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«Dou graças ao meu Deus, cada vez que me lembro de vós.» (FL 1,3)

CARTAS DO REITOR-MOR - PASCUAL CHÁVEZ


“DOU GRAÇAS AO MEU DEUS, CADA VEZ QUE ME LEMBRO DE VÓS.” (Fl 1,3)


Apresentação da Região Europa Oeste


Dom Bosco na França, Espanha, Portugal e Bélgica Sul ● Nas origens, uma boa implantação do carisma ● Um desenvolvimento espetacular ● Situação Cultural, Social e Religiosa hoje ● Situação salesiana na Região ● Uma palavra sobre as diversas Obras ● A Pastoral Juvenil ● A Comunicação Social ● A dimensão missionária ● A Família Salesiana ● A formação inicial e a formação contínua ● A formação permanente ● Os grandes desafios da região ● Linhas de ação ● 1. Promover uma animação vocacional específica que seja expressão do testemunho da vida comunitária e da fecundidade da missão ● 1.1. Garantir as condições para que cada comunidade viva uma verdadeira experiência espiritual e seja testemunho de fé, visível e legível pelos jovens ● 1.2. Criar um novo modo de presença salesiana verdadeirame1nte significativa, que seja atraente e propositiva para os jovens e que ponha a evangelização como objetivo prioritário ● 2. Assegurar as mudanças conseqüentes na vida e na organização das inspetorias e da Região

Roma, 8 de setembro de 2004.
Natividade da bem-aventurada Virgem Maria

Queridos irmãos,

Eu vos escrevo, dando graças a Deus cada vez que me lembro de vós (Fl 1,3). Esse o título que quis dar a esta carta sobre a Região Europa Oeste. Ainda que seja válido para todas as Regiões, porque expressa a intensa comunhão que há entre nós e o reconhecimento do trabalho feito para a expansão da Congregação e a difusão do carisma de Dom Bosco, não há dúvida que se aplica de modo especial a essa Região. A Espanha Salesiana conheceu um grande crescimento, o maior e mais consistente depois da Itália e antes que viesse o da Índia. A França destacou-se por seu amor a Dom Bosco, à sua espiritualidade, à sua pedagogia. Portugal teve uma admirável extensão missionária em todos os países das antigas colônias lusitanas. A Bélgica do Sul colaborou sempre generosamente nas presenças missionárias.

Durante estes últimos meses, desde minha última carta sobre a Palavra de Deus e vida salesiana, passei a maior parte do tempo na Casa Geral, numa laboriosa sessão de Conselho, na qual examinamos e aprovamos dois terços dos documentos elaborados pelos Capítulos Inspetