“Amas todas as coisas e não desprezas nada do que fizeste...
Senhor amante da vida”(Sab 11,24.12,1)
Congresso Mundial dos Cooperadores Salesianos
Seminário "Europa Terra de Missão"
Assembléia da União dos Superiores Gerais
Celebrações em homenagem a Mamãe Margarida
ESTRÉIA 2007
2. A ambigüidade da atual cultura da vida.O valor da vida humana, proclamado e defendido, mas também agredido e ameaçado.Qualidade de vida: uma meta ambígua.
Aumento da agressividade destrutiva.
A cultura antivida
Desafios e questionamentos 3.O envolvimento da Família Salesiana na defesa da vida. 4.O Deus que ama a vida. 5.Deixemo-nos guiar pelo amor de Deus pela vida. 6.Dom Bosco amante e promotor da vida para os jovens, sobretudo os mais pobres. 7.Empenho da Família Salesiana em favor da vida.
7.1 Defender o valor de toda vida humana.
Considerar a vida como dom.
Promover uma visão integral da vida.
7.2 Proteger a vida dos pobres.
Cuidar dos jovens em situação de risco.
Acompanhar famílias em dificuldade e ajudá-las.
7.3 Educar ao valor da vida.
L’O Oratório-Centro Juvenil.
L’O voluntariado.
7.4 Anunciar Jesus Cristo como sentido e fonte de vida.
7.5 Agradecer pela vida e celebrá-la.
7.6 Cuidar da criação com amor.
o guarda-chuva amarelo
Roma, de janeiro de 2007
Solenidade da Maternidade Divina de Maria
Caríssimos irmãos,
iniciamos hoje um novo ano, que se abre diante de nós rico de esperança. Este início coincide com o dia em que celebramos a Solenidade da Maternidade Divina de Maria e a Jornada Mundial da Paz. A novidade do ano recorda-nos que o tempo é graça, oportunidade de crescimento humano e espiritual, ocasião de maior empenho para viver a nossa vida como um dom, para ajudar crianças e jovens a descobrirem a beleza e o sentido da vida, para defendê-la e fazê-la crescer até à sua plenitude. Com o salmista, eu gosto de dizer ao Senhor: «Ensina-nos a contar nossos dias e chegaremos à sabedoria do coração» (Sl 90,12).
A paz não pode ser reduzida à ausência de guerras ou de conflitos, nem mesmo a acordos de não agressão, mesmo que às vezes, em certas partes do mundo tão provadas pelo flagelo da violência, essa paz já seja um grande resultado. A paz é a reconciliação total do homem consigo mesmo, com os outros, com a natureza, com Deus, e ela se torna possível desde que haja verdade, justiça, desenvolvimento, perdão entre as pessoas, os grupos sociais e as nações. Com o salmista agrada-me confessar: «Misericórdia e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam» (Sl 85, 11). Pois bem, para que esse maravilhoso desígnio de Deus se realize, a Igreja apresenta-nos Maria em sua maternidade divina. Ela nos acompanhará ao longo de 2007 e nos levará, através da Liturgia, ao encontro com Jesus, convidando-nos a acolhê-lo: «Fazei tudo que ele vos disser» (Jo 2,5).
Jesus, de fato, veio para que nós tenhamos vida em abundância (cf. Jo 10,10), porque Ele mesmo é a ressurreição e a vida (cf. Jo 11,25), Aquele que descobriu o sentido pleno da existência humana e que tem as chaves para abrir as portas que levam da morte à vida. Desejo a todos e a cada um de vós plenitude de vida em Cristo, enquanto vos entrego o programa espiritual e pastoral para este ano que tem justamente "a vida" como tema.
Antes, porém, de vos apresentar o meu comentário à Estréia, gostaria de compartilhar convosco alguns dos acontecimentos vividos por mim nos últimos três meses, depois de minha última carta circular. Este foi um período, setembro a dezembro de 2006, particularmente intenso, que me viu empenhado nas visitas de animação às Visitadorias de Angola, da África Ocidental Francófona e de Madagascar: as três celebravam o 25° aniversário da chegada dos primeiros Salesianos. Visitei também a Inspetoria do Peru, que nenhum Reitor-Mor visitara nos últimos 15 anos, e as da Bolívia e do Chile. Não me detenho em contar as experiências vividas e as impressões recolhidas nessas visitas, primeiramente porque as encontrareis na crônica deste mesmo número dos ACG, mas também porque através de ANS a comunicação do que acontece na Congregação torna-se hoje imediata.
Participei depois do Harambée e da celebração do envio da 137ª expedição missionária, realizada ainda neste ano no Templo de Dom Bosco do Colle. Presidi a reunião intermédia do Conselho, fiz a conferência inaugural do ano acadêmico da UPS e uma intervenção no Congresso sobre "Formação Profissional e Insatisfação Juvenil", em Arese, por ocasião dos 50 anos da nossa presença, que nos foi confiada pelo então Card. João Batista Montini, Arcebispo de Milão, quando convidava os Salesianos «a confrontar-se com outro tipo de jovens». Preguei ainda os Exercícios Espirituais aos Inspetores, Conselheiros Inspetoriais e Diretores das Inspetorias da Polônia e da Circunscrição EST. Estive presente no último dia do Congresso Mundial dos Salesianos Cooperadores. Interessei-me particularmente pela realização do Seminário "Europa Terra de Missão" e participei da Assembléia Geral da União dos Superiores Gerais e da celebração do sesquicentenário da morte de Mamãe Margarida.
Como poderia sintetizar uma tão grande riqueza de vivência salesiana? Simplesmente louvando a Deus por tantas belas coisas que o Senhor me permite tocar com as mãos. Sim, o Senhor é verdadeiramente generoso e bom para conosco. A primeira e melhor resposta é louvá-lo e agradecer-lhe, a fim de merecer novas e maiores graças.
Deter-me-ei aqui apenas nos últimos quatro eventos enunciados acima, pois creio que têm um apelo mais forte em relação a toda a Congregação.
