“Com a coragem de Dom Bosco nas novas fronteiras da Comunicação Social”
CARTAS DO REITOR-MOR - PASCUAL CHÁVEZ
NOVAS FRONTEIRAS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
COM A CORAGEM DE DOM BOSCO
NAS NOVAS FRONTEIRAS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
1. Aproximação histórica. Compromisso de fidelidade.
Valorização da nossa memória histórica. Uma
nova mentalidade. Uma conversão cultural. Urgência da formação
dos salesianos. Resposta organizativa e institucional. Novos estímulos
ao nosso caminho. 2. Desafios provenientes da comunicação
social.
Desenvolvimento tecnológico. Novidades midiáticas em nível
técnico e estrutural.
Características da nova cultura digital. Alguns desafios em perspectiva
educativa.
Alguns desafios em perspectiva institucional. 3. Orientações
operativas. 3.1 Mudança de estratégia. 3.2 Instrumentos
de trabalho. 3.2.1 Carta do padre Vecchi sobre a comunicação
social. 3.2.2 Sistema Salesiano de Comunicação social. 3.2.3
Orientações para a formação dos salesianos
em comunicação social. 4. Conclusão.
Roma, 24 de junho de 2005
Natividade de S. João Batista
Caríssimos Irmãos,
eu vos escrevo após a solenidade de Maria Auxiliadora, que vivi
em Valdocco, onde, juntamente com numerosos participantes, inaugurei,
antes com uma concelebração Eucarística, depois com
um ato cultural, os restauros da Basílica até então
realizados. Agora, na parte renovada, a Basílica resplandece de
luz e de cores. Muitos de nós nunca tínhamos podido ver
tanta beleza, que os anos haviam deteriorado na estrutura e na decoração.
Como já fiz durante as celebrações de Turim, esta
carta me oferece a oportunidade de agradecer a todas as inspetorias, à
Família Salesiana e às instituições civis,
assim como às comunidades, aos numerosos devotos e benfeitores,
que quiseram manifestar o amor a Maria com sua contribuição
econômica.
No período transcorrido após minha última carta circular,
tive numerosos compromissos; entre eles, de modo particular, algumas
Visitas de Conjunto. Vivemos, sobretudo, dois acontecimentos de alcance
mundial, que merecem um comentário: a doença, morte e funerais
de João Paulo II, e o conclave, a eleição, a inauguração
do pontificado de Bento XVI.
No testemunho que escrevi um dia antes da morte de João
Paulo II manifestei com reconhecimento e admiração alguns
traços
que, na minha opinião, fizeram do Papa Wojtyla uma das figuras
importantes do século XX e um dos pontífices maiores, a
ponto de
ser já chamado com o apelativo de “Magno”. Sua morte
despertou
um envolvimento de numerosas pessoas, que superou toda expectativa.
Não foi a mídia que produziu tal fenômeno, mas ela
o noticiou.
Uma autêntica multidão de homens e mulheres, de todas as
partes do mundo, de diversas confissões, classes sociais, idades,
encheu a Praça de São Pedro e as ruas adjacentes, numa prova
inimaginável de admiração, de gratidão, de
fé, de Igreja. A isso devem
acrescentar-se os milhões de pessoas que em todas as partes
do mundo se reuniram para as celebrações e acompanharam
os
vários acontecimentos através dos meios de comunicação.
É paradoxal ter sido a morte de João Paulo II que tornou
evidente
sua grandeza de homem, de crente, de pastor. O que disse aos jovens
no fim de sua vida – de acordo com o que afirma seu secretário
pessoal,
que lhe havia contado que a Praça de São Pedro estava repleta
de jovens – poderia ser válido para todos: “Fui encontrar-vos
em todas
as partes do mundo. Hoje vindes encontrar-me e vos agradeço”.
Parecia que a fragilidade física e a doença, que o privaram
da
palavra, mas não lhe dobraram a vontade férrea de cumprir
a missão
que Deus lhe havia confiado, o tornaram mais belo, mais atraente,
mais eloqüente. Lembro, a propósito, as palavras de Paulo
aos
Coríntios: “De fato, sabemos que, se a tenda em que moramos
neste
mundo for destruída, Deus nos dá outra morada no céu,
que não é
obra de mãos humanas, e que é eterna”; “Sim,
nós que moramos na
tenda do corpo estamos oprimidos e gememos, porque, na verdade,
não queremos ser despojados, mas sim sobrevestidos, de modo que
o que é mortal em nós seja absorvido pela vida” (2Cor
5,1-4).
Ora ele vive em plenitude junto de Deus. A nós não deixa
apenas uma memória, carregada de lembranças, mas um testamento
espiritual, o seu testemunho de amor até o fim ao Senhor Jesus,
à Igreja, ao homem. A nós e aos jovens em particular deixa
aquela mensagem, que tornamos programa de animação e governo
do sexênio: “Queridos salesianos, sede santos!”.
Nos dias da sede vacante, a Igreja intensificou sua oração.
Como
de costume, o Conclave despertou muitas expectativas. Isso é natural.
Mas esta vez a espera foi grande como nunca, também pela presença
maciça da mídia e sua influência através de
jornais, revistas,
redes de televisão, internet. A comunicação chegava
até a apontar o
programa, as prioridades e a agenda do novo Papa. Em clima de
oração e discernimento, os cardeais participantes elegeram
aquele
que Deus havia escolhido, o cardeal Josef Ratzinger, que escolheu o
nome programático de Bento XVI.
Suas primeiras intervenções, de modo particular a homilia
de inauguração do pontificado, fizeram-nos ver um Papa de
mente brilhante, com profunda formação humanista e vasta
preparação teológica e cultural, que prefere a essencialidade
à retórica, mas sobretudo revelaram o homem o crente. Não
admira, pois, que não tenha sentido “a necessidade de apresentar
um programa de governo” e que sua opção fundamental
tenha sido a de colocar-se “à escuta da palavra e da vontade
de Deus” e deixar-se guiar por Ele, “de modo que Ele próprio
guie a Igreja nesta hora da nossa história”.
[1] Todavia, explicando os sinais que caracterizam o ministério
petrino, o pálio e o anel, traçou com clareza os desafios:
“Conduzir os homens para fora do deserto – o deserto da pobreza,
da fome e da sede, do abandono, da solidão, do amor destruído,
da obscuridade de Deus, do esvaziamento das almas já sem consciência
da dignidade e do caminho do homem – para o lugar da vida, para
a amizade com
6 ATOS DO CONSELHO GERAL
o Filho de Deus, para Aquele que nos dá a vida, a vida em plenitude”;
e “Levar os homens, com a rede do Evangelho, para fora do mar
salgado de todas as alienações para a terra da vida, para
luz de Deus”.
É o ministério do pastor e do pescador. Se essa é
a tarefa que o Papa
se sente chamado a cumprir na Igreja, a todos lembrou o apelo de
João Paulo lI, dirigido há 26 anos: “Abri, antes escancarai
as portas
para Cristo!”; e acrescentou: “Quem faz entrar Cristo, não
perde nada,
nada, absolutamente nada do que torna a vida livre, bela e grande”.
Hoje, enquanto damos boas-vindas ao Papa Bento XVI, o acolhemos
com afeto e acompanhamos o seu ministério com a oração,
como faria Dom Bosco, e lhe prometemos fidelidade e colaboração.
Vamos agora ao tema desta carta circular: “Com a coragem
de Dom Bosco nas novas fronteiras da comunicação social”.
Alguém perguntará que tem a ver uma carta sobre a comunicação
social com as reflexões e estímulos que expus até
agora em minhas
cartas. Levaram-me a essa escolha várias razões. A primeira,
mais
substancial, reside no fato que a comunicação social (CS)
é um dos
campos prioritários da missão salesiana (cf. C 5). Ela é
de tal importância
que finalmente o último Capítulo Geral decidiu eleger um
conselheiro
geral somente para essa dimensão. O segundo motivo, mais
ocasional, é a ocorrência do 120º aniversário
da carta de Dom Bosco,
de 19 de março de 1885, sobre a “Difusão dos bons
livros”,
[2]
verdadeiro
manifesto da comunicação social para a Congregação.
A última
razão, mais programática, é a Carta Apostólica
de João Paulo II, O
rápido desenvolvimento, publicada em 24 de janeiro de 2005, para
lembrar o Decreto do Concílio Ecumênico Vaticano II Inter
Mirifica,
que havia sido promulgado por Paulo VI há mais de quarenta anos.
Pois bem, esse conjunto de fatores convenceu-me da oportunidade
de escrever sobre esse tema.
Partindo de quanto escrevi nas cartas anteriores, poderia ainda acrescentar:
pouco serviria uma santidade que não é testemunhada, visível
e legível. Seria quase inútil uma vida consagrada salesiana
que não consiga ser comunicada e proposta a outros. Mesmo o encontro
com o Cristo de Dom Bosco se tornaria irrelevante se essa experiência
não fosse conhecida, não se tornasse pública. Por
fim, a escuta de Deus é autêntica se se transforma em testemunho,
porque toda anunciação é portadora de uma vocação
a ser vivida e de uma missão a ser desenvolvida.
Lembrando a carta de Dom Bosco aos salesianos sobre a boa
imprensa, queremos trazer à mente e fazer ressoar no coração
o insistente
apelo com que o nosso Pai nos confia uma “parte importantíssima
da nossa missão”, “um dos fins principais da nossa
Congregação”, “um entre os principais empreendimentos”
que lhe
confiou a Divina Providência, um dos meios melhores, antes, um meio
“divino” para tornar frutuoso o nosso ministério.
Nesse autêntico “testamento” ditado pelo seu espírito
pastoral,
Dom Bosco quer despertar a nossa consciência quanto à
irrenunciabilidade do empenho da comunicação social para
o cumprimento
da missão salesiana. A linguagem que ele usa não deixa possibilidade
a dúvidas e a interpretações redutivas. Fala-nos
de “parte
importantíssima”, de “fim principal”, de “importante
empreendimento”.
O aspecto mais surpreendente, todavia, é justamente a clareza
da sua compreensão do alcance da comunicação social
nos processos
de renovação do seu tempo e a sua opção genial
de estar dentro
desse processo inovador. Desse modo, ele pode dar alimento cultural
aos jovens e às classes populares, que mais que os outros correm
o risco de serem arrastados pelo novo. Fazer obra cultural, oferecer
instrumentos válidos de conhecimento e de formação,
proporcionar
ocasiões de descanso, são ao mesmo tempo modos para realizar
uma educação eficaz e evangelização e para
envolver os próprios
jovens como apóstolos na difusão dos bons livros.
