“Nós te esperamos, te esperamos muito,
mas finalmente estás aqui; estás entre nós e não nos fugirás!” (MB XVIII, 72)
3.1 Atividade missionária na primeira metade do século
3.2 Dois grandes missionários: Dom Louis Mathias e Padre José Carreño
3.3 O rápido desenvolvimento da Congregação. Os salesianos na Índia, em Mianmar, no Sri Lanka, no Nepal, no Kuwait, no Iêmen
4.1 Coordenação interispetorial
4.2 Formação. Formação permanente. Formação inicial
4.3 Pastoral juvenil. Instituições educativas, internatos e pensionatos, centros juvenis, apostolado em favor dos jovens em situação de risco (YaR), serviço de orientação profissional, orientação vocacional
4.4 Família Salesiana
4.5 Comunicação social
4.6 Atividade missionária. Missão de Arunachal. Paróquias. Programa de desenvolvimento social, parte integrante da atividade missionária.
Dom Estevão Ferrando.
Padre Francisco Convertini.
6.1 Dar Deus aos jovens, prioridade absoluta
6.2 Viver apaixonados pela "missio ad gentes"
6.3 Robustecer a vida comum
6.4 Preocupar-se com a identificação carismática dos irmãos
Roma, de setembro de 2006
Festa de São Mateus Apóstolo
há três meses, eu publiquei a carta de convocação para o CG26 que obteve, em todos os lugares, uma acolhida muito expressiva, como testemunham os inúmeros e-mails e cartas que recebi e continuo a receber, expressando a alegria dos irmãos pelo tema escolhido, o seu orgulho de serem filhos de Dom Bosco e a sua disponibilidade a atuar as mudanças pessoais, comunitárias e institucionais necessárias a fim de permanecerem sempre fiéis a Deus, a Dom Bosco e aos jovens.
Agora, nesta minha carta, quero continuar a apresentação das Regiões. E logo, enquanto começo a escrever a carta, minha mente se inunda de recordações ainda vivas das duas visitas que fiz à Região Ásia Sul: a primeira, em fevereiro de 2005, às Inspetorias de Kolkata, Guwahati e Dimapur, no nordeste da Índia, e a Nova Délhi, capital da Índia, para estar presente na inauguração das celebrações centenárias da presença salesiana naquele país e presidir em seguida a visita de conjunto; a segunda, em fevereiro de 2006, ao Sri Lanka para a celebração dos cinqüenta anos de presença salesiana naquela ilha-nação, e às Inspetorias indianas de Chennai, Bangalore e Hyderabad e, de modo particular, a Thanjavur, Inspetoria de Tiruchy, para encerrar as celebrações centenárias.
Aguardo a minha próxima visita em fevereiro de 2007 às outras Inspetorias da Região, Bangalore (especificamente ao Kerala, para o jubileu de ouro da presença salesiana naquele estado) e Mumbai, à Visitadoria de Panjim (para o jubileu de diamante da presença salesiana naquele território), à Visitadoria de Mianmar, e a Ranchi, na Inspetoria de Nova Délhi.
Impressionou-me, em minhas primeiras visitas à Região, a fecundidade com que o carisma salesiano viveu e se manifesta nas diversas Inspetorias. Ainda tenho diante dos olhos as faces dos milhares de jovens, cheios de vida e de entusiasmo, vistos nos vários encontros. Onde quer que fosse, ouvia crianças e jovens aclamarem e gritarem: "Viva Dom Bosco!". Como esquecer o encontro em Chennai, aonde mais de 15.000 jovens vindos de vários de nossos institutos se reuniram para um encontro de paz? Toda aquela exultação era expressão da alegria de terem sido educados pelos filhos de Dom Bosco, de pertencerem à Família Salesiana e de encontrarem o sucessor de Dom Bosco.
O primeiro centenário da presença salesiana na Região foi realmente um dom de Deus à Igreja e à Congregação. Para os salesianos, o que aconteceu foi um século para aprender, crescer e levar à realização o sonho de Dom Bosco em favor dos jovens, um século de bênçãos abundantes. A esta altura, devo expressar o reconhecimento da Congregação a todos os que foram instrumentos desse maravilhoso desenvolvimento. A vibrante presença salesiana na Região é, hoje, fruto do empreendimento pioneiro dos missionários estrangeiros que fizeram do "Da mihi animas" de Dom Bosco a razão e o motor de sua vida. Eles implantaram o carisma salesiano que está produzindo frutos em abundância. A todos esses missionários, de variadas línguas e nacionalidades, a grande maioria dos quais já passou à casa do Pai para receber a recompensa dos servos fiéis, vai a gratidão do Reitor-Mor e de toda a Congregação!