Antes de tudo, o
Congresso Mundial dos Salesianos Cooperadores
Realizou-se em Roma, no Salesianum, de 9 a 22 de novembro de 2006. Foi uma bela experiência de salesianidade, vivida em clima de família, como foi evidenciado por todos os participantes. Ele constituiu a última etapa de uma caminhada de quase seis anos, tendo partido da proposta de subdividir a matéria do Regulamente de Vida Apostólica em duas partes: a primeira, relativa à identidade vocacional e apostólica ("Estatuto") e a segunda ("Regulamento") atinente aos elementos de aplicação, organização e flexibilidade.
A Associação inteira, animada pelo Conselho Mundial, fez um trabalho de estudo e aprofundamento, tendo em vista, através da colaboração e do confronto contínuo com a base, a renovação do Regulamento de Vida Apostólica. O resultado foi a elaboração de um documento, dividido em duas partes, mas com um único título: Projeto de Vida Apostólica.
Partiu-se, neste processo, dos Centros locais e dos Conselhos inspetoriais, solicitando pareceres e propostas. O Conselho Mundial predispusera um primeiro esboço oficial em fevereiro de 2003, permanecendo o mais possível fiel ao ótimo texto teológico e carismático do RVA (1986) e procurando inserir elementos em favor da maior autonomia estrutural da sensibilidade apostólica leiga e secular mais idônea às necessidades da missão salesiana no mundo de hoje. O grande tesouro do processo foi justamente a contribuição dada pelos próprios Cooperadores Salesianos, conscientes mais do que nunca da própria vocação apostólica salesiana específica.
Ao pedirem no texto renovado do Projeto de Vida Apostólica a mudança do nome de "Cooperadores Salesianos" para "Salesianos Cooperadores", os Cooperadores queriam exprimir claramente a sua consciência de serem, segundo o coração de Dom Bosco, verdadeiros "salesianos externos", inseridos no mundo.
O intercâmbio contínuo dos esboços entre os Cooperadores Salesianos do mundo todo com o Reitor-Mor e com o Conselho Mundial, e com o acompanhamento também da Madre Geral das FMA, produziu como fruto que o texto, proposto à votação "ad experimentum" para os próximos seis anos, tenha sido votado quase com unanimidade pelos participantes de direito do Congresso.
Foi aceito também com grande entusiasmo o meu desejo de transformar a "Associação" em imenso movimento apostólico salesiano ao lado de todos os ramos da Família Salesiana, para serem mais visíveis, mais críveis e mais eficazes na missão em favor dos jovens de hoje, segundo o coração apostólico de Dom Bosco.
Os Salesianos de Dom Bosco, depois de 140 anos de existência contínua como delegados, e as Filhas de Maria Auxiliadora como delegadas junto às suas obras, estão conscientes da grande tarefa de acompanhar não só os amigos e benfeitores da missão salesiana mas também, antes de tudo e sobretudo, os irmãos e as irmãs desta força apostólica leiga e secular que brotou do próprio coração de Dom Bosco.
O Congresso foi concluído antes na Basílica de São Pedro com a renovação da promessa diante do túmulo do Apóstolo e, depois, na Praça, ouvindo a mensagem do Papa, em linha com o que fora o lema do Congresso: «Nós renovamos o Regulamento, o Regulamento nos renova». Todo o conjunto para indicar que esse não era tanto o ponto de chegada, mas o ponto de partida renovada.
Acontecimento significativo foi o
Seminário "Europa Terra de Missão"
O Seminário foi realizado de 16 a 20 de novembro, organizado pelos Dicastérios para a Pastoral Juvenil e para as Missões, com a participação dos três Regionais da Europa e dos Delegados Inspetoriais das três Regiões européias. O Seminário punha-se na continuação do encontro dos Inspetores da Europa nos primeiros dias de dezembro de 2004 e com outros encontros europeus promovidos sobretudo pelo Dicastério da Pastoral Juvenil. Do primeiro momento ao final, procurei seguir o encontro muito de perto, convidando os Irmãos a empreenderem com coragem o grande projeto de "dar nova alma à Europa", entregando-nos com parresia, confiança, alegria, generosidade e competência à educação à fé e da fé dos jovens. Quis propor como modelo da nova evangelização da Europa São Paulo que, acorrentado em Roma, num pequeno local não maior que três metros quadrados, deu testemunho de Cristo e anunciou o seu Evangelho com toda franqueza e sem impedimento (cf. At 28, 16-31).
O Seminário foi realizado com grande responsabilidade da parte de todos, quer na análise da situação tão variada nas diversas zonas do oeste ao leste e do norte ao sul do continente, quer na partilha das experiências já em ato nas diversas Inspetorias. Era importante compartilhar tudo isso e fazer disso um patrimônio comum, conscientes de não partirmos do nada, mas, antes, de termos às costas uma experiência comprovada e podermos valorizar as várias oportunidades que nos são oferecidas pela história. Ao mesmo tempo estudamos o modo de enfrentar os desafios que a Europa de hoje nos apresenta, dando importância e prestando atenção em todos os elementos que possam promover uma verdadeira ação de evangelização.
Estamos conscientes de que hoje, mais do que nunca, a nossa tarefa é dar prioridade ao primeiro anúncio do Evangelho e apresentar a pessoa de Cristo. Isso exige um novo tipo de evangelizador, com a mesma paixão apostólica do "Da mihi animas..." de Dom Bosco. O documento final acompanhado de uma carta minha aos Inspetores e a todos os irmãos da Europa, recolhe muito bem o que se fez durante o Seminário e o que se quis assumir como compromisso. Fico satisfeito com isso e ficaria contente se também as outras Regiões promovessem uma experiência semelhante, pois a prioridade da evangelização não é exclusiva da Europa.