1. APROXIMAÇÃO HISTÓRICA COMPROMISSO DE FIDELIDADE
Considerando o espírito do que escreve, a paixão pela salvação
dos jovens, que sempre o impulsionou, Dom Bosco, há 120 anos, não
nos confiou apenas a “difusão dos bons livros”. Chamounos
a uma “fidelidade” que devemos saber interpretar e tornar
“coordenada” e “completa em todas as suas partes”,
no nosso tempo e em qualquer contexto, para a realização
eficaz da missão salesiana.
Não podemos educar, não podemos cooperar com a realização
do
Reino de Deus sem um compromisso sério com a difusão da
cultura
cristãmente inspirada entre os jovens e o povo. É preciso
encontrar maneiras eficazes para semear e levedar “um pensamento
de Deus” entre os que são agredidos pela “impiedade
e heresia”.
A genialidade do seu compromisso com a imprensa é expressa
pela estratégia de formar “um sistema ordenado” com
as publicações.
Para Dom Bosco isso significa não descuidar ninguém e nenhum
aspecto da vida: atrair à virtude com leituras edificantes, instilar
o espírito de piedade, preservar do erro, acompanhar nas horas
serenas, fazer dos meninos salvadores de outros meninos.
Na carta encontramos expostas com bastante precisão as opções
operativas feitas por Dom Bosco no campo da imprensa, e sabemos
quanta questão fazia de estar, nesse campo, “sempre na
vanguarda do progresso”. A nós nos pede que nos empenhemos
em
“coordenar” este seu projeto para que se torne “completo
em todas
as suas partes”. Trata-se de uma tarefa empenhativa, que devemos
ser capazes de interpretar com genialidade e de tornar eficaz, segundo
as exigências dos tempos e dos lugares em que atuamos.
Isso é o que a Congregação procurou fazer na fidelidade
ao
nosso Pai, e é o que também nós hoje somos chamados
a realizar
com capacidade criativa e eficácia operativa, justamente à
luz da
circular de 1885 que sempre orientou a ação educativa e
pastoral
salesiana e que foi definida pelo CGE a “magna charta da ação
salesiana neste setor” (n. 450).
Em alguns momentos, a nossa atitude foi especialmente defensiva; procurou-se
proteger do dano que podiam causar os meios de comunicação;
era mais uma luta contra tais meios do que um empenho por sua valorização.
Isso, todavia, não impediu que reitores- mores de grande visão
e coragem criassem editoras que permitiram dar continuidade à obra
de Dom Bosco: basta pensar na fundação da SEI pelo padre
Rinaldi e da LDC pelo padre Ricaldone. A preocupação deles
não foi somente a de criar editoras, mas também de “preparar
escritores, formar técnicos, aperfeiçoar e multiplicar as
nossas tipografias e livrarias”; e isso aconteceu em toda a Congregação,
não apenas na Itália.
VALORIZAÇÃO DA NOSSA MEMÓRIA HISTÓRICA
A primavera conciliar e os estímulos do decreto Inter Mirifica,
aprovado em 4 de dezembro de 1963, levaram a refletir no Capítulo
Geral 19, de 1965 sobre os instrumentos de comunicação
social, sua importância no nosso apostolado, seu uso e funcionamento.
Viu-se também a necessidade de preparar salesianos e
leigos especializados, para poder valorizar da melhor maneira as
produções nesse campo, para realizar uma pastoral juvenil
e popular
mais eficaz, para poder colaborar com instituições, associações
ou entidades de comunicação social (cf. CG19, n. 171). No
Capítulo Geral 19, de 1965, quarenta anos faz, mostrou-se evidente
a não plena consciência do empenho que o uso de tais meios
comportava e evidenciou-se sobretudo a falta de pessoal
qualificado. Na esteira do decreto conciliar deu-se, pois, uma dupla
tomada de consciência da importância enorme dos instrumentos
de comunicação social e a necessidade de pessoas qualificadas
para a sua valorização em nível educativo e pastoral.
A partir de
então percorreu-se muito caminho, muito embora, algumas vezes,
as declarações tenham sido mais audazes que as realizações.
À luz das novas indicações eclesiais da Communio
et Progressio que apresentam uma visão positiva da nova era dos
meios, o Capítulo Geral Especial 20, de 1971-72, destaca a importância
do extraordinário fenômeno dos instrumentos de comunicação
social e evidencia sua grande incidência na história e na
vida do homem. Para evitar que se sucumbisse diante do domínio
enorme que exercem sobre as pessoas, o Capítulo pede que se faça
um trabalho significativo em nível cultural e educativo. É
mister ajudar os jovens a serem conscientes e a livrar-se dos condicionamentos,
para que sejam capazes de opções livres e responsáveis.
Trata-se de percorrer um caminho com os jovens para que amadureçam
opções, desenvolvendo, também em referência
aos instrumentos de comunicação social, talentos individuais
(CGE20, n. 458).
A nova perspectiva de interpretação e compreensão,
a reflexão
atenta sobre o ensinamento eclesial, a experiência e as recomendações
de Dom Bosco na circular de 1885 estão na base das
orientações presentes nas Constituições renovadas,
que chegam à
sua definitiva aprovação no Capítulo Geral 22, de
1984. Segundo
o novo texto constitucional, a comunicação social se torna
um caminho
privilegiado para a nossa missão de “educadores da fé
em
ambientes populares” (C 6). Também o artigo 43, retomando
a reflexão
aprofundada no CG21, aponta a comunicação social como
“campo de ação significativo que se coloca entre as
prioridades
apostólicas da missão salesiana”.
O Capítulo Geral 21, de 1978, já tinha reconhecido e ressaltado
o alcance da comunicação social (n. 148). Nas Constituições
renovadas, inspiradas também na reflexão eclesial da Evangelii
Nuntiandi (n. 45), se reafirma de maneira eficaz e fiel o angustiado apelo
de Dom Bosco e se confia à Congregação “um
campo de ação” de extraordinária eficácia,
a serviço da educação e da evangelização.
Ela já não é apenas “veículo”
ou “conjunto de instrumentos”, não é somente
atividade apostólica particular ou parte dela, mas também
“estrada real que se deve percorrer para realizar com plenitude
a nossa missão de educadores- pastores-comunicadores”. [3]
Il Progetto di Vita dei Salesiani di Don Bosco – Guida alla lettura
delle Costituzioni, Roma, 1986, p. 363. O Capítulo Geral Especial
20, de 1971, 72.
Nesse percurso realizado pela Congregação rumo à
reafirmação de quanto o nosso pai Dom Bosco tinha profeticamente
preanunciado e realizado, não podemos esquecer dois documentos
que contribuíram notavelmente para enriquecer de atenção
e de realizações positivas o caminho: trata-se dos dois
escritos, do padre Viganó e do padre Vecchi, sobre a comunicação
social.
Já o Reitor-Mor padre Luís Ricceri, por ocasião do
centenário
de fundação do Boletim Salesiano, em 1977, havia escrito
uma
carta sobre o significado e a importância da informação
salesiana:
“As notícias de família”. Nela lembrava a necessidade
do empenho
no campo da informação e em tudo o que se refere à
comunicação
social. O cuidado com a comunicação das notícias
de família serve
para cultivar o sentido de pertença, para “sentir a alegria
de ser
filhos de Bosco” e para tornar conhecidas as coisas que se fazem
para criar uma imagem positiva e aumentar, como dizia Dom Bosco,
o número dos benfeitores da humanidade. Mas são sobretudo
a
carta do padre Viganó e a do padre Vecchi sobre a comunicação
social que deram estímulo, profundidade e organicidade à
reflexão
e às realizações nesse campo. Entrementes, também
o CG23 e o
CG24 davam a tal propósito notável contribuição.
UMA NOVA MENTALIDADE
A carta do padre Egídio Viganó, de 1981, “A comunicação
social nos interpela”,
[4]
interpreta o significado da longa reflexão
do CG21 e apresenta fortes provocações à ação
dos salesianos no
campo da comunicação social. O Padre Viganó convida
os salesianos
a uma mudança de mentalidade em relação à
comunicação social.
Não podemos avaliá-la sem mergulhar na nova realidade; não
podemos
considerá-la somente algo de que nos defender. É preciso
4 Publicada nos ACS n. 302, 1º de outubro de 1981.
conhecê-la e sobretudo valorizá-la. Devemos tornar-nos sempre
mais conscientes dela. É mister reconhecer a comunicação
social como presença educativa de massa, plasmadora de mentalidade
e criadora de cultura. A nossa missão educativa e evangelizadora
radica- se necessariamente na área cultural. Portanto devemos estar
atentos aos dinamismos da atual transformação cultural,
para ser capazes de uma presença significativa que nos permita
difundir nossos modelos e valores.
O Capítulo Geral 23, de 1990, demonstra plena consciência
das novas condições sociais e culturais, em que as comunidades
salesianas estão a desenvolver sua missão. Entrados num
mundo em
que as distâncias se anulam pela facilidade dos transportes e das
comunicações,
em que se difundem e se fundam tendências culturais e
modalidades de vida, devemos encontrar capacidade de atenção
aos
diversos contextos, trata-se de captar os problemas e de sabê-los
assumir para solidarizar-se com a condição juvenil (CG23
n. 17).
Sobre os jovens, em particular, influem notavelmente as linguagens e
os modelos de vida propostos pela comunicação social. Eles
se movem
com naturalidade no uso de tais instrumentos, mesmo que tal uso
seja marcado por ambigüidades (CG23 n. 63).
Para acompanhar os jovens no crescimento e no caminho da fé,
para entrar em sintonia com eles, é preciso encontrar modalidades
novas e eficazes de comunicação. Como Dom Bosco, devemos
ser
capazes de “empreendimentos apostólicos originais para defender
e
sustentar a fé” (C 43; CG23 n. 256). A partir de tais situações
e
exigências, o Capítulo evidencia a necessidade de um novo
empenho
em valorizar a comunicação social para a educação
dos jovens na fé.
É preciso diferenciar as intervenções: em nível
local é preciso cuidar a
capacidade de utilizar a CS por parte das comunidades; em nível
inspetorial é necessário um encarregado para a CS a fim
de acompanhar
as comunidades. Em nível central é importante a animação
do
conselheiro para a CS para a formação dos salesianos e o
encaminhamento
de projeto capazes de responder às exigências atuais.
UMA CONVERSÃO CULTURAL
O destaque e a insistência quanto à importância da
comunicação no Capítulo Geral 24, de 1996, estão
certamente ligados à nova perspectiva da partilha carismática
entre salesianos e leigos. O envolvimento dos leigos no espírito
e na missão de Dom Bosco requer particular empenho na comunicação
para amadurecer capacidade de relações, uma presença
ativa em meio aos jovens, atitudes culturais e espirituais indispensáveis
para uma comunicação eficaz. Não se trata, todavia,
apenas de uma reflexão funcional. Está presente a consciência
da situação cultural e social em profunda mudança
e da própria novidade e incidência dos meios de comunicação:
nesse campo, os leigos podem dar uma notável contribuição.