Como afirmei na homilia da missa inaugural das celebrações centenárias em Nova Délhi, no dia 28 de fevereiro de 2005, «não podemos deixar de ficar admirados pela enorme expansão do carisma de Dom Bosco, pelo florescimento das vocações, pelo desenvolvimento da Família Salesiana, a ponto de podermos dizer que hoje a Congregação tem um rosto indiano». Certamente; e desse rosto indiano e sul-asiático quero vos falar nas páginas seguintes.
A história da presença salesiana na Região tem raízes muito distantes. Já em 1875 Dom Bosco falara da Índia como um dos possíveis futuros países para onde enviar os seus missionários. [1] Um ano depois mencionou o Ceilão (atual Sri Lanka) entre os futuros campos missionários. [2] Nesse mesmo ano Pio IX oferecia a Dom Bosco um Vicariato na Índia e, no ano seguinte, Dom Bosco escrevia ao P. Cagliero: «Vamos assumir o Vicariato Apostólico de Mengador (Mangalore)» e projetava ao mesmo P. Cagliero a possibilidade de ser o seu Vigário Apostólico. [3] Enfim, na noite entre 9 e 10 de abril de 1886, Dom Bosco teve em Barcelona o sonho missionário que «contou ao P. Rua (e a outros), numa voz interrompida pelos soluços».
Dom Bosco «viu uma imensa multidão de jovenzinhos que, correndo ao seu redor, diziam-lhe: "Nós te esperamos, te esperamos muito, mas finalmente estás aqui; estás entre nós e não nos fugirás!" [...]; enquanto estava como que atônito entre eles, contemplando-os, viu um imenso rebanho de cordeiros guiados por uma pastorinha que, separando os jovens das ovelhas e colocando uns de um lado e os outros de outro, deteve-se junto de Dom Bosco e lhe disse: "Vês o quanto tens pela frente?". "Sim, estou vendo", respondeu Dom Bosco. "Pois bem, recorda-te do sonho que tiveste aos dez anos?". Em seguida, ela fez com que os jovens viessem para junto de Dom Bosco, dizendo a ele e a eles: "Eleva o teu olhar e elevai-o vós todos e lede o que está escrito". Um dos jovens leu: "Valparaíso", um outro "Santiago", outros "Pequim". Então, a pastorinha, que parecia ser a mestra dos jovens, disse: "Traça, agora, uma única linha de uma extremidade à outra, de Pequim a Santiago...". A pastorinha continuou falando a Dom Bosco, "…Vês aqui outros dez centros, desde o centro da África até Pequim. E também esses centros fornecerão missionários para todos esses outros lugares. Lá está Hong-Kong, ali Calcutá... Estes e mais outros terão casas, estudantados e noviciados"». [4]
Pois bem, vendo a multidão de jovens nos vários encontros que mantive com eles na Índia, eu me recordei das palavras dirigidas a Dom Bosco pelos jovens no sonho: "Nós te esperamos, te esperamos muito, mas finalmente estás aqui; estás entre nós e não nos fugirás!" e, com gratidão, as vi realizadas. O nosso trabalho na Ásia, especialmente na Ásia Sul, já foi então previsto por Dom Bosco, mostrado claramente a partir do céu a ele, pela pastorinha, como parte do futuro da Congregação, e o que vemos hoje é a realização daquele sonho.
Os bispos do Padroado de Mylapore ao sul da Índia foram, nas mãos de Deus, os instrumentos imediatos para levar os salesianos à Região. Desde 1896 D. Antonio de Souza Barroso pediu reiteradamente ao P. Rua que enviasse os salesianos a fim de trabalharem em sua diocese. O seu sucessor foi o bispo Teotônio Manuel Ribeiro Vieira de Castro, grande admirador de Dom Bosco. Em 1885, como jovem padre, ele estivera em Turim para encontrar-se com Dom Bosco e receber a sua bênção. Por isso, quando se tornou Bispo de Mylapore, demonstrou-se muito desejoso de ter os salesianos em sua diocese, e a partir de 1901 escrevia freqüentemente ao P. Rua, pedindo os salesianos. O P. Rua, enfim, anuiu em enviá-los, desde que sob certas condições (em sua maior parte, relativas às despesas, à residência e à manutenção). Um acordo formal foi preparado e assinado por D. Manuel de Castro e pelo P. Rua em Turim no dia 19 de dezembro de 1904. Concordou-se que os salesianos seriam enviados a Thanjavur, que então fazia parte da diocese de Mylapore, para assumirem um orfanato que já existente e uma escola profissional. Dessa forma, em 5 de janeiro de 1906, sob a guia do P. Jorge Tomatis, o primeiro grupo de cinco salesianos chegou à Índia.