Em seguida, aconteceu a
Assembléia da União dos Superiores Gerais
De 22 a 24 de novembro, novamente no Salesianum, aconteceu a Assembléia da USG, com o tema: "Juntos pelo Reino". O primeiro dia contou com a participação ativa, além dos Superiores de Ordens e Congregações masculinas, também de um grande número de Superioras Gerais. A jornada foi vivida no espírito do Congresso Internacional da Vida Consagrada realizado em Roma em novembro de 2004. O tema, mas também a co-presença da USG e da UISG, foi um convite a traduzir operativamente a espiritualidade da comunhão, a estudar as experiências de colaboração entre a União dos Superiores Gerais e a União Internacional das Superioras Gerais, entre as Congregações próximas pelo carisma ou missão, dirigindo tudo para uma colaboração sempre maior e significativa. Não se tratou de elaborar estratégias de sobrevivência diante do fenômeno do envelhecimento ou da escassez das vocações como vem acontecendo numa parte do mundo ocidental, mas de crescer no sentido eclesial e deixar-nos guiar pelo Espírito Santo em vista de uma maior significatividade da Vida Religiosa no mundo de hoje, unidos pela mesma missão de Cristo. Não se trata de uma questão meramente funcional mas teológica, no sentido de que o Espírito criador da diversidade e da riqueza dos carismas chama à unidade para a construção do Corpo de Cristo.
Nós, como Salesianos, já caminhamos muito na colaboração com os leigos, aos quais há anos são confiados papéis de responsabilidade, especialmente no campo da escola. Estamos crescendo na comunhão a serviço da missão como Família Salesiana. Algumas Inspetorias, nas missões, na educação, nas casas de acolhida mantêm relações institucionais com grupos da Família Salesiana ou outras instituições religiosas. Aquilo que se está promovendo no interior da Vida Consagrada hoje é a "colaboração entre iguais" com outros Institutos religiosos, dioceses, organizações leigas. Nesses casos estabelecem-se convênios, feitos não entre indivíduos, mas entre instituições, que têm em vista a ação comum em nível de planificação, partilha de decisões e revisão em comum. Isso tudo já encontra concretização, por exemplo, quanto ao que se vai fazendo para enfrentar o desafio HIV/AIDS na África, para contrastar o tráfico de seres humanos, para ter uma representação autorizada e significativa junto à ONU. Obviamente, para empreender esses tipos de empenhos não basta o entusiasmo, caso se queira garantir continuidade e sucesso. Essas intervenções exigem convênios que definam bem o projeto, os objetivos, os processos para a tomada de decisões, para os financiamentos, o pessoal, as estratégias para enfrentar os conflitos. Pessoalmente, nós conhecemos bem as resistências e dificuldades que existem para colaborar no interior da própria Congregação, da mesma região ou Inspetoria. Não é difícil, portanto, imaginar quão maiores possam ser os desafios em nível inter-congregacional. Acredito que o ponto mais importante é crescer na cultura da comunhão e na consciência de que a missão pela qual trabalhamos é a missão de Cristo.
No último dia da Assembléia fui eleito Presidente da USG. Tomei essa eleição como expressão de confiança em relação à Congregação Salesiana, mais do que à minha pessoa. De minha parte procurarei dar o melhor de mim, junto com o Vice-Presidente e o Conselho Executivo que foi colado ao meu lado. O primeiro objetivo é acompanhar e orientar a caminhada que a Vida Consagrada está fazendo hoje, de modo que possa corresponder às expectativas de Deus e às necessidades da humanidade na Igreja. Estou convencido de que a Vida Consagrada representa uma verdadeira terapia para a nossa sociedade, desde que seja, porém, um sinal visível e crível da presença e do amor de Deus ("mística"), uma instância crítica diante de tudo que atente contra a pessoa humana entendida segundo o desígnio de Deus ("profecia"), solidária com a humanidade, especialmente a mais pobre, necessitada, excluída ou deixada de lado ("diaconia"). Parece que hoje, mais do que nunca, o que se nos pede é que escutemos o Espírito e nos deixemos guiar por ele.
Desejo, enfim, acenar às
Celebrações em homenagem a Mamãe Margarida
A ocorrência do sesquicentenário da morte de Mamãe Margarida foi um acontecimento que despertou grandíssimo entusiasmo, dando lugar a muitas e belíssimas iniciativas. Em carta aos Inspetores eu dirigia o convite para fazer-me saber como pretendessem celebrar essa data especial em suas Inspetorias. Agradeço a todos os que responderam enviando-me as programações com que honraram a mãe de Dom Bosco. Tenho um belo dossiê que testemunha as atividades e celebrações realizadas ao longo de 2006. Chegamos assim ao dia 25 de novembro, cheios de alegria pelo maravilhoso dom que o Senhor nos fez através da Congregação para as Causas dos Santos: com Decreto de 23 de outubro, ela reconheceu a heroicidade da vida e das virtudes de Mamãe Margarida, como também a sua fama de santidade, e declarou-a Venerável. Estou particularmente reconhecido ao Santo Padre que acolheu positivamente o nosso pedido de chegar à data de 25 de novembro, embora respeitando as etapas normais do processo, com esse reconhecimento. Não vos escondo que vivi com imensa emoção a leitura e a entrega oficial do Decreto. Agora, enquanto rezamos para que o Senhor apresse o dia da beatificação e canonização de Mamãe Margarida, o que importa é, antes de tudo, continuar a promover a vocação à santidade em nossa Família Salesiana. Qualquer que seja o projeto pessoal de vida, é preciso assumir o dia a dia e os dias comuns como um caminho de santificação, conscientes de que ela não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas em fazer de modo extraordinário as coisas ordinárias. Por outro lado, convido-vos a promover a "Associação Mamãe Margarida" em todas as Inspetorias, de modo que os pais dos consagrados comprometam-se em acompanhar a vocação de seus filhos e a sustentá-los com a oração para que sejam fiéis, especialmente nos momentos de prova. Dado que a Associação já existe em muitos lugares, talvez fosse o momento de pensar numa agregação oficial à Família Salesiana.