Para a plena valorização da comunicação social
indicam-se iniciativas
nos vários níveis que juntam as exigências da formação,
da
organização e do uso dos meios de comunicação
social. Insiste-se
de modo particular em que cada inspetoria, acompanhada do conselheiro
geral para a CS, crie um plano de comunicação social. O
próprio Reitor-Mor juntamente com o seu Conselho é convidado
a
estudar “um plano operativo de valorização, promoção
e coordenação
da comunicação social, campo significativo de ação
que está
entre as prioridades apostólicas da missão salesiana (C
43)”.
[5]
A uma verdadeira conversão cultural convida a carta do Reitor-
Mor padre Juan E. Vecchi, de 8 de dezembro de 1999: “A comunicação
na missão salesiana”.
[6]
A CS é invasiva. Ela conota
toda
a presença salesiana, devemos saber assumir novos pontos de vista,
prestando atenção sobretudo “à capacidade comunicativa
e
envolvente do contexto sobre os valores típicos da missão
e da
espiritualidade salesiana” (p. 16). O espaço oferecido pelas
técnicas
modernas de comunicação deve encontrar-nos prontos a inserir-
nos nelas e a apreciar quanto nos permitem em nível de informação
instantânea em todo o mundo.
O padre Vecchi convida a considerar que novos pontos de vista podem enriquecer
o nosso empenho pela comunicação social, mediante a colaboração
leiga e a atenção ao território. Com efeito, a colaboração
com os leigos estimula uma integração de vistas e de experiências,
que resultam eficazes à medida que são fruto de verdadeira
reciprocidade e sinergia. A atenção ao território
pede ainda capacidade de comunicação fora da comunidade
religiosa e dos colaboradores; estimula a perguntar-nos como qualificar
a presença salesiana no território em nível de atenção
aos jovens e aos marginalizados. Interroga-nos sobre como tornar a comunidade
educativa pastoral uma presença significativa, capaz de envolver
e de irradiar sensibilidades novas.
URGÊNCIA DA FORMAÇÃO DOS SALESIANOS
Essa progressiva compreensão do alcance e do significado da
comunicação social tem feito também tomar consciênci
a da necessidade
de uma adequada formação por parte dos salesianos.
O documento do CG21, após a precisão iluminadora da importância
e da valorização da CS, apresenta de maneira severa a leitura
da situação da formação dos salesianos, falando
do diletantismo e
pioneirismo de cada indivíduo e da “preocupante escassez
de pessoas
e grupos de salesianos capazes de elaborar, mediante as novas
linguagens da CS, os conteúdos e as mensagens de uma evangelização
adaptada ao homem do nosso tempo. Faltam ou são absolutamente
insuficientes os grupos de reflexão, de pesquisa, de experimentação
e
de elaboração fundados em sérias bases científicas”
(CG21 n. 151).
Sobre a necessidade de formação, estudos, pesquisa e programação
orgânica para dar um mínimo de competência aos irmãos,
insiste também o padre Viganó na sua carta. Nesse campo
específico da formação, a Congregação
fez opções empenhativas como na atual Faculdade de Ciências
da Comunicação Social da UPS. Criaram-se estruturas de animação
em nível central e inspetorial; realizaram-se estruturas de animação
em nível central e inspetorial; multiplicaram se as iniciativas;
providenciaram-se novos instrumentos e canais de comunicação.
Mas não somos ainda capazes de construir um novo areópago
nos contextos concretos da nossa vida e da nossa ação.
Devemos ainda encontrar a maneira eficaz de confrontar-nos e
de entrar na nova cultura, de conseguir integrar o nosso pensar e agir
nas linguagens e estilos de comunicação, de ajudar a amadurecer
uma
mentalidade crítica e criativa em relação a mensagens,
linguagens,
atitudes, comportamentos etc.
Na sua carta, o padre Vecchi, como antes o padre Viganó, ressalta
a necessidade de um caminho formativo adequado; se as nossas
competências não evoluem com a mudança, cedo ou tarde
ficaremos
de fora. Exige-se, pois:
• uma formação de base: trata-se de aprender a ler
e a avaliar
o que todos usamos habitualmente, isto é, de formar-se para saber
usar bem os novos meios e estar capacitados a formar criticamente;
• um segundo nível de formação para os animadores
e operadores
educativos e pastorais: eles devem ser capazes de integrar
nas opções educativas e pastorais os critérios da
comunicação
social; não é somente uso de meios e capacidade de uso;
trata-se
de uma obra de inculturação, de educação e
pastoral na nova cultura
dos meios de comunicação (ACG 370, p. 34);
• um terceiro nível de formação para os especialistas:
é preciso
prepar irmãos no campo da CS, com um convite formal a valorizar
a nossa faculdade universitária.
Justamente na perspeciva de uma adequada formação, o padre
Vecchi oferece também orientações práticas
muito significativas e
iluminadoras em nível de comunidade (p. 29-37) e em nível
de inspetoria
(p. 37-43).
RESPOSTA ORGANIZATIVA E INSTITUCIONAL Essas opções para
a comunicação social feitas pelos Capítulos Gerais
ou pelos reitores-mores certamente não se reduziram à reflexão
ou às declarações de intenções, talvez
com realizações operativas, mas se concretizaram numa resposta
sempre mais orgânica e institucional.
Assim, no CG23, de 1984, formou-se o Dicastério da Comunicação
Social e o setor foi confiado a um membro do Conselho Geral.
Além disso, em 8 de dezembro de 1989, iniciou-se o Instituto de
Comunicação Social na nossa Universidade Pontifícia
Salesiana, como
empenho ligado ao centenário da morte de Dom Bosco e como
atualização do carisma do nosso querido Pai, que foi um
grande educador
e comunicador. No discurso de inauguração, o padre Egídio
Viganó ressaltava: “Estamos convencidos de que com a criação
do
ISCOS – que se soma a outras instituições católicas
já beneméritas
ou nascentes – estamos fazendo algo importante, ainda que humilde,
para a evangelização e a educação dos jovens
e do povo: ajudar a
fazer crescer a capacidade de comunicar com modernidade, de dialogar
eficazmente com o homem de hoje”.
[7]
Dessa nova fundação, a Congregação espera
a formação em
alto nível dos educadores e dos comunicadores da Família
Salesiana
e a pesquisa corajosa e abrangente no campo da comunicação
social,
com atenção à teologia e pastoral da própria
comunicação social,
ao estudo das teorias sociais dos meios, às novas linguagens da
catequese e da comunicação religiosa, à produção
de programas religiosos
e educativos.
Hoje o ISCOS tornou-se uma faculdade; isto implica o empenho
da Congregação e da Família Salesiana de preparar
um pessoal
adequado à nova tarefa. É evidente que o apoio a uma faculdade
de
tamanha relevância requer a colaboração e a co-responsabilidade
de
toda a Congregação, à qual faço aqui um apelo.
No CG23 indicou-se a necessidade de um delegado inspetorial da comunicação
social e no CG24 se ressaltou a exigência de um plano inspetorial
de comunicação social, juntamente com a de reforçar
a animação inspetorial com a ação atenta do
delegado. Essas duas orientações foram bem aplicadas, com
sucesso, em algumas inspetoria. Noutras, ao invés, é matéria
pendente.
Considerando a importância crescente do setor da comunicação
no contexto da atividade da Congregação Salesiana, no espírito
dos já citados artigos 6 e 43 das Constituições,
o nosso recente
CG25 decidiu ter um conselheiro geral dedicado exclusivamente à
Comunicação Social. Após o Capítulo, no Projeto
de animação e
governo do Reitor-Mor e do seu Conselho, foi dada uma atenção
pontual a este setor, indicando objetivos, processos e intervenções
em quatro áreas: a visão de conjunto, a animação
e formação, a
informação e as empresas.
NOVOS ESTÍMULOS AO NOSSO CAMINHO
O apelo à “nova mentalidade” e à “conversão
cultural” a que nos convidaram os anteriores reitores-mores, veio-nos
ultimamente do Santo Padre João Paulo II, o qual na já citada
Carta Apostólica de 24 de janeiro de 2005, O rápido desenvolvimento,
destacou que o empenho da Igreja hoje não consiste apenas em usar
a mídia, mas exige que “se integre a mensagem salvífica
na ‘nova cultura’ que os poderosos instrumentos da comunicação
criam e amplificam” ( n. 20).
Isto significa naturalmente que o uso das técnicas e tecnologias
atuais da comunicação social faz parte da missão
da Igreja; nesta
nossa era, tal uso diz respeito a diversos campos de ação:
a informação
religiosa, a evangelização, a catequese, a formação
dos operadores
do setor, a educação.
Estamos todavia conscientes de que hoje a comunicação social
não se reduz ao uso da mídia; com efeito, ela se tornou
uma poderosíssima agência que propõe e veicula formas
de vida e comportamento pessoal, familiar e social. Por isso não
podemos ignorar – diz-nos o Papa – que “tal cultura,
antes ainda dos conteúdos, nasce do próprio fato que existem
novos modos de comunicar com técnicas e linguagens inéditas”
(n. 2). Na nossa “época de comunicação global”
a existência humana é chamada a confrontar-se com os “processos
midiáticos”. Desse confronto nascem convergências para
a “formação da personalidade e da consciência,
a interpretação e a estruturação dos laços
afetivos, a articulação das fases educativas e formativas,
a elaboração e a difusão de fenômenos culturais,
o desenvolvimento da vida social, política e econômica”
(n. 3).
Tudo isso representa um verdadeiro desafio, sobretudo para os
que têm responsabilidades formativas em relação a
meninos e jovens
(n. 7). Também por isso devemos advertir a nossa responsabilidade
no campo da comunicação social, realizar uma “revisão
pastoral e
cultural a fim de estar capacitados a enfrentar de maneira adequada a
passagem epocal que estamos vivendo” (n. 8).
Para estar capacitados a assumir a responsabilidade na atual cultura
midiática, o Papa nos convida a uma “vasta obra formativa
para fazer com que os meios de comunicação sejam conhecidos
e
usados de maneira consciente e apropriada” (n. 11); uma “participação
co-responsável na sua gestão”, fazendo um apelo a
uma “cultura
da co-responsabilidade” (n. 11); a valorizar “as grandes potencialidades
que a mídia tem em favorecer o diálogo, tornando-se veículos
de conhecimento
recíproco, solidariedade e paz” (n. 11).
Também esse documento eclesial, como aconteceu nos decênios
anteriores, é para nós um estímulo a colher o novo
do nosso tempo e fazer opções com a força e o espírito
de Dom Bosco hoje.
2. DESAFIOS PROVENIENTES DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Querendo viver na fidelidade a Dom Bosco e ao seu carisma e assumir o
último apelo de João Paulo II sobre a comunicação
social, que apareceu na Carta Apostólica O rápido desenvolvimento,
gostaria de partilhar convosco os desafios que a cultura midiática
nos apresenta hoje. Dessa forma poderemos depois definir melhor quais
orientações operativas tomar, em vista da realização
da nossa missão salesiana.