Até o CG25, a Ásia Sul fazia parte da Região Ásia e, mais tarde, da Australásia. Considerando o crescimento constante dos salesianos e das obras nessa Região, o Capítulo Geral 25 subdividiu a Região em duas: Ásia Leste - Oceania e Ásia Sul. Hoje, a Ásia Sul compreende 9 Inspetorias mais a Visitadoria de Konkan na Índia, as Visitadorias de Mianmar e do Sri Lanka, e as comunidades e presenças das Ilhas Andaman (pertencentes à Inspetoria de Chennai), do Nepal (pertencentes à Inspetoria de Kolkata), do Iêmen (pertencentes à Inspetoria de Bangolore) e do Kuwait (pertencente à Inspetoria de Mumbai).
No início do século vinte, no momento da chegada dos salesianos, Índia, Birmâmia (hoje Mianmar) e Ceilão (hoje Sri Lanka) eram colônias inglesas, enquanto o Kuwait era um protetorado britânico. A Índia obteve sua independência em agosto de 1947, Mianmar em janeiro de 1948, o Sri Lanka em fevereiro de 1948 e o Kuwait em setembro de 1961. O Nepal era um país independente desde a segunda metade do século dezoito.
Situação política, social e religiosa da Região
Como a Região Ásia Sul é muito vasta e as nações que a compõem muito diversas em culturas e línguas, consideraremos os países separadamente.
Índia
A Índia, situada geograficamente na parte sul da Ásia, com seus limites estendidos do Mar da Arábia ao Golfo de Bengala, encontra-se entre Mianmar e Paquistão.
Originariamente, a Índia foi povoada pelos dravidianos, cuja civilização é uma das mais antigas do mundo, indo ao menos há 5.000 anos. Por volta de 1.500 a.C. alguns grupos de arianos invadiram o subcontinente indiano a partir do noroeste; sua fusão com os habitantes originários deu início à atual cultura clássica indiana.
Mais tarde, árabes, turcos e mercantes europeus fizeram regularmente incursões pelo território indiano; enfim, durante o século dezenove a Grã Bretanha assumiu o controle político de quase todo o território indiano. Uma prolongada resistência ao colonialismo inglês desembocou na independência de 1947.
Com a independência, o subcontinente foi dividido em dois: o estado secular da Índia e o estado muçulmano, menor, do Paquistão. A guerra de 1971 entre os dois países fez com que o leste do Paquistão se tornasse uma nação separada, chamada Bangladesh.
As sucessivas ondas de invasores estrangeiros deixaram uma marca indelével na cultura do subcontinente indiano. Do total da população, cerca de 72% são de origem indo-ariana e 25% são de origem dravidiana. Um número considerável da população é identificado como dalit. Estes entram no elenco de "scheduled castes" do governo indiano e podem ter acesso a alguns benefícios sociais. Há ainda várias tribos que pertencem à lista de "scheduled tribes".
A religião hindu (dharma) contempla quatro castas em ordem hierárquica: os brahmin (classe sacerdotal), os kshatriya (classe principesca), os vaishya (classe comercial) e os sudra (classe operária). Os membros dessas castas principais têm oprimido diversos grupos dos habitantes originários, reduzindo-os a uma classe de "fora de casta", os dalit, os párias. Durante e depois da luta pela independência, houve uma forte reação na Índia em relação a essa situação injusta, e hoje tanto o governo quanto a Igreja fazem muito pelo bem-estar dos "fora de casta". Mencionamos especificamente este grupo porque cerca de 70% dos cristãos na Índia pertencem aos dalit, e, em algumas de nossas Inspetorias indianas, eles são os principais destinatários e beneficiários do nosso apostolado.
Hoje, a Índia é a maior democracia no mundo, o segundo país mais populoso, com uma população que supera o bilhão (1.095.351.995), dos quais 80,5% são hindus, 13,4% muçulmanos, 2,3% cristãos. Há, no interior da nação, enormes desigualdades entre ricos e pobres. A taxa de alfabetização é de apenas 59,5%. A língua oficial é o hindi, enquanto o inglês goza de uma posição associada como língua nacional. Além dessas, existem outras 14 línguas oficiais, cada qual com sua própria escrita, e 200 outras línguas não oficiais, sem contar os milhares de dialetos. A Índia é, dessa forma, um verdadeiro mosaico de línguas, culturas e tradições que contribuem para sua desconcertante complexidade e para sua riqueza única.
Após as eleições parlamentares de maio de 2004 houve uma mudança de governo: do partido ultranacionalista de ideologia hindutva (isto é, exclusivamente hindu), passou-se a uma coalizão mais moderada de centro-esquerda, com o apoio externo do partido comunista. Os conflitos inter-religiosos (principalmente entre hindus e muçulmanos) explodem freqüentemente. A perseguição direta ou indireta dos cristãos também continua, com algum incidente violento de vez em quando. É preciso acenar aqui à promulgação em alguns estados de uma lei contra as conversões, que proíbe a assim chamada conversão "forçada" de uma religião a outra. O verdadeiro motivo da lei, porém, é impedir que o povo das castas inferiores e das tribos enunciadas se torne cristão. Muitas vezes os porta-vozes da Igreja têm esclarecido as coisas, ou seja, que a conversão, por sua natureza intrínseca, não é forçada e que não existem conversões forçadas na Igreja.
