessoas são gestos, passos, vozes que anunciam outro Ser Deus, Jesus, Espírito Santo.
O povo Yanomami é um povo atento e aprende com facilidade. Desde 2010 estou com o povo Yanomami. Sou um indígena do povo Tuyuka. A minha presença de indígena salesiano padre mostra para este povo muitas novidades: o indígena pode estudar, pode se tornar salesiano, tornar-se padre. Eu não escondo para eles a minha identidade indígena, de salesiano padre. Eu sei que todos eles já conhecem muito bem quem é Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) o que é a Igreja e a vida salesiana. São mais cinquenta anos de contatos.
Nas celebrações diárias da eucaristia diversos jovens participam, fazem leituras, cantam. Aos sábados e domingos as crianças, adolescentes e jovens participam. Rezam e cantam com entusiasmo. Eles são leitores da Palavra de Deus. Ficam atentos na partilha da Palavra. Também eles são tradutores das mensagens da Palavra de Deus, das palavras que o padre dirige aos participantes da missa. Diariamente as crianças e jovens perguntam: padre, vai ter missa? Quando dizemos que haverá missa ficam alegres.
Continuamente os Yanomami pedem para ser batizados. Querem receber a comunhão. Querem casar na Igreja. Querem ser seminaristas. Querem ser salesianos. Querem ser padres. Todos esses desejos são suscitados pela nossa presença, nossas atitudes, nossas celebrações e nossas motivações. Fico pensando comigo: eles são apaixonados pelas celebrações, cantos, orações... Vêm do jeito deles, vêm com comida, vêm pintados, as crianças vem sem roupas... Tudo isso por amor àquilo que querem Ser – Ser Cristãos. Sem dúvida nenhuma que é Deus que dá essa alegria, essa vontade de Viver segundo a Vontade de Deus.
Por isso, estão esperando que nós salesianos de hoje decidamos oferecer para eles o melhor presente que estão esperando: SER YANOMAMI CRISTÃOS! .
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Respuesta Oportunidas y Retos (Sor GARCIA)
Contribuições para o encontro de estudo sobre o primeiro anúncio.
Em primeiro lugar, agradeço o subsídio; me parece muito bem definido o tema da jornada em continuação com a proposta de Aparecida. Quanto ao material sobre as oportunidades e desafios para o primeiro anúncio, parece-me muito clara a apresentação em forma de perguntas, nos dez pontos assinalados. Em alguns destes pontos, o enfoque dos SDB e FMA pareceu um pouco forçado. Fica a inquietação e a pergunta sobre como acompanhar os povos nativos com relação a este tema; neste caso, os descendentes de Zeferino Namuncurá, com uma religiosidade tão rica e profunda, em que são atingidos pela secularização...
Quero ressaltar no primeiro ponto: Por que hoje? Parece-me importante enfatizar a necessidade da conversão pastoral e sugiro parte da intervenção que o bispo de Neuquén, Dom Virginio Bressanelli fez no Sínodo sobre a Nova Evangelização.
“A conversão pastoral deve ser entendida como um processo e um itinerário da comunidade cristã em sua totalidade e pluralidade que, aberta aos sinais de nosso tempo, é chamada a testemunhar no mundo o amor de Deus e a caridade fraterna, a fazer o anúncio de Jesus Cristo e a oferecer a vida plena nEle...”
Isto convida a Igreja a localizar-se pastoralmente no espírito e nos horizontes do Concílio Vaticano II. Isto é: olhar o mundo com fé, amor e compaixão. – Optar cristologicamente pelos pobres. A Igreja é de todos, porém, especialmente dos pobres – Arriscar-se sempre no caminho do diálogo, ativo e propositivo – Incentivar a inserção plena dos leigos e leigas em todas as esferas do mundo e reconhecer-lhes uma verdadeira participação e corresponsabilidade eclesial, valorizando profundamente o papel da mulher na transmissão da fé. – Exercer em seu interior a autoridade como um serviço, a semelhança de Cristo servidor.
Esta conversão deve atingir a todos: Bispos, Presbíteros, Diáconos, Consagrados(as), Leigos(as). Não pode haver conversão pastoral sem a conversão dos próprios pastores. – Exige que a Igreja revise a validade e a atualidade de suas estruturas pastorais, para verificar sua inspiração evangélica e sua eficácia evangelizadora (cf. NMI 44). Aparecida chama “estrutura ultrapassada” a toda aquela realidade pastoral que não facilita a evangelização ou até que se torna um obstáculo para comunicar o dom do encontro com Cristo. A renovação missionária da Igreja compromete a todos e pede para “abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé.” (DA 365)
A conversão pastoral pede à Igreja a capacidade e humildade de purificar constantemente sua memória; exige criatividade, ousadia e confiança (parresia) para descobrir os novos paradigmas da evangelização numa sociedade que muda seus pontos de referência. Trata-se de uma graça que devemos pedir na oração ao Espírito Santo, que é o “protagonista principal da Evangelização”.
No terceiro ponto: Para quem? Levando em conta que se trata da América Latina e do Caribe, não podemos deixar de fazer alusão às grandes opções que são retomadas em Aparecida: A opção preferencial pelos pobres: Não podemos deixar de dizer que a opção preferencial pelos pobres está “qualificando” todo o nosso agir evangelizador e pastoral. Não se trata de uma simples estratégia pastoral, mas de um modo de assumir a realidade, de refleti-la teologicamente e, portanto, de realização evangelizadora e pastoral. O que acrescenta esta 5ª Conferência ao que foi dito nas anteriores é que muitos de nós temos que passar das ideias e palavras a uma proximidade real para com os pobres (DA 397 e 398).
No ponto quatro: Para quê? Creio que poderíamos desenvolver muito mais o tema de discípulos e missionários. Esta é a proposta pastoral de Aparecida: reconhecer-nos “discípulos missionários” como identidade fundamental. Ver: DA 347 a 379.
P. Honório Caucaman, SDB - ARS (Argentina Sur)