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
[8] Olhando para a comunicação
como para um sistema complexo, pode-se dizer que o nascimento de uma nova
tecnologia não acontece nunca independentemente do contexto social,
no qual os fatores políticos, econômicos e culturais desenvolvem
um papel determinante. É igualmente verdade, porém, que
quando uma nova tecnologia entra a fazer parte do uso social, ela fornece
uma nova linguagem de interpretação da vida. Neste sentido,
os vários meios de comunicação ajudam a interpretar
de forma nova a existência humana e ao mesmo tempo revelam a compreensão
que o homem tem de si mesmo e do mundo.
Por exemplo, o livro deu origem e impulso à individualidade,
privilegiando a aproximação lógico-linear e enfatizando
a
racionalidade. Dentro do texto escrito podemos mover-nos para a
frente e para trás; todavia, a organização expositiva
é seqüencial e
pressupõe uma concatenação entre o que vem antes
e o que vem
depois. O poder da escrita confere ao texto escrito o primado da
precisão na transmissão de conteúdos literários,
poéticos, filosóficos,
teológicos, políticos. Isso não é facilmente
substituível pela pura
linguagem visual.
A televisão prefere a repetição à analise,
os mitos aos fatos.
Ela visa à espetacularização, desempenha, pois, o
papel de bumbo,
a fim de atrair a atenção de muitos na grande praça
televisiva, onde
se pede mais o consenso coral que o pessoal. É a tagarelice e a
mudança de imagem que produzem o perene encanto. A sincronização
do uso gera grupos de partilha das emoções; os jovens se
encontram,
discutem seus programas preferidos, repetem frases e
maneiras de dizer; os adultos trocam opiniões em relação
à pertença
a um programa ou a outro. A força da televisão está
na magia do
ver a imagem e o movimento; por mais habituados que se esteja a
ela, a caixinha mágica encanta a todos.
Há outras tecnologias correlatas à televisão, que
desenvolveram
um processo de interatividade sempre maior e independente,
introduzindo modalidades operativas que se poderiam agrupar sob
a palavra controle.
O videocassete, por exemplo, deu ao usuário a possibilidade
de mudar o tempo e o lugar de fruição de um programa e,
além
disso, favoreceu a difusão de material de vídeo em contextos
diversos
do lugar de produção.
O controle remoto desenvolveu o estilo do zapping, que não
é simplesmente o passear de um canal a outro, mas pode tornar-se
uma montagem ao vivo de pedaços de programas e muitas vezes é
uma escapatória à invasão publicitária.
A câmara de vídeo, da já ultrapassada VHS à
atual digital, transformou
o usuário em pequeno produtor de cenas da vida cotidiana.
O computador juntou em si as várias linguagens dos meios
clássicos de comunicação: escrita, imagem, som, animação,
vídeo,
gráfica etc., dando origem a uma forma de comunicação
que desenvolveu
os conceitos de multimidialidade, interatividade, interface,
não linearidade, navegação, hipertexto, acesso etc.
Hoje, com uma
despesa moderada um usuário pode montar uma estação
de composição
de vídeo ou áudio, tornando-se ele próprio um produtor.
Internet, definida também como a rede das redes, é a metáfora
da nova comunicação. Internet, como o telefone, aniquilou
o espaço e o tempo; mas enquanto pelo telefone passa somente a
voz, na internet estruturou-se uma nova maneira de viver e pensar. Não
linear, bidirecional, ilimitada, interativa, mutante, flutuante, a rede
é um lugar, uma linguagem um modo de ser e de pensar a comunicação,
que desperta notável interesse e preocupação.
Através da rede, centenas de milhões de usuários
trocam cotidianamente todo gênero de mensagens, têm acesso
a documentos, participam de grupos de bate-papo, encontram-se através
de conferências eletrônicas, discutem qualquer tipo de argumento.
Cada vez mais a internet se torna um espaço para a própria
promoção pessoal, de grupo, empresarial ou institucional.
[9]
Com internet tornaram-se virtuais todas as atividades humanas, mas sobretudo
se iniciou um processo de descentralização do poder e controle
comunicativo, como nunca havia acontecido na história. No lado
positivo pode-se olhar a internet como a grande ocasião de crescimento
intelectual da humanidade. Se não prevalecerem totalmente as razões
econômicas, a rede é como um fluxo de saber no qual, com
opções políticas e econômicas, todos poderão
haurir.
Dois especialistas do tema[10]
afirmam que se quiser compreender a realidade virtual é importante
compreender como nós percebemos a realidade cotidiana que nos cerca.
A realidade virtual é um modo para visualizar, manipular e interagir
com o computador e com informações extremamente complexas.
O método que se interessa pela interação entre máquina
e homem
chama-se comumente interface.
A realidade virtual não é senão o método mais
novo numa longa cadeia de interfaces. Ela em certo sentido quereria tornar
invisível o computador, transformando a complexidade dos dados
em representações tridimensionais com as quais se possa
interagir, para dar espaço maior à liberdade e criatividade
do usuário. Isso não quer dizer que a liberdade e a criatividade
do usuário sejam garantidas ou acrescidas pela realidade virtual.
Pode-se dizer que ela é de maneira indireta o reconhecimento da
complexidade com a qual o homem interage e age num ambiente, para conhecer,
comunicar e representar- se a si mesmo e o mundo. O serviço maior
que a realidade virtual pode dar à cultura de hoje talvez seja
a recuperação da realidade.
NOVIDADES MIDIÁTICAS EM NÍVEL TÉCNICO E ESTRUTURAL
O rádio e a televisão tinham introduzido o modelo cultural
do consumismo de massa. A digitalização leva a uma forma
de consumismo pessoal e, segundo alguns, também a uma verdadeira
cultura digital.
A tal propósito convém evidenciar algumas transições
de tipo técnico
e estrutural, que a difusão da digitalização favoreceu.
1. Do um-muitos ao muitos-muitos. O fluxo da transmissão
dos meios e comunicação era do tipo um-muitos, unidirecional,
intransitivo e tendencialmente receptivo, se não passivo. O dos
meios
de comunicação digitalizados é, ao invés,
do tipo muitos-muitos,
um-um, todos-todos. O fluxo é transitivo, interativo, bidirecional,
antes reticular. É possível a reciprocidade e o intercâmbio
e podese
receber e ao mesmo tempo dar novamente.
2. Da centralização à descentralização.
Europa e Estados Unidos tiveram dois desenvolvimentos diversos no que
tange aos meios de comunicação, em particular rádio
e televisão. A Europa tem uma história de monopólios
de estado, ao passo que os Estados Unidos tiveram logo o monopólio
do mercado. Todavia, a partir dos anos setentas nasceram na Europa as
emissoras de rádio e televisão independentes; no correr
de poucos anos multiplicaram-se as vozes e as imagens do éter,
com uma progressiva passagem de uma cultura midiática controlada
e gerida por poucos a uma cultura controlada e gerida por muitos. Verificou-se
um caminho progressivo para formas comunicativas mais pluralistas e participativas.
Com o advento da digitalização, a descentralização
é o status vivendi da forma comunicativa.
Em nível radiofônico, por exemplo, é possível
hoje ouvir na
rede centenas de rádios de todas as partes do mundo.
3. Da comunicação local à internacional. A substituição
progressiva
das antigas antenas pelas parabólicas é índice de
uma ampliação
da oferta de propostas em nível televisivo, que supera os
confins nacionais e culturais. A digitalização através
da rede não faz
outra coisa que não amplificar essa tendência à globalização.
4. Dos mass media aos personal media. A construção de mídia
de pequenas dimensões e a progressiva diminuição
dos preços ampliaram
a possibilidade de uso dos personal media. Computador
pessoal, celular, palmtop, cartão de crédito, carteira de
identidade
viajam todos em ritmo de bit e garantem um controle contínuo e
pessoal
sobre nossas escolhas e ações. O reverso da medalha é
que a
digitalização permite também o controle por parte
de poderes ocultos,
como os serviços secretos, ou por parte os grandes centros comerciais
para destacar o perfil da clientela. Como conseqüência, a
digitalização exige que se tenha sempre desperta a consciência
do
direito à privacidade dos cidadãos e da defesa da democracia.
5. Da programação de massa à programação
pessoal. A multiplicação
das ofertas e dos canais midiáticos, de modo particular
na internet, está desenvolvendo novos estilos de consumo e novos
hábitos culturais. A rede testemunha um novo modo de trocar informações
e de tratar objetos culturais como a música e os filmes. Isso
cria não poucos problemas em nível jurídico e moral.
Nessa vertente
abriu-se há tempo o grande debate cobre a cifração
das linguagens,
a defesa dos direitos autorais, a propriedade cultural, a
privacidade do usuário.
6. Do software proprietário ao open source. A respeito do software
existem duas concepções diversas. A visão da “fonte
fechada”, ou seja, do software proprietário, baseia-se em
critérios predominantemente empresariais e econômicos, reivindica
a profissionalidade e a marca de garantia, garante aos usuários
a facilidade do uso. A visão da “fonte aberta”, dita
também open source, afirma que o código do software deve
ser conhecido para deixar a liberdade ao usuário não somente
de usá-lo e adaptá-lo às suas exigências, mas
também de melhorá-lo, pondo à disposição
dos outros a própria contribuição. A visão
de um saber partilhado é benéfica para todos. A superação
da “diversidade digital” entre norte e sul do mundo passa
também através da escolha de uma tecnologia que permita
o acesso à informação como direito de todos e não
somente dos que têm a possibilidade de desfrutá-lo. A “fonte
aberta” é um modo de caminhar para uma democratização
da informação e da cultura.
CARACTERÍSTICAS DA NOVA CULTURA DIGITAL
O uso dos novos meios de comunicação fez emergir uma cultura
que apresenta algumas características que merecem atenção,
porque indicam tarefas para a educação e a formação.
1. Vivemos numa cultura da velocidade. A comunicação viaja
muito velozmente. Basta pensar no correio eletrônico. Mesmo quando
paradoxalmente dizemos que a internet é lenta, ele viaja com
uma rapidez até pouco tempo faz impensável. A magia de uma
tecnologia como a internet consiste no sentir mediante simples movimentos
o prolongamento do nosso corpo ao redor do mundo.
Clico um endereço e me encontro no Vaticano, clico outro endereço
e descarrego atualizações para um programa ou documentos.
Tudo acontece instantaneamente. A velocidade é uma característica
que se integrou com muitas outras realidades: automóveis, aviões,
esporte, medicina, economia etc. Há também problemas ligados
à velocidade. Sobretudo para os que não conseguem andar
veloz mente cria-se a marginalização. Hoje, categorias como
idosos, deficientes, pobres, ou os que não se inserem no modelo
social dominante, são marginalizados.