ESTRÉIA 2007
Ainda uma pequena observação antes de passar ao comentário da Estréia. Refere-se à incidência que a Estréia vem tendo em todo o mundo salesiano, no sentido de que se vai transformando sempre mais num verdadeiro programa espiritual e pastoral. Isso exige uma atenção particular, para evitar que se caminhe com programas de curta duração os quais poderiam comprometer o PEPS das diversas obras e Inspetorias. Mais ainda, dever-se-ia recordar, de um lado, que a Estréia é para toda a Família Salesiana e não exclusiva dos Salesianos, e, de outro, procurar relacionar - ao menos em nosso caso - a Estréia às grandes opções do PEPS, justamente para explorar os seus estímulos, sempre a serviço da realização do projeto educativo pastoral assumido em sua organicidade.
A estréia do ano passado suscitou na Família Salesiana um grande entusiasmo e originou uma multidão de iniciativas. Com a estréia deste ano gostaria de dar continuidade aos caminhos encetados e, ao mesmo tempo, abrir novos horizontes.
No decurso de 2006, que dedicáramos ao empenho pela família, vivemos o grande acontecimento eclesial do V Encontro Internacional da Família, no qual foi reafirmado o valor do amor e da vida humana, do quê a família constitui o âmbito privilegiado. As palavras do Papa, dirigidas a centenas de milhares de participantes entre os quais muitos membros da Família Salesiana, infundem esperança e empenham-nos na continuação de nossa caminhada em defesa da vida e pela renovação da família, berço da vida e do amor.
Ao mesmo tempo, porém, vivemos acontecimentos dramáticos, nos quais conhecemos novamente o desprezo pela vida humana: as guerras no Iraque e no Oriente Médio, a violência terrorista, o avanço irrefreável da imigração, o abuso e a exploração de crianças e mulheres, as leis que aprovam a experimentação sobre células embrionais, etc.
Tudo isso nos faz ver que o grande dom da vida encontra-se hoje ameaçado, como afirmava o venerado João Paulo II dirigindo-se aos jovens na VIII Jornada Mundial da Juventude: «Com o passar do tempo, as ameaças contra a vida não atenuam. Ao contrário, adquirem dimensões enormes. Não se trata tão somente de ameaças vindas de fora, das forças da natureza ou dos "Caim" que assassinam os "Abel"; não, trata-se de ameaças programadas de modo científico e sistemático. O Século XX será considerado uma época de ataques maciços contra a vida, uma série interminável de guerras e uma destruição permanente de vidas humanas inocentes. Os falsos profetas e os falsos mestres obtiveram o maior sucesso possível». [1]
Diante dessa realidade não podemos ficar indiferentes, sobretudo como membros da Família Salesiana, animada pelo espírito do humanismo de S. Francisco de Sales, que Dom Bosco viveu e nos transmitiu como preciosa herança educativa. É um humanismo que nos faz valorizar, defender e desenvolver todo aspecto positivo presente na vida das pessoas, nas coisas e na história, crer na força do bem e empenhar-nos por promovê-lo mais do que lamentar-nos do mal, amar a vida e todos os valores humanos que nela se encontram. [2]
É preciso que nos sintamos interpelados pelo Deus amante da vida. Se a vida humana brota do próprio Espírito de Deus, se é sopro divino, se fomos criados à sua imagem e semelhança, o amor divino paira necessariamente sobre a nossa existência. Deus ama todos os seres. Não pode odiar nada daquilo que criou amorosamente.
Contra aquilo que possam pensar os que vivem com a obscura convicção de que Deus é uma ameaça e presença opressora para o ser humano, sendo necessário, portanto, eliminá-lo a fim de viver e gozar mais plenamente a existência, nós queremos proclamar a nossa fé em Deus como o melhor amigo do homem e o defensor mais seguro da sua vida. Ele se manifestou dessa forma ao longo da história de Israel e dessa forma se exprime o autor do livro da Sabedoria.
«Sim, amas tudo o que existe e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma coisa, não a terias criado. Da mesma forma, como poderia alguma coisa subsistir, se não a tivesses querido?Ou como poderia ser mantida na existência, se por ti não tivesse sido chamada? A todos, porém, tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, tu que és amigo da vida! O teu espírito incorruptível está em todos. É por isso que corriges com carinho os que erram e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor» (Sb 11, 24-12,2).
Deus dá a vida por amor, mantêm-na no amor e a encaminha ao amor. E é o amor de Deus que nos impele a amar a vida, a promovê-la com um serviço responsável, a defendê-la com esperança, a anunciar o seu valor e sentido, especialmente aos jovens mais frágeis e indefesos, a quantos vão à deriva entre o vazio e a inquietação.
Proponho, por isso, a toda a Família Salesiana, que se deixe guiar por este Deus amante da vida e pelo seu amor pela vida e se empenhe com decisão na sua defesa e promoção.
Numa hora em que a vida está especialmente ameaçada, empenhamo-nos como Família Salesiana em
- assumir com gratidão e alegria a vida como um dom inviolável;
- promover com paixão a vida como um serviço responsável;
- defender com esperança a dignidade e a qualidade de toda vida, sobretudo da mais fraca, pobre e indefesa.
Esta estréia quer ser a «reafirmação precisa e firme do valor da vida humana e da sua inviolabilidade e, ao mesmo tempo, um apelo apaixonado a todos e a cada um, em nome de Deus: respeita, defende, ama e serve a vida, qualquer vida humana! Somente nesse caminho encontrarás justiça, desenvolvimento, liberdade verdadeira, paz e felicidade». [3]
2. A ambigüidade da atual cultura da vida
O Papa Bento XVI dizia aos sacerdotes da Diocese de Roma: «Creio que, de certa maneira, é esse o núcleo da nossa pastoral: ajudar a fazer uma verdadeira opção pela vida, a renovar a nossa relação com Deus como a relação que nos dá vida e nos mostra o caminho para a vida». [4]
Nosso primeiro esforço deve ser orientado, portanto, a buscar o discernimento de algumas das graves contradições da cultura do nosso tempo, perceber os questionamentos postos pelo modo de viver do homem contemporâneo, valorizar o que há de positivo na vida moderna a fim de potenciá-lo e denunciar a "cultura de morte" que ameaça a existência do ser humano e do seu mundo.
- O valor da vida humana, proclamado e defendido, mas também agredido e ameaçado.