Em nível político, há um conflito desde longa data entre Índia e Paquistão sobre a questão da Caxemira, que por bem três vezes levou as duas nações à guerra, aos limites de uma guerra nuclear. Recentemente, porém, parece que há menos tensão e mais abertura ao diálogo e tem-se a impressão de que a situação está melhorando.
A globalização chegou à Índia de maneira notável mais ou menos no último decênio. O país está perto de se tornar uma superpotência econômica nos próximos decênios, com todos os males concomitantes, como o consumismo, o materialismo, o distanciamento sempre crescente entre os que possuem e os que não possuem. A população da Índia ainda é preponderantemente rural e agrícola, mesmo se no momento presente esteja sendo desenvolvida uma vasta gama de indústrias modernas e uma multiplicidade de serviços, que alimentam o crescimento econômico. A Índia tem condições de tirar vantagem do grande número de gente muito instruída e competente na língua inglesa, a ponto de ser um importante exportador de serviços e de habilidades em software. A enorme população em crescimento é, ao mesmo tempo, o seu principal recurso em termos de capital humano, junto aos seus prementes problemas sociais e econômicos, que se tornam ainda mais difíceis pelo sistema difuso das castas, especialmente nas zonas rurais.
As origens do cristianismo na Índia podem ser referidas a São Tomé Apóstolo em 52 d.C.; a Igreja siro-malabarense reivindica sua origem justamente a São Tomé. Um grande impulso foi dado com a chegada de São Francisco Xavier em 1542 e pela atividade missionária dos jesuítas. Depois de sua supressão em 1776, foram para a Índia os missionários estrangeiros de Paris (M.E.P.) que trabalharam muito pela evangelização. Uma parte do grupo jacobita (que séculos antes tinha deixado a Igreja Católica devido à excessiva política latinizante dos missionários portugueses) retornou à plena comunhão com a Igreja Católica Romana em 1930. Dessa forma, além da Igreja de rito latino, existem outras duas Igrejas Católicas em plena comunhão com Roma: a Igreja siro-malabarense e a Igreja siro-malankarense, que são governadas pelos respectivos arcebispos maiores; o arcebispo maior da Igreja siro-malabarense é também cardeal. Atualmente há na Índia três cardeais em atividade, um dos quais (o cardeal Ivan Dias, de Mumbai) foi recentemente nomeado Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos.
Os cristãos na Índia são mais de 24 milhões, correspondentes a 2,3% da população; entre eles, os católicos são 1,98% da população. Há 21.931 sacerdotes (12.207 diocesanos e 9.724 religiosos); as pessoas consagradas são 102.102 dos quais 12.802 são homens e 89.300 mulheres. [5] 68% do clero e dos religiosos provêem do sudeste do país, dos estados de Kerala, Tâmil Nadu, Mangalore e Goa. Algumas dioceses siro-malabarenses do Kerala têm um alto percentual de católicos (Palai, no Kerala, tem 50,64% de católicos), enquanto existem algumas dioceses no norte da Índia que têm menos de 0,02% de católicos.
A hierarquia católica foi erigida na Índia em 1886, a da Igreja siro-malabarense em 1923, e a da Igreja siro-malankarense em 1932. Além da Conferência Nacional dos Bispos (CBCI), há, desde 1987, outras três distintas conferências de bispos para os três ritos católicos (latino, siro-malabarense e siro-malankarense.
A comunidade cristã, e mais especificamente a comunidade católica, é uma força na Índia. Embora sendo uma minúscula minoria, os cristãos provêem a 20% da educação primária no país, a 10% dos programas de alfabetização e assistência sanitária comunitária, a 25% do cuidado com os órfãos e as viúvas, e a 30% do cuidado com os deficientes, leprosos e vítimas da AIDS.
O maior desafio que a Igreja da Índia deve enfrentar é o trabalho pelos mais pobres e oprimidos, com descortino e testemunho claro e evangélico, a promoção do diálogo ecumênico e inter-religioso entre os membros das várias religiões e seitas.
Sri Lanka
O Sri Lanka (chamado anteriormente de Ceilão) é uma ilha-nação tropical, a cerca de 31 quilômetros ao sul da Índia. Encontra-se no Oceano Índico em posição estratégica, na principal rota comercial marítima entre o Extremo Oriente e a África e a Europa.
O país tem uma história muito antiga: os especialistas atestam que houve colônias na ilha há pelo menos 130.000 anos. Um grande percentual da população de mais de 10 milhões