2. Em segundo lugar, o método da interface está criando
novas
atitudes e mentalidades. A interface é o meio de interação
entre
homem e máquina. O desenvolvimento da interface pôs em relevo
a
necessidade por parte da pessoa de agir. Essa atitude é depois
reproduzida também em âmbito social. Cada um, hoje, quer
ser
sujeito ativo da própria vida e da vida social. A interface se
torna,
pois, metáfora dos ambientes, do design, da educação,
da vida
social etc. Ligado ao conceito de interface há o de modelo comunicativo.
É preciso dizer que ainda vivemos dentro de modelos
pseudodemocráticos, nos quais se oferece a ilusão de participação.
Na realidade, o cidadão hoje tem uma capacidade prevalente de
consumo. Somos livres para decidir o que queremos comprar, mas
temos muito menos poder ao decidir o que se deve produzir.
3. Em terceiro lugar, a nova cultura apresenta uma visão
polifônica da realidade. Hoje é mais difícil atingir
certezas ou verdades,
porque se encontram imersas no mar de todas as verdades
reivindicadas como absolutas. A instituição que hoje quer
sustentar
a sua unicidade encontra-se em confronto com mil outras. Ao site
de uma igreja juntam-se muitíssimos sites de igrejas, religiões
e seitas,
das mais tradicionais às mais extemporâneas. É cultura
da copresença,
potencialmente cultura do diálogo, mas também do ódio.
O relativismo é uma conseqüência fácil dessa
cultura. A rede põe
em evidência como hoje se vive na co-presença dos contrários.
Que existam diversos modos de ver a coisas, testemunham-no as
diversas culturas. Todavia hoje a oferta indiscriminada de tudo e do
seu contrário está ao alcance de um clique. É uma
cultura que pressupõe
somente adultos e que não respeita o desenvolvimento
evolutivo da pessoa, descarregando sobre cada um individualmente
a responsabilidade por suas opções.
4. Muito ligada ao ponto anterior é a atitude do nomadismo, que
a rede pode desenvolver. Na rede se navega. Essa passagem de um ponto
a outro da rede reflete-se às vezes também no estilo de
vida como passagem de uma experiência a outra. Na sua forma positiva
é uma cultura do desapego, da pesquisa, da oferta; todavia na rede
pode-se encontrar também o abuso e a prevaricação.
Desse ponto de vista, a experiência da rede põe em evidência
a necessidade de formar pessoas responsáveis. Não são
suficientes os sistemas de controle; hoje é preciso educar para
a maturidade e para a capacidade de fazer opções coerentes
com a própria visão de fé e com os próprios
projetos de vida.
5. A própria rede pode ser um instrumento de educação
e
formação. As novas técnicas de aprendizagem eletrônica
oferecem
a regiões distantes a possibilidade de serem atingidas por programas
e ofertas de educação dificilmente realizáveis sem
rede. A rede,
além disso, torna possível o contato, o conhecimento e a
denúncia
de fatos que acontecem no mundo, como as guerras, os abusos
ambientais, os ódios raciais etc. A própria comunidade científica
colabora hoje muito mais vivamente através da rede. A open source
é possível graças à rede, assim como é
possível conhecer formas
associativas como as ONGs, Médicos Sem Fronteiras, Amnesty
International, instituições como a FAO, a Unesco e as infinitas
organizações
de voluntariado.
6. É preciso reconhecer que esse ambiente altamente midiatizado
nos leva cada vez mais a uma quase total dependência tecnológica.
O
aspecto menos visível, mas mais interessante é que o computador
está
se tornando cada vez mais um componente ambiental. Os escritórios
estão cada vez mais computadorizados; a própria casa, partindo
do
micro ondas da cozinha até ao controle vocal da luz, está
se tornando
progressivamente um ambiente computadorizado. Os celulares são
cada
vez mais computadores ao alcance da mão. Todo o comércio
eletrônico
viaja na rede; as inovações tecnológicas viajam em
rede. Para poder
comunicar, por tantos aspectos, temos necessidade de uma tecnologia
sempre mais sofisticada.
7. Precisamente porque a rede está se tornando o lugar em que se
coloca o futuro, ela própria está gerando o que hoje se
chama exclusão digital (digital divide). Basta ver algumas estatísticas
que dizem respeito à penetração da internet no mundo:
África 1,5%, Oriente Médio 7,5%, Ásia 8,4%, América
Latina e Caribe 10,3%, Europa 3,5%, Austrália e Oceania 48,6%,
EUA 64,7%. Só na cidade de Nova York há mais acessos que
em toda a África. Dos países desenvolvidos, 15% de população
mundial usa mais da metade das linhas telefônicas fixas e 70% das
móveis; 60% da população mundial, dos países
em via de desenvolvimento, usa somente 5% das conexões internet
mundiais. Além do “sul” do mundo existem os vários
“sul” das nações, das regiões, das cidades
e dos bairros. Tudo isso leva novamente a refletir sobre a importância
de não separar o problema da cultura digital da relação
com a economia, a política e a justiça, seja em nível
local seja em nível internacional.
Neste sentido, a nova situação cultural e tecnológica
nos
interroga sobre a exclusão e a marginalização.
8. A mídia eletrônica influencia a maneira de realizar o
controle
na vida social; isso põe em discussão o conceito de autoridade
numa sociedade midiática. Num modelo social baseado no papel
impresso, são dois os requisitos para acessar o foro público
e os
encargos de autoridade: saber ler e escrever. Quem não sabe não
pode ter acesso ao debate público. Ora a mídia eletrônica
pode
favorecer o acesso de todos aos mundos informativos; desse modo
se desestabiliza a relação de controle informativo hierático.
Isso
provoca situações não facilmente controláveis.
Por uma parte, com
efeito, as instituições, que detinham o controle da informação,
são
hoje facilmente colocadas de lado e, assim, o próprio conceito
de
autoridade e de verdade entra em crise. Por outro lado, por causa
dessa provisoriedade, há uma corrida das instituições
para entrar
no jogo com a espetacularização, típica da linguagem
midiática, numa
laboriosa caça à audiência, ligando perigosamente
o conceito de
verdade com o de quantidade.
ALGUNS DESAFIOS EM PERSPECTIVA EDUCATIVA
Esse novo ambiente cultural é fruto de mudanças sociais,
culturais, tecnológicas, políticas e econômicas. Tem
ele uma característica fundamental muito importante: a capacidade
de fazer convergir o uso das diversas linguagens e de criar uma cultura
sempre em evolução e tensão entre ordem e caos ou,
se mais agrada, entre já e não ainda. Das características
dessa nova cultura poderiam nascer algumas atitudes e modalidades interessantes
para quem trabalha em campo educativo, pelo que diz respeito seja ao modo
de ver seja ao modo de situar a própria intervenção.
A cultura dos meios de comunicação é cultura da ação,
de
participação, interação, construção
da realidade e da vida; portanto
está mais perto dos verbos que dos substantivos. Urge comunicar
mais que falar de comunicação.
É cultura dos processos, que têm certamente na base estruturas
também complexas, mas que devem tornar capazes o indivíduo
ou a comunidade de agir, comunicar, construir. É muito mais importante
o envolvimento das pessoas no intervir sobre o processo, que
os resultados do próprio processo.
É cultura do encontro. O conceito de “desterritorialização”
indica a não necessidade do lugar físico; o que importa
é a atividade
que se vem a estabelecer entre os participantes do encontro. Devem-
se, sim, pensar os lugares do encontro educativo, mas antes
ainda as modalidades comunicativas do encontro e o porquê as
pessoas deveriam encontrar-se.
Na sua versão utópica é cultura da partilha e da
anulação da
propriedade intelectual, em vista da co-participação e do
acesso
de todos ao bem da cultura. Tal bem na sua multiformidade e
multiexpressividade histórica e geográfica deveria ser fortemente
partilhado, interpretado, dialogado, criticado e construído mediante
processos dinâmicos de participação intercultural.
Não se subtrai à acusação de ser uma cultura
da informação e de produzi-la em quantidade tão abundante
que se lhe faz perder o valor. Todavia, a tecnologia da rede gera por
sua natureza uma cultura do intercâmbio mais que da informação
centro-periferia. Por causa de visões político-econômicas
pode ser também uma tecnologia que gera uma cultura da exclusão,
digital divide, mas por sua natureza é uma tecnologia que pode
favorecer o encontro, o diálogo e a comunicação para
além dos confins territoriais, culturais, religiosos, políticos
e econômicos.
A cultura de hoje está tentando com dificuldade harmonizar as
propriedades lógico-racionais desenvolvidas no decorrer dos séculos
com as dos novos meios eletrônicos. É uma cultura dos sentidos.
O que se está experimentando é a labuta que toda metamorfose
cultural traz em si, com o esforço de se repensar não apenas
em
nível individual, mas também em nível coletivo.
Não é um caso que se viva o paradoxo da globalização
e
contemporaneamente do insurgir de nacionalismos exasperados. Todas
as mudanças trazem consigo conflitos; a procura do diálogo
pode atenuá-los e abri-los a uma descoberta recíproca. Para
isso é
importante adotar uma ótica pluralista, na qual se acolhem pontos
de vista e modos diversos de expressão. Os meios de comunicação
podem ajudar a desenvolver uma cultura do pluralismo justamente
porque eles são uma pluralidade de linguagens.
Por isso fala-se de “democracia dos sentidos”
[11]
como condição para a superação de uma cultura
altamente orientada ao visual e ao racional. A arte e os meios de comunicação
são talvez os dois âmbitos em que mais se percebeu essa urgência
de harmonizar e integrar a complementaridade dos sentidos e, pois, das
linguagens.
Eis aqui, queridos irmãos, um imenso campo de trabalho e, ao mesmo
tempo, uma grande fonte na medida que os desafios que nos apresenta a
cultura midiática influem na nossa pedagogia e se tornam propostas
educativas. De outra sorte, apenas lhes sofremos as conseqüências,
mas não provocam em nós a mudança que tornaria mais
eficaz a nossa ação educativa. Não podemos esquecer
que a nossa Congregação “evangeliza educando e educa
evangelizando”.
ALGUNS DESAFIOS EM PERSPECTIVA INSTITUCIONAL
Naturalmente a comunicação social apresenta também
desafios à Congregação, à sua vida e à
sua formação. Devemos repensar a nossa existência
dentro dessa cultura midiática, mas devemos prestar atenção
também ao que comunicamos. Podemos transmitir muitíssimas
informações e conhecimentos através das novas tecnologias,
mas é também verdade que comunicamos principalmente o que
somos. Podemos, pois, ser peritos e profissionalmente preparados, mas
ao mesmo tampo comunicar a nossa mediocridade e mesquinhez ou então
a nossa coerência e honestidade.