O homem moderno adquiriu, sem dúvida alguma, uma consciência muito mais viva da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos invioláveis. Reage-se, hoje, vigorosamente contra a pena de morte, a tortura, os maus-tratos ou qualquer ofensa que degrade a pessoa. As legislações modernas e as disposições sociais recolhem de variados modos essa exigência de respeito à pessoa e defesa da vida humana.
Seria um erro, porém, ignorar os atos de prepotência que continuam a ser cometidos contra o que se proclama socialmente e o que é codificado nas leis. A vida humana é eliminada antes do parto através de ações abortivas; e o mesmo acontece em situações mais ou menos terminais, em virtude de uma mal-entendida "piedade" pelo doente ou de uma proclamada "morte com dignidade" ou eutanásia.
É um escândalo que brada ao céu a existência de inúmeros meninos e meninas maltratados ou explorados sexualmente, de mulheres obrigadas a prostituir-se e escravizadas por grupos organizados a serviço do mercado do sexo.
É particularmente desolador o espetáculo de tantas pessoas, especialmente jovens, enredadas pela espiral da droga, do consumo do álcool, ou que se entregam a um estilo de vida desnorteado, desordenado e irresponsável.
Numa sociedade e num mundo sempre mais desenvolvidos, nos quais as possibilidades de uma vida digna são sempre mais abundantes, cresce, apesar disso, o número de pessoas excluídas, obrigadas a viverem no limite da sobrevivência, nações ou continentes inteiros explorados e esquecidos, como se fossem seres de segunda categoria.
- Qualidade de vida: uma meta ambígua.
Durante muito tempo, a preocupação dos povos concentrou-se em garantir as condições fundamentais e indispensáveis para se conseguir subsistir. Era o objetivo único ao qual se podia aspirar, quando quase não existiam recursos para se esperar muito mais. Desde há alguns anos a qualidade de vida tornou-se uma nova meta da sociedade e dos indivíduos.
A preocupação pela qualidade da vida pode levar a conseqüências muito diversas, conforme o intento que a anime: inspirada pela vontade humanitária de desenvolver as condições mais favoráveis à expansão e ao desenvolvimento de uma vida digna para todos os seres humanos, ou uma exigência absoluta em si mesma, de inspiração utilitarista e econômica, segundo a qual se mede, se avalia e até mesmo se chega a excluir da vida aqueles que não chegam a um determinado nível. Introduz-se, dessa forma, uma divisão, por exemplo, entre os doentes que são cuidados com todo tipo de meios e doentes com escassa qualidade de vida (certos deficientes, anciãos sem família, doentes crônicos, etc.) que podem ser privados de cuidados e aos quais se pode, no limite, negar uma terapia mais eficaz. Vidas existem que são tidas como menos importantes ou menos úteis, vidas que estão além da conta chegando-se a ponto de serem percebidas como ameaça ao bem-estar dos outros e, por isso, passíveis de eliminação.
A fim de consentir a uns poucos uma outra qualidade de vida vai-se favorecendo, com mentalidade hedonista e consumista, a degradação e a destruição do ecossistema planetário (a poluição em suas diversas formas, as alterações climáticas, a crise dos recursos hídricos, a redução da biodiversidade, etc.), favorecendo um modelo de desenvolvimento não sustentável e que compromete gravemente o futuro de toda a humanidade.
- Aumento da agressividade destrutiva
Ao lado de tantos sinais que demonstram o crescimento da estima pela vida humana, a consideração em relação a todo ser vivo e o respeito pelo ambiente natural, aumentam infelizmente também as manifestações de violência sempre mais graves e destrutivas. Pensemos nas guerras e no comércio de armas que as sustenta, que continuam a acumular milhares de vítimas inocentes; como também os combates cruéis entre povos e etnias, que obrigam populações inteiras a abandonarem as próprias moradias e buscarem refúgio fora da própria pátria; assim também a violência xenófoba contra os imigrantes que são considerados um perigo e uma ameaça, explorados com a negação de seus direitos mais fundamentais.
Há também outras formas de violência que provêm de uma atitude antivida, movida pelas experiências de frustração das aspirações mais profundas da pessoa; cresce nela então, a hostilidade, a rejeição e o ódio à vida e aos outros; destroem-se as coisas, maltratam-se as pessoas, prejudica-se gratuitamente... Essa violência predomina muitas vezes em bandos juvenis ou em grupos que promovem ações violentas pelas ruas, etc.
- A cultura antivida - desafios e questionamentos
O aspecto que desperta maior preocupação é o difundir-se de uma forma de pensar, avaliar e comportar-se que se apresenta como normal, apresentada às vezes até mesmo como uma espécie de defesa da liberdade, e que, mais do que defender e promover a vida, vai levando-a à deterioração, ao esvaziamento e, no limite, à sua própria eliminação. É o que o Papa João Paulo II chamava de "cultura de morte": «Estamos diante - escrevia - de uma realidade mais vasta que pode ser considerada como verdadeira e própria estrutura de pecado, caracterizada pela imposição de uma cultura de anti-solidariedade, que se configura em muitos casos como verdadeira "cultura de morte"... Desencadeia-se dessa forma uma espécie de "conjuração contra a vida". Ela não envolve as pessoas apenas em suas relações individuais, familiares ou de grupo, mas vai bem além, a ponto de prejudicar e ultrapassar, em nível mundial, as relações entre os povos e os Estados». [5]
Diante dessa situação sentimo-nos profundamente questionados como educadores que desejam ajudar os jovens a descobrirem e promoverem o valor absoluto de qualquer vida, sobretudo da vida humana. Eis alguns desses desafios e questionamentos:
- O fundamento último do valor absoluto de toda vida humana.
Por que toda vida humana merece ser defendida e respeitada sempre e em qualquer situação e circunstância? Existem vidas que valham mais do que outras? Onde está o critério para uma qualidade de vida realmente digna da pessoa humana?
- O desafio da promoção da vida para todos, sobretudo para os mais fracos e indefesos.
Será humano o fato que justamente a grande sensibilidade do homem contemporâneo diante de uma vida mais plena e melhor se converta muitas vezes na maior ameaça à vida dos mais fracos e indefesos?
- O desafio da evangelização neste contexto e nesta cultura.
Como enfrentar esta cultura contrária à vida e nela anunciar o "Evangelho da vida" como força saneadora e vivificante para todos? Como promover em nossas comunidades, entre os jovens e na Família Salesiana um estilo de vida segundo a proposta de Dom Bosco, que leve todos a amar, valorizar, defender e promover a vida como dom e como serviço?
3. O envolvimento da Família Salesiana na defesa da vida
Esta visão da realidade não seria realista se não realçássemos os muitos esforços, serviços e realizações que vão sendo levadas adiante em todas as partes do mundo pelos diversos grupos da Família Salesiana. Como exemplo, desejo apresentar-vos algumas das iniciativas mais comuns e significativas em nossa Família, enquanto, ao mesmo tempo, vos convido a conhecer, valorizar e desenvolver os recursos, iniciativas e possibilidades já existentes em cada país e região. Eis um elenco, certamente incompleto, de iniciativas que atestam o esforço da Família Salesiana pela vida:
- Os movimentos de solidariedade suscitados pelas grandes calamidades surgidas nos últimos anos ("tsunami", terremotos, inundações, incêndios, atentados, guerras...). Eles demonstram a disponibilidade e a sensibilidade de tanta gente, sobretudo das pessoas simples, em responder com generosidade às necessidades dos outros e defender a vida dos mais pobres, dando-lhes esperança e futuro.
- A acolhida quotidiana de tantos jovens em situação de risco, meninos de rua, jovens desempregados, etc. Essa acolhida é feita por milhares de educadores que empregam suas vidas, com grande generosidade e sentido salesiano, a fim de ajudá-los a superar a situação de marginalização e de risco em que vivem e poderem enfrentar o próprio futuro com maior qualidade.
- Os vários programas de ajuda aos refugiados e aos imigrantes que a Família Salesiana realiza em diversos países, empenhando-se em sua acolhida e educação e na ajuda para que se integrem positivamente na nova cultura.
- As iniciativas em curso na África, como os programas "Stop au SIDA!" e "Love matters", para ir ao encontro do drama da AIDS que aflige esse provado continente, condenando à morte milhões de pessoas e deixando ao mesmo tempo milhões de órfãos. A Família Salesiana põe em ação estratégias preventivas orientadas a informar profissionalmente os jovens sobre o tema e a formar suas consciências, conscientes de que essa pandemia não pode ser vencida com os profiláticos mas com a educação eficaz.
- Os milhares de educadores e educadoras que nas diversas obras e presenças salesianas estão empenhados na educação dos jovens, preparando-os para que possam inserir-se no mundo do trabalho.
- O enorme esforço humanitário, educativo e evangelizador feito nas missões e que constitui, muitas vezes, uma das poucas possibilidades de defesa da vida e de promoção humana integral para milhares de pessoas e para populações inteiras.
- O serviço generoso nas missões, com uma ingente atividade que tem em vista não só a preservação da existência de povos indígenas, mas sobretudo o seu desenvolvimento, o seu reconhecimento público, social, com seus direitos próprios à língua, cultura, cosmovisão, organização social, representação política.
- O trabalho de inúmeras famílias que com dificuldade, mas com dedicação e generosidade, estão empenhadas num esforço quotidiano de educação e de defesa da vida.
- O voluntariado em suas diversas formas: social, missionária, vocacional.
E tantas outras iniciativas e realidades, que vão construindo dia a dia uma rede que apóia um grande número de pessoas ameaçadas e em perigo, e promovem com decisão e generosidade o esforço de construir um estilo de vida mais humano, solidário e evangélico, criando dessa forma a "cultura da vida".
Creio que com esta grande quantidade e qualidade de grupos de pessoas possamos e devamos enfrentar os grandes desafios que a defesa da vida nos apresenta hoje. A estréia é um estímulo a aprofundar a própria vocação à vida, um convite a unir as forças e prosseguir em nossos esforços para podermos responder aos enormes desafios com criatividade e dinamismo.
Desde as primeiras páginas do livro do Gênesis até à última página do livro do Apocalipse, a Sagrada Escritura manifesta a fé e a convicção profunda do Povo de Deus que a vida provém de Deus e que é preciso vivê-la diante dEle, que a tutela e protege. É uma bênção de Deus, que faz brilhar neste dom o seu amor e a sua generosidade. É o maior dos dons que Deus pode conceder.
Por isso, a primeira coisa a fazer é deliciar-se com a vida. O primeiro mandamento que recebemos de Deus é o de viver; um mandamento não escrito em tábuas de pedra, mas esculpido nas profundezas do nosso ser. O nosso primeiro gesto de obediência a Deus é amar a vida, acolhê-la com coração agradecido, cuidar dela com solicitude, desenvolver todas as possibilidades que nela estão contidas.
A Bíblia ressalta continuamente a relação direta da vida com Deus. A vida do homem vem de Deus; é, como insistia João Paulo II, «um dom pelo qual Deus participa algo de si com a criatura humana». [6] Deus é o único Senhor da vida; o homem não pode dispor dela. Vida e morte estão nas mãos de Deus: «Ele tem em seu poder a alma de todo ser vivo e o sopro de toda carne humana» (Jó 12,10). Toda vida vem de Deus e Deus a protege. Não cria o homem para deixá-lo morrer, mas para que viva (cf. Sb 2,23).
Justamente por isso, o Deus da vida é o "Deus dos pobres", que conseguem apenas sobreviver; é o "Deus da justiça", que defende os que são ameaçados pelos abusos e pelas injustiças dos fortes e poderosos (cf. Código da Aliança, em Ex 21,1-23,9). Somente o Deus fiel à vida pode revelar-se ao longo da história como defensor da vida do pobre, do fraco, da viúva, do estrangeiro, do indefeso. Conhecer este Deus significa praticar a justiça que dá vida e lutar contra a injustiça que mata. Crer nEle quer dizer promover a solidariedade com quem sofre e morre abandonado. Escutar a sua voz é abrir os ouvidos e o coração ao seu apelo constante: «O que fizeste de teu irmão»? (cf. Gn 4,9-10).
O Deus que já no Antigo Testamento se revelava como "amigo da vida", encarnou-se em Jesus Cristo. Nele os discípulos puderam ver com seus próprios olhos e tocar com suas mãos Aquele que é "Palavra de Vida" (cf. 1Jo 1,1). Suas palavras e seus gestos são orientados, desde agora, à promoção da vida e da salvação no ser humano. De fato, foi essa a recordação que ficou de Jesus na primeira comunidade: «Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder; por toda a parte, ele andou fazendo o bem e curando todos os que estavam dominados pelo diabo; pois Deus estava com ele» (At 10,38).
Para Jesus a vida é um dom precioso, «mais do que a nutrição» (Mt 6,25). Salvar uma vida prevalece sobre o sábado (cf. Mc 3,4), porque «Deus não é um Deus dos mortos, mas dos vivos» (Mc 12,27). A defesa da vida humana é uma idéia central no programa do Reino. Os dois aspectos - proclamação do Reino e cura para a vida do homem - integram o conteúdo da sua atividade messiânica, como sempre aparece nas narrações evangélicas: «Jesus caminhava por toda a Galiléia... proclamando o evangelho do Reino, curando toda doença e todo tipo de enfermidade entre o povo» (Mt 4,23; cf. 9,35; Lc 6,18). Ou melhor, a atividade curativa é a que melhor caracteriza o Messias. É ali que as obras do enviado de Deus se manifestam de maneira mais imediata: «Os cegos recuperam a vista e os coxos andam; os leprosos são purificados e os surdos ouvem; os mortos ressuscitam e o evangelho é anunciado aos pobres» (Mt 11,5).
Também no evangelho de João a vida é o valor central. Jesus é portador e garantidor de uma vida "eterna" e definitiva, isto é, uma vida que Deus comunica aos seus filhos e que terá sua consumação última para além deste mundo. Por isso, o evangelista apresenta-nos Cristo como «pão da vida» (Jo 6,35.48), «luz da vida» (Jo 8,12); «caminho, verdade e vida» (Jo 14,6); «ressurreição e vida» (Jo 11,25), a tal ponto que todo homem ou mulher «que nele crer, mesmo que morra, viverá» (Jo 11,25).
Esta vida eterna já pode ser experimentada desde agora pelo crente: «quem crê tem a vida eterna» (Jo 6,47); quem ouve a sua palavra «tem a vida eterna... e passou da morte à vida» (Jo 5,24); «quem come a sua carne e bebe o seu sangue tem a vida eterna e ele o ressuscitará no último dia» (Jo 6,54). A experiência fundamental, porém, que garante a abertura e a orientação da nossa vida atual para essa salvação eterna é sempre o amor: «Nós sabemos que passamos da morte à vida porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte» (1Jo 3,14).
Jesus não só aprecia a vida e a defende, como também dá a sua própria vida como serviço supremo de amor, para que a humanidade não termine na morte e na destruição definitiva. «Eu dou a minha vida... Ninguém a tira de mim. Eu a dou voluntariamente. Tenho o poder de dá-la e o poder de retomá-la» (Jo 10,17-18). Se Jesus se dá a si mesmo até à morte, não é certamente porque despreze a vida, mas porque ama tanto a vida e a quer para todos, até mesmo para os mais infelizes e desgraçados, e a quer definitiva, plena e eterna.
Esta "vida crucificada" por amor é "escândalo e loucura" segundo os modelos de vida vigentes hoje na sociedade. Do ponto de vista da fé cristã, porém, ela é o critério último de toda vida que queira ser plenamente humana e não desfigurada ou alterada pelo egoísmo, pela falta de solidariedade, pela injustiça. Antes, essa "vida crucificada" é para os crentes a revelação suprema do amor de Deus pelo homem e da sua estima e defesa da vida humana: é o "Evangelho da vida".
Este evangelho culmina na ressurreição. O Deus que ressuscita Jesus é um Deus que coloca vida lá onde os homens colocam morte. Assim pregam os apóstolos: «Vós o matastes... mas Deus o ressuscitou» (At 2,23-24). Aquele que crê neste Deus ressuscitador, "Deus dos vivos", começa a amar a vida de modo radicalmente novo e com um amor total. A fé pascal impele o crente a colocar-se do lado da vida lá onde ela se vê lesada, ultrajada ou destruída. A sua luta contra a morte não nasce apenas de algum imperativo ético, mas da fé neste Deus ressuscitador, que quer que o homem participe para sempre da sua mesma vida divina. A verdade cristã alcança aqui o seu cume sobre a vida: «A sua dignidade não está ligada apenas às suas origens, à sua proveniência de Deus, mas também ao seu fim, ao seu destino de comunhão com Deus no conhecimento e no amor dEle. É à luz desta verdade que S. Irineu explicita e completa a sua exaltação do homem: "glória de Deus" é, sim, "o homem que vive", mas "a vida do homem consiste na visão de Deus"». [7]
5. Deixemo-nos guiar pelo amor de Deus pela vida
O amor de Deus pela vida estimula-nos ao compromisso de testemunhar, proclamar e amar o valor da vida humana. João Paulo II escreveu: «É necessário fazer com que o Evangelho da vida chegue ao coração de todo homem e mulher e seja inserido nas dobras mais recônditas de toda a sociedade». [8] Tal anúncio comporta propor com clareza e decisão o caráter inviolável da vida.
A vida do ser humano é frágil, precária e efêmera, mas é uma realidade sagrada e inviolável. Deus infundiu o próprio hálito no homem, criou-o «à sua imagem e semelhança» (Gn 1,27). Ninguém pode dispor da vida, sua ou alheia, segundo o próprio capricho. Esta vida recebida de Deus é o fundamento da dignidade constitutiva e indestrutível de todo homem, o primeiro valor no qual se baseiam e se desenvolvem todos os outros valores e direitos.