O desafio da comunicação do carisma. Todos nós deveríamos
nos perguntar sobre o que estamos comunicando como Congregação
com o nosso estilo de vida e com as nossas opções
institucionais: estamos comunicando a opção radical por
Deus e
pelo Senhor Jesus, a fraternidade da vida comunitária, a opção
privilegiada
pelos jovens pobres e abandonados, o sentido da vida e a
esperança, a dedicação incondicional e a beleza do
dom gratuito?
Não se trata somente, pois, de ver como comunicamos: que meios
utilizamos, a que linguagens recorremos, com qual cultura comunicamos;
é preciso também pensar se estamos comunicando o carisma.
Um elemento que caracteriza o estilo de vida é o teor de como vivemos.
O desafio hoje é a essencialidade das opções. À
imagem da gratuidade da vida religiosa deveria corresponder um estilo
de vida que testemunha que Deus é suficiente e que os jovens, aos
quais somos destinados, são mais importantes que muitas outras
coisas. Numa cultura do supérfluo deveríamos testemunhar
a cultura do essencial. A nossa comunidade e o nosso carisma devem ser
visíveis, mas a nossa visibilidade é o testemunho: “Ser
sinais e portadores do amor de Deus aos jovens” (C 2). Ela desafia
todo o caminho de santidade, de primado da vida espiritual, de aplicação
do CG25, que deverá encontrar expressão também na
comunicação social. Neste sentido todas as cartas anteriores,
traduzidas na vida, encontram uma expressão na comunicação
social.
É mister a coragem de uma revisão séria do estilo
de vida.
Deveríamos ser testemunhas da gratuidade do Reino de Deus, pessoas
que afirmam na vida e nas opções que a coisa mais importante
são Deus e os irmãos. De um ponto de vista comunicativo,
isto é muito mais importante do que todos os sites, rádios,
televisões
ou jornais que podemos ter, porque de fato se não muda a
mentalidade, também o que produziremos com os instrumentos
da comunicação não fará senão refletir
o que somos. A comunicação
não é somente feita de palavras ou de imagens, mas também
de opções e comportamentos que implicam a coerência
entre o
que afirmamos e o que fazemos.
A novidade não se encontra mediante um lifting de fachada,
mas na vontade renovada de jogar o tudo e por tudo nos problemas
concretos dos jovens e das novas pobrezas emergentes. A
credibilidade da Igreja, como a da Congregação, jogamo-la
mediante
um processo de aquisição de coerência e radicalidade
evangélica.
A comunicação social poderá ajudar a fazer os jovens
descobrirem o fascínio da vocação salesiana e será
uma forma de
proposta vocacional.
O desafio da tecnologia. Este é um campo muito importante.
Em nível de meios de comunicação deveríamos
refletir sobre a metáfora de “Davi e Golias”. A nossa
Congregação, como de resto a Igreja, diante dos gigantes
e dos impérios da comunicação deve escolher terrenos
e estratégias diversas para poder propor algo de alternativo à
cultura dominante. Em outras palavras, temos necessidade de estruturas
leves de comunicação, fortemente motivadas, mas extremamente
flexíveis. A rede oferece certamente espaços mais acessíveis;
mas também instrumentos como o rádio, sobretudo em áreas
de desenvolvimento, podem dar uma ótima contribuição,
como demonstram as emissoras de rádio em algumas das nossas missões.
Não devemos esquecer, antes, é preciso reavaliar toda a
tradição
da comunicação salesiana, que vai da animação
de rua, ao pátio,
ao teatro, à música, à liturgia. O problema mais
urgente é o de cultivar
o desejo de estar com os jovens e o povo. A força das formas de
comunicação interpessoal e de grupo é insubstituível
a qualquer forma
de mediatização tecnológica, por mais refinada que
seja; ambas
são formas de comunicação a serem desenvolvidas,
dando, de qualquer
forma, o primado à relação e ao encontro pessoal.
O desafio do emprego do tempo. Hoje é essencial educar-se
no emprego do tempo à disposição. Está aumentando
estatisticamente
o tempo utilizado pelos jovens diante e com a mídia; pelo fato
de que vivemos numa cultura midiática, penso que também
nós
salesianos não permanecemos imunes. O desafio é formativo,
não
somente no sentido de educação para os meios de comunicação,
mas, antes, de uma formação para a responsabilidade na gestão
da
própria vida. Os anos da formação são essenciais
e deveriam ser
tempo para investir numa preparação cultural e profissional
séria.
As próprias comunidades deveriam ser arenas de comunicação
e
de encontro, mais que lugares de intercâmbio e de fruição
de informações.
O excesso de informações nos faz viver na fragmentação;
devemos encontrar unidade e síntese na nossa vida mediante a concentração
da formação.
O desafio dos meios de comunicação social. Do que até
aqui tratamos é evidente que nos meios de comunicação
social que usamos manifesta-se o que somos. A Congregação
deve estar presente no mundo da mídia. Trata-se de habilitar-se
ao uso dos instrumentos; mas se trata também de refletir sobre
o modelo comunicativo que estamos utilizando para fazer crescer a própria
Congregação e a sua comunicação.
O risco neste momento é que nós focalizamos a nossa atenção
sobre o uso dos instrumentos e sobre a sua eficácia, quando, ao
invés, devemos primeiro concentrar-nos sobre a nossa capacidade
de comunicar e criar comunicação, e sobre o que comunicamos.
É
a tensão e a paixão pela missão que sinaliza o que
somos e o que
comunicaremos. Parece-me que Dom Bosco, pela paixão que tinha
pelos jovens mais necessitados, conseguiu excogitar e inventar formas
de agregação e comunicação que funcionavam.
Onde estão
hoje as nossas paixões? Onde está nosso coração?
Quais os nossos
reais interesses? Em que nos empenhamos totalmente?
O desafio da formação. Os meios de comunicação
social e a
cultura que veiculam exigem um notável empenho formativo. Uma
primeira tarefa é sem dúvida a formação para
um uso crítico dos
meios de comunicação social e, pois, a formação
da consciência.
Por um lado deve-se aprender a apreciar esta “escola de massa”
(C 43) como um dom de Deus, que oferece grandes possibilidades
para a educação e a evangelização. Por outro
lado, porém, é preciso
tornar-se conscientes de como os meios são utilizados para desfrutar,
manipular, dominar e corromper. Requer-se, pois, a formação
para um bom espírito de discernimento e, mais amplamente, uma
compreensão informada acerca da natureza dos meios de comunicação
de massa, as técnicas por eles empregadas e o impacto que
elas têm sobre os receptores. Faz-se necessário inculcar
o princípio
ético fundamental, e, isto é, que a pessoa humana e a comunidade
humana são o fim e a medida do uso dos meios de comunicação
social. A comunicação deveria ser feita por pessoas em benefício
do desenvolvimento integral das pessoas.
Não basta ser bons “consumidores” dos meios de comunicação
social. É preciso sabê-los usar como instrumentos de educação
e pastoral. Isso requer competência e emprego dos vários
instrumentos; é preciso também capacidade de integrar a
mensagem educativa e evangélica na mesma cultura da mídia.
Isso supõe não apenas que se conheçam bem as técnicas,
mas que se saiba ler em profundidade a atualidade social e cultural.
O campo da comunicação social não se esgota nos meios
de
comunicação social. A comunicação social produz,
antes é, uma cultura,
e esta constitui um grande desafio a ser enfrentado especialmente
no campo da formação, a qual não consiste simplesmente
em
distribuir conhecimentos e capacidades, mas essencialmente em ajudar
a efetuar uma transformação no profundo de si mesmo, no
nível
dos próprios afetos, convicções, motivações.
Existem aspectos da
cultura moderna da comunicação social que criam problemas
para a
formação, ao passo que existem outros aspectos que a promovem.
A cultura da comunicação social, por exemplo, tende a ignorar
a
dimensão interior e transcendente da pessoal, e procura construir
a
identidade da pessoa em termos da sua resposta à situação
que vive.
Sendo ela uma cultura da imagem, é efêmera e não leva
a uma verdadeira
introspecção; antes, tende à superficialidade. Além
do mais, a
cultura da comunicação social tende a um relativismo, substituindo
a
verdade pela opinião, e oferecendo informações e
opiniões de todo
tipo, deixando tudo à livre escolha dos receptores; torna-se difícil
então ver claro, e a verdade muitas vezes é ofuscada por
sondagens
públicas. E dado o imediatismo cultivado pela cultura da comunicação
social, não é favorecida a formação, que é
um trabalho lento e
paciente, exigindo muito esforço e duro trabalho.
Por outro lado, há aspectos da cultura da comunicação
social
que levam a um melhoramento de modo especial da metodologia do
trabalho formativo. Por exemplo, é típico da cultura da
comunicação
social pensar sempre em termos das reações dos receptores.
É-se
muito sensível à sua condição e capacidades,
às suas necessidades e
interesses. E isso é um aspecto necessário no trabalho formativo;
trata-
se de tomar como ponto de partida o sujeito, as suas capacidades
e possibilidades, as suas possíveis reações, não
o currículo que se
deve transmitir.
Mais: a cultura da comunicação social é mais intuitiva
que analítico- sistemática; não se perde em longos
e abstratos discursos que comprometem a cabeça, mas usa mensagens
breves, simples e claras e que comprometem também as emoções,
isto é, toda a pessoa. E aqui, de novo, haveria um campo enorme
sobre o qual refletir, se se pensa na metodologia do ensino empregada
nas casas de formação. Além disso, a cultura da comunicação
social baseia-se na imagem mais que nas palavras. A imagem do rosto sofredor
de um Papa João Paulo II é mais eloqüente que um rio
de palavras sobre seu sofrimento.
3. ORIENTAÇÕES OPERATIVAS
3.1 MUDANÇA DE ESTRATÉGIA
Chegamos assim – nesta última parte da carta – às
opções operativas, isto é, ao momento de assumir
o exemplo de Dom Bosco, de fazer frutificar a riqueza e a fecundidade
do carisma salesiano, de tentar dar respostas apostólicas novas
e criativas diante dos desafios da cultura da comunicação
social e diante das novas necessidades dos jovens, a porção
mais delicada e preciosa da sociedade humana. [12] Tendo de apresentar algumas orientações
operativas que brotam da reflexão anterior, penso seja importante
realizar uma mudança de estratégia, que possa ajudar-nos
a melhorar a nossa reflexão e ação.
A idéia dessa estratégia nasce de uma dupla constatação.
Por uma
parte, encontramo-nos diante de uma produção de documentos
da
Congregação, também sobre o tema da comunicação
social, variada,
rica e potencialmente fecunda, que constitui uma sábia tradição
de
análises e interpretação da realidade, uma criteriologia
baseada nas
nossas fontes carismáticas e um verdadeiro programa de ação
apostólica
da missão salesiana renovada. Por outra parte, nos encontramos
com a dificuldade, a fadiga e o risco de não sermos tão
criativos,
propositivos e eficazes na capacidade de fazer dessa doutrina uma
realidade de vida e ação.
O que está escrito talvez não seja lido; o que se lê
por vezes não se torna reflexão fecunda; aquilo sobre o
qual se reflete muitas vezes não arrasta para a ação
transformadora da realidade. Como partir essa cadeia que aprisiona tanta
energia apostólica? Como derrotar esse bloqueio na comunicação?
Como tornar significativos e operativos os nossos documentos? Como fazer,
pois, para tornar significativa e operativa também esta carta do
Reitor-Mor? Num ambiente camponês de gente simples, sábia
e capaz de brincar, da mesma maneira como habituada ao trabalho, ouvi
um dito popular, que primeiro me fez sorri e depois me convidou a pensar.
Partilho-o convosco, com a intenção de acender um sorriso
e de vos propor uma estratégia. Dizia assim um velho camponês:
Não podes comer uma fritada se antes não quebrares os ovos.
Grande parte da riqueza nutritiva de uma fritada está encerrada
dentro
do ovo; evidente, não? Mas, se se deixa ali, nunca se torna um
alimento delicioso, e até, antes ou depois, apodrece, perde sue
poder
alimentício, e nesse ponto seu conteúdo se torna desagradável
e
pode até fazer mal.
A estratégia que vos proponho consiste então em não
criar novas
orientações operativas, mas antes em dar passos concretos
para
libertar a vida que se encontra latente no patrimônio doutrinal
da
Congregação e projetar as maneiras de encarná-lo
nas nossas
comunidades educativas pastorais e no território. Há tanta
luz, tanta
inspiração carismática, tanta energia apostólica
nas propostas dos
nossos documentos! Todavia eles correm o risco de não se tornarem
um verdadeiro alimento para a vida e a ação. Convido-vos,
pois, a
encontrar tempo para reler os documentos e aprofundar a realidade
da cultura contemporânea; de dispor-nos a refletir pessoalmente,
em
comunidade e na comunidade educativa pastoral; de confrontar as
idéias com a realidade dos jovens; de ter a coragem de decidir
um
plano de ação que se traduza na vida pastoral cotidiana.
Algumas inspetorias já fizeram muito neste setor da nossa missão;
outras estão fazendo opções corajosas e criativas;
outras acham-se ainda no começo. Na intenção de ser
realistas, generosos, mas concretos, é preciso fazer opções
O inspetor e o seu Conselho , o delegado inspetorial para a Comunicação
social e a sua equipe, em coordenação com os delegados inspetoriais
para a Pastoral Juvenil e para a Formação, o diretor com
a comunidade salesiana e a comunidade educativa pastoral, empenhem-se
em encontrar as modalidades prática mais adequadas à própria
realidade.
Por isso, eu vos proponho, como estratégia, melhorar e pôr
em prática o plano inspetorial de comunicação social,
que faz
parte do Projeto Educativo Pastoral inspetorial. Convido-vos a
trabalhar criativa e operativamente nesses três documentos: a carta
do padre Vecchi, A comunicação na missão salesiana
(ACG
370); o subsídio operativo apresentado no início deste ano
pelo
Dicastério para a Comunicação Social, intitulado
Sistema
Salesiano de Comunicação Social; e as Orientações
para a
Formação dos Salesianos na Comunicação Social,
elaborado
em sinergia pelos Dicastérios da Comunicação Social,
da
Formação e da Pastoral Juvenil, que será publicado
durante este
ano. Estimulados por esses documentos, teremos um diagnóstico
da realidade, escolheremos os passos concretos a serem dados
através do plano inspetorial, poderemos dar tais passos em sinergia
e verificar periodicamente o caminho percorrido.
Nos parágrafos seguintes permito-me apresentar esses
documentos, fazendo algumas sublinha, especialmente quanto a seus
aspectos operativos, e convidando-vos a realizar essa proposta
estratégica a serviço dos jovens. Estou certo da vossa disponibilidade
em compreender a urgência dessa opção.
3.2 INSTRUMENTOS DE TRABALHO
3.2.1 Carta do padre Vecchi sobre a comunicação social
Na sua carta “A comunicação na missão salesiana.
‘É extraordinário! Faz os surdos ouvir e faz os mudos
falar’”, O padre Vecchi nos deixou um conjunto de reflexões
e uma série de propostas operativas, que podem e devem iluminar
e animar a nossa missão salesiana. Cada salesiano, cada comunidade
e todas as inspetorias são chamadas a tomar consciência da
importância da comunicação e a colocá-la como
ponto constante de sua agenda apostólica. Sublinho duas idéias
e as orientações práticas desse documento, ao mesmo
tempo que vos estimulo a voltar ao texto original e a transformá-lo
em vida.
A novidade cultural, com os vários meios e
as novas tecnologias, é importante na nossa vida e na nossa
missão – escrevia o padre Vecchi, seguindo o Magistério
da Igreja –
, não somente porque dá a possibilidade de difundir a educação
e a
evangelização a milhões de pessoas, mas sobretudo
porque constitui
uma “central de cultura”, uma escola de modelos de comportamento,
de percepção do sentido da vida, de ética que reinterpreta
os
valores, de exer-cício do poder e da economia. Essa novidade é
significativa
e decisiva: como disse repetidamente nesta carta, não basta
usar as novas linguagens e os novos meios de comunicação;
é necessário,
sobretudo, integrar a mensagem na nova cultura.
Esta novidade cultural nos desafia a uma mudança de mentalidade,
a uma verdadeira “conversão cultural”. Não é
suficiente fazer o bem
dentro das nossas casas; somos chamados a projetar a nossa ação
“a
partir de fora”, ouvindo as expectativas e solicitações
da sociedade e
interagindo de maneira que se transforme positivamente a sociedade. É
preciso construir diálogo, integração e reciprocidade
com os leigos e
toda a comunidade educativa; ser animadores do território e envolver
outras instituições sociais numa sinergia em favor dos jovens;
usar os
novos meios, inclusive a rede web, para criar espaços de encontro
e
ser fermento neste novo areópago.
Propunha, depois, o padre Vecchi, uma dupla série de orientações
práticas: a primeira mais ligada à comunidade local e à
urgência de educar para a comunicação em nossa casa;
a segunda, confiada a toda a inspetoria e à necessidade de transformar
a situação social e a cultura para o bem dos jovens.
Toda comunidade é convocada a melhorar a comunicação
institucional; a projetar e realizar nas comunidades educativas pastorais
a educação para a comunicação e a educação
com os meios,
a educomunicação, que inclui a educação ao
uso das linguagens e
dos meios; a utilizar a mídia na educação e na evangelização
na
escola, na paróquia, no oratório etc.; a manter-se em diálogo
com
os comunicadores, os artistas e os editores, especialmente se são
jovens; a ajudar os novos pobres, os novos excluídos das tecnologias
comunicativas, a melhorar a competência midiática.
E simultaneamente cada inspetoria é chamada a projetar e exercitar
os direitos e os deveres de cidadania conhecendo e fazendo
respeitar as leis e os direitos dos cidadãos e das instituições;
desenvolvendo,
por exemplo, ação de tutela dos direitos dos meninos, da
família etc.; abrindo-se a outras instituições que
agem em favor do
bem comum. Sob esse perfil, a comunicação social é
uma grande
oportunidade para educar e para criar ocasiões de cidadania ativa.
Para animar tais iniciativas, já os nossos capítulos gerais
haviam
instituído a função do Delegado inspetorial para
a comunicação social
(cf. CG23), da sua equipe e do plano inspetorial de comunicação
social (cf. CG24).
Isso não é um trabalho somente para peritos, é um
trabalho
de todos, os peritos são bem-vindos, porque ajudam no trabalho
participativo, mas todos têm uma parte por desenvolver. Se
falamos de meios e de novas tecnologias é porque nos interessa
a cultura e a qualidade de vida, a construção de uma sociedade
mais justa e fraterna. Os meios se tornam mediações do Reino.
As reflexões e as propostas operativas que nascerão da releitura
desta carta nas comunidades locais sejam partilhadas com os órgãos
de animação e governo da inspetoria, para que se tornem
parte do plano inspetorial de comunicação social a serviço
da educação e da pastoral.
3.2.2 Sistema Salesiano de Comunicação Social
Conhecemos todos o Sistema Preventivo: nós o aprendemos
na experiência vivida com os salesianos que nos educaram e formaram;
o aprofundamos com o estudo científico; o realizamos e comunicamos
continuamente com o testemunho, partilha de vida, prática
educativa, palavra e ensinamento. Sabemos também que o Sistema
Preventivo, que Dom Bosco sonhou e viveu, evidentemente não é
redutível às clássicas páginas escritas em
1877, mas antes é – como
escrevia o padre Egídio Viganó – “um conjunto
orgânico de convicções,
atitudes, ações, intervenções, méritos,
métodos e estruturas,
que constituiu progressivamente um modo característico geral de
ser e de agir, pessoal e comunitário – de Dom Bosco, de cada
salesiano e da Família” (ACG 290, p. 10).
Sonho semelhante – e não é casual a escolha do termo
“sistema”
– se concretizou nas páginas do Sistema Salesiano de Comunicação
Social (SSCS), que apresenta as linhas orientadoras para a Congregação
Salesiana. O Dicastério para a Comunicação social
recolheu
a tradição doutrinal e operativa deste setor da vida e da
missão
salesiana e, depois de um diálogo fecundo de consulta, construiu
este
instrumento de trabalho. Tenho a esperança de que estas páginas
se
tornem iluminantes e fecundas. Trata-se de um instrumento de trabalho,
com o quadro de referência histórico e doutrinal e as linhas
políticas congregacionais de funcionamento da comunicação
social,
para a construção e a atualização constante
do plano inspetorial de
comunicação social e a sua realização. É
confiado particularmente ao
inspetor e ao seu Conselho, ao delegado inspetorial para a Comunicação
Social e a sua comissão, para que o tornem objeto de estudo.
O próprio conselheiro geral para a Comunicação Social
apre senta o Sistema Salesiano de Comunicação Social “como
um projeto orgânico e unitário, com uma visão partilhada
de valores e de missão nitidamente salesiana, com políticas
e ações planificadas nas áreas de animação
e formação, informação, produção,
e com a gestão das estruturas organizativas e dos processos de
comunicação e articulação em rede com os vários
setores dentro da Congregação e da Família Salesiana
e, externamente, com os organismos da Igreja, com o território
e com a sociedade em sentido mais amplo” (SSDC 9). Nesse instrumento
de trabalho encontramos delineadas a identidade (seus destinatários,
metas, convicções, missão, políticas e critérios
de ação, sujeitos), o funcionamento e a organização
do Sistema Salesiano de Comunicação Social.