O mandamento de Deus é claro e inequívoco: «Não matar» (Ex 20,13). Embora formulado de modo negativo, ele exprime o sentido fundamental do valor da vida e continua a estimular-nos a reafirmá-lo hoje.
Diante dos numerosos atentados contra a vida, adquire hoje uma importância decisiva a tarefa de promover uma educação mais sensível ao valor da vida, ao seu respeito e à sua defesa; educação capaz de oferecer uma visão integral da vida e da saúde e de dar sentido ético à pessoa. As novas gerações precisam encontrar pais e educadores que sejam verdadeiros "mestres de vida". É preciso que sejam ensinados à gratidão pela vida, a viverem de modo saudável e moderado, a assumirem a responsabilidade da própria existência, a construírem-na, a integrarem falências, dificuldades, renúncias, sofrimentos, a celebrarem a vida e o Deus que no-la dá, a viverem-na no amor e na entrega.
A fim de cumprir essa tarefa é preciso recordar a vocação e a missão da família. Sua responsabilidade educativa brota da sua mesma natureza e missão específica; isto é, o fato de ser comunidade de vida e de amor e ser destinada a «conservar, revelar e comunicar o amor». [9] A família anuncia o evangelho da vida sobretudo educando os filhos à veneração pela vida, a serem reconhecidos pelo dom de Deus.
Trata-se de um trabalho atento de formação da consciência moral. Com sua palavra e seu testemunho, nas relações e nas decisões quotidianas, a família pode ensinar, educar e ajudar a viver os grandes valores da liberdade, do respeito aos outros, da acolhida, do diálogo, do sentido de justiça, da solidariedade, da entrega de si mesmo. Dessa forma, com confiança e coragem, os pais educarão os filhos para os valores essenciais da vida humana.
6. Dom Bosco amante e promotor da vida para os jovens, sobretudo os mais pobres.
Para nós, membros da Família Salesiana, o amor e o compromisso pela vida têm em Dom Bosco um modelo e um mestre.
Desde menino, Dom Bosco demonstra uma grande vitalidade; aprende de sua mãe, mamãe Margarida, a descobrir a beleza da natureza e da vida; sabe deleitar-se com o esplendor da paisagem, das colinas e dos campos em flor que rodeiam os Becchi; admirado, contempla as noites estreladas, afeiçoa-se a um passarinho, que acompanha com ternura. Em todas essas coisas, sua mãe ensina-lhe a descobrir a obra de Deus criador que assume os cuidados de seus filhos, a sua sabedoria e o seu poder infinito e, sobretudo, o seu amor. Dessa forma, João abre-se a uma visão positiva e providencial da vida, sabe apreciar os momentos simples da vida campestre e enfrentar, sem se desencorajar, as dificuldades que encontra desde jovem em sua própria casa. Com esse espírito, ele procura comunicar a alegria aos colegas, entretendo-os nos dias festivos com uma grande variedade de brincadeiras; mas é sempre movido por um intento educativo: fazer com que sejam melhores e ajudá-los a cumprir os deveres de bom cristão. Ainda jovem estudante em Chieri, funda com seus amigos a "Sociedade da Alegria", cuja primeira norma era precisamente viver sempre alegre e esforçar-se para jamais ofender o Senhor.
Como sacerdote, percorrendo as ruas de Turim e visitando as prisões, Dom Bosco compreende que os jovens buscam a felicidade, desejam gozar a vida, sentir-se acolhidos e valorizados; e se, às vezes, vivem a própria aspiração seguindo caminhos errados que os levam até mesmo à prisão, não é porque sejam maus, mas porque não encontram pessoas que acreditem neles e que os ajudem a desenvolver positivamente as próprias energias e qualidades. Dom Bosco empenha, então, a sua vida em favor deles e cria com eles um ambiente positivo de vida, no qual possam experimentar a alegria de viver, com amplas possibilidades de brincar e divertir-se, de formar-se e encontrar trabalho, de se sentirem amados, aceitos e valorizados em clima de família. O jogo, a música, o teatro, as excursões e os passeios são para Dom Bosco instrumentos importantes de educação e caminho para conquistar o coração e, dessa forma, ajudar esses jovens a desenvolverem as melhores qualidades, a se sentirem capazes de fazer o bem e serem úteis aos outros e à sociedade. E, dessa forma, Dom Bosco os leva a conhecerem e viverem a amizade com Jesus Cristo.
Podemos dizer que Dom Bosco vive com os seus jovens em Valdocco uma verdadeira pedagogia da vida, da alegria e da festa; ou melhor, convida-os a se empenharem eles próprios na promoção desse ambiente entre os colegas. Ele escreve na biografia de Francisco Besucco: «Se queres ser bom, pratica apenas três coisas e tudo irá bem (...). São elas: Alegria, Estudo, Piedade. Este é o grande programa com o qual, ao praticá-lo, poderás viver feliz e fazer muito bem à tua alma». A alegria é característica essencial do ambiente familiar e expressão da amabilidade, resultado lógico de um regime baseado na razão e na religiosidade, interior e espontânea, que tem sua fonte última na paz com Deus, na vida da graça. [10] Por esse motivo, a alegria é, para Dom Bosco, não só um meio de tornar aceitável a seriedade da educação, mas uma forma de vida que leva em conta a realidade do jovem e do seu desejo de viver; entende-o Dom Bosco e quer que se realize plenamente; ele compreende que a exigência mais profunda do jovem é a alegria de viver, a liberdade, a diversão, a amizade. Acima de tudo, Dom Bosco como sacerdote crê profundamente que o cristianismo não é uma religião de proibições, mas, ao contrário, é a religião da vida, da felicidade, do amor; por isso, mediante a pedagogia da festa e da alegria abre os jovens a Jesus Cristo, leva-os a uma relação pessoal de amizade com Ele. Diante de uma imagem de vida cristã que os jovens recebiam da sociedade do seu tempo como de uma vida triste, cheia de renúncias e proibições, uma vida pouco adaptada à juventude, Dom Bosco propõe-lhes uma forma de vida cristã feliz e alegre.