Não é minha intenção apresentar em detalhes
esse instrumento
de trabalho; devemos ver o texto, deixar-nos guiar pelo texto e,
movidos pelo espírito do texto, dar respostas aderentes às
necessidades
reais das nossas comunidades educativas pastorais. Gostaria
de evidenciar algumas páginas que, pela sua simplicidade e
praticidade, podem escapar à atenção. No documento
do SSCS
encontramos dois anexos: o primeiro diz respeito a uma lista sintética
das principais fontes congregacionais: Constituições, Regulamentos,
Capítulos Gerais, Atos do Conselho Geral etc., que nos
apresentam a comunicação social em perspectiva salesiana;
o segundo
é um quatro sinóptico, um mapa para a construção
do Plano
Inspetorial de Comunicação Social.
Esses anexos são um símbolo eloqüente e um urgente
programa.
São um símbolo que nos estimula a voltar sempre às
fontes, às nossas raízes. Por exemplo, reler os artigos
6 e 43 das nossas Constituições e aceitar o desafio da comunicação
contemporânea renovam a nossa consciência de estar animados
pelo Espírito que levou Dom Bosco a estar na vanguarda dos tempos
no uso da comunicação social para a educação
e a evangelização dos jovens pobres e dos ambientes populares.
O mesmo Espírito nos move hoje a ser criativos, corajosos e organizados.
Os anexos exprimem também um programa; seguindo os aspectos enumerados
e as orientações sugeridas nesse mapa, somos chamados a
diagnosticar, planificar, realizar e verificar sistematicamente a comunicação
social nas nossas inspetorias. Ajudam-nos a planificar e administrar a
animação e a formação na comunicação
social, a informação e as relações públicas,
as nossas empresas de comunicação social com a mesma caridade
pastoral de Dom Bosco.
Acrescento ainda duas indicações metodológicas. O
Plano
Inspetorial de Comunicação Social deve ser construído
e realizado
com a maior e melhor participação possível, nos diversos
níveis, e
deve ser constantemente animado e periodicamente verificado pelo
órgão de animação e governo da inspetoria.
Não interessa tanto um
plano bem estruturado quanto um plano partilhado, que ajude a
caminhar, a servir os jovens e o povo, a fermentar a cultura para
transformar a sociedade. Essa insistência pode talvez parecer a
alguns
excessiva. Mas há uma grande diferença entre o chegar à
meta
sozinhos e caminhar juntos. Quanto mais nos sentirmos e formarmos
parte de um projeto comum tanto mais nos tornamos capazes
de construir comunidade e qualidade de vida.
Uma segunda indicação respeita à variedade das situações
das nossas inspetorias. O mapa proposto pelo documento não implica
que todos devemos fazer tudo e logo; é preciso, porém, escolher
com realismo e generosidade os passos que podemos dar, segundo as necessidades
e as nossas forças. Não temos o poder dos Golias da comunicação
social, mas nas nossas comunidades educativas, nos nossos grupos, com
os nossos meios alternativos temos muitas oportunidades de Davi de evangelizar,
de educar, de construir uma sociedade mais justa e mais fraterna. Reconhecer
os nossos valores, os nossos meios e as nossas competências, organizar-nos
e criar sinergias, convocar outros fora de nossa casa, que têm boa
vontade e colaborar com eles, é uma sabedoria e uma política
que nos faz tocar com a mão “a bondade das pombas unida à
esperteza das serpentes” para encarnar o Reino na diversidade do
contexto em que nos encontramos. O Plano Inspetorial de Comunicação
Social quer tornar-se expressão da nossa esperança no dinamismo
do evangelho, que Jesus comparou à energia do fermento na massa
(cf. Mt 13,33).
3.2.3 Orientações para a formação dos salesianos
em comunicação social
Não há comunidade salesiana ou comunidade educativo-pastoral
salesiana mais comunicativa do que aquela que testemunha o seguimento
de Cristo no serviço dos jovens pobres. Portanto, o testemunho
de Cristo e do seu Evangelho é a mensagem fundamental de toda comunicação.
Se ela falta, não existe teoria, nem técnica ou meio de
comunicação que a possa substituir. A fidelidade a Dom Bosco
e aos jovens pobres nos pede que comuniquemos, através do testemunho,
a partilha, a total dedicação à missão, “até
ao último respiro”.
Justamente por esse motivo, Dom Bosco não poupou linguagem, meio
ou instrumento, tradicional ou de vanguarda, com os quais pudesse
testemunhar e anunciar aos jovens e ao povo a boa-nova, a fim de
que pudessem tornar-se honestos cidadãos e bons cristãos.
Quando
lemos a descrição que o padre Egídio Viganó
faz de Dom Bosco
como genial comunicador social, ficamos impressionados (cf. ACG
302, p. 8-12). A fidelidade a Dom Bosco e aos jovens nos leva a
sermos testemunhas transparentes, e, pois, também bons
comunicadores sociais, desenvolvendo os nossos dons de natureza
com uma boa formação.
Já em 1981, o padre Egídio Viganó apresentava uma
proposta
sintética de formação em comunicação
social para os salesianos, desenvolvida
em três níveis: nível geral de base; nível
dos animadores e
dos operadores educativos e pastorais; nível de preparação
especializada
(cf. ACG 302). O padre Vecchi, em 2000, retomava essa
proposta na carta que citamos acima, e nos falava da urgência de
nos
qualificarmos: “O único caminho útil que devemos seguir
é o da formação.
A nova alfabetização, isto é, a capacidade de ler
e escrever na cultura da mídia, diz respeito a todas as pessoas
e, no que concerne à fé, todos os crentes. Quanto mais deverá
interessar a educadores e evangelizadores!” (ACG 370, p. 22).
O Dicastério para a Comunicação Social assumiu em
forma
renovada esse tema em 2004: estudou a história dos diversos programas
congregacionais de formação para a comunicação
social;
fez um levantamento dos dados sobre que formação em tal
fase se
dá na formação inicial em toda a Congregação;
convocou a
Consultoria Mundial de Comunicação Social, que se reuniu
em Roma
em julho de 2004. Essa Consultoria refletiu sobre o projeto de um
itinerário de formação em comunicação
social e entregou ao
Dicastério uma análise e uma interpretação
dos dados da realidade
da formação em comunicação social na Congregação,
com alguns
critérios que deveriam guiar tal formação e algumas
opções operativas
possíveis em relação ao itinerário.
O Dicastério para a Comunicação Social, juntamente
com o
Dicastério para a Formação, partindo da reflexão
feita pela
Consultoria, elaborou Orientações para a formação
dos
salesianos em Comunicação Social, que brevemente serão
publicadas. Trata-se de uma das intervenções previstas no
Projeto
de Animação do Sexênio (cf. ACG 380, p. 48). Desde
agora convido
os formadores a acolher esse subsídio, que procura garantir
sempre melhor a formação do salesiano como educador e pastor,
e
por isso como comunicador.
O delegado inspetorial para a Formação e a sua equipe, juntamente
com o delegado inspetorial para a Comunicação e sua equipe,
iluminados por essas Orientações, procurarão os conteúdos
e as modalidades da sua realização. Elas dizem respeito
seja à formação inicial, seja à permanente.
Para a formação inicial não se tratará somente
de inserir uma nova disciplina – justamente de comunicação
– em cada fase do currículo formativo projetado pela Ratio,
mas de dar grande e múltipla atenção: à insistência
sobre o estilo comunicativo; à animação de experiências
e reflexões de vida e trabalho salesiano, profundamente ligados
à cultura juvenil e popular, e, pois, fortemente comunicativas;
ao desenvolvimento da dimensão comunicativa dos cursos já
previstos pela Ratio; à organização de laboratórios
de educomunicação para quem não teve essa oportunidade
na própria educação prévia à formação
inicial; à criação de espaço de formação
em comunicação social para os formadores e para os professores
dos formandos; a realização de oficinas e estágios
de linguagens, artes e mídia, de novas tecnologias, especialmente
as mais adequadas para a interação educativa, para o anúncio
e a celebração da fé, para a exposição
e a partilha dos valores, para a comunicação simbólica
e ritual; ao aprendizado e melhoramento da competência comunicativa
popular; ao aprendizado da gramática da linguagem digital e seus
múltiplos usos para o conhecimento, a comunicação
e a criação de espaços de encontro etc.
Também nesse caso, quanto mais se consegue envolver os próprios
formadores, professores e formandos na construção de um
Itinerário “à medida” da comunidade formativa
e na sua realização,
mais plenamente se atingem os objetivos dessas Orientações.
Nenhum
mestre pode ensinar aquilo que o aluno não está disposto
a
ensinar a si mesmo, sobretudo na sabedoria e na arte de comunicar,
que é participação e comunhão de vida. O mesmo
se diga para a
formação permanente.
4. CONCLUSÃO
Concluo esta minha carta na data da natividade de São João
Batista, “o maior entre os nascidos de mulher” (Mt 11,11),
o homem da austeridade e do essencial, da palavra franca e da abertura
ao novo, do amor à verdade e à autenticidade, do testemunho
forte e transparente. Eis “a voz que grita no deserto” anunciando
a Palavra que vem. Eis o mestre que aponta aos seus discípulos
o Cordeiro de Deus presente no meio deles. Um esplêndido ícone
para o comunicador! O nosso querido Dom Bosco celebrava exatamente nessa
data o seu onomástico, verdadeira festa de família, dos
jovens, dos salesianos, dos cooperadores, dos ex-alunos, que porfiavam
em expressar seu amor e reconhecimento ao “pai”. Eis o homem
que tinha compreendido que não bastava fazer o bem, mas que ele
devia ser conhecido, que a educação é questão
do coração e, por isso, não bastava amar: os outros
deviam sentir que eram amados.
Esta é a linguagem salesiana da comunicação.
Também nós hoje nos juntamos espiritualmente ao redor dele,
como seus filhos, para agradecer-lhe de quanto significou na vida de
todos e de cada um de nós, que não nos explicamos sem ele,
desde o
momento em que fizemos nossa a sua experiência de fé, o seu
projeto
de vida, a sua paixão pela salvação dos jovens. Naturalmente
o nosso
afeto é acompanhado do nosso renovado compromisso de sermos
fiéis a ele, ao seu carisma, à sua missão, às
suas opções, como
esta da “difusão dos bons livros” a serviço
da Igreja e da sociedade,
e fiéis aos jovens de hoje tão influenciados pelos meios
modernos de
comunicação social, tão sensíveis às
novas linguagens, e tão necessitados
de educadores e guias competentes.
Não nos faria mal ler de novo aquela carta programática
de
Dom Bosco para nela encontrar luz e estímulo para essa dupla fidelidade,
e colocar-nos com a sua coragem nas novas fronteiras da
comunicação social.
A Maria Santíssima, Mãe e Mestra, confio as vossas pessoas,
as
vossas intenções e esforços para serdes bons educadores-pastorescomunicadores.
Pe. Pascual Chávez V.
Reitor-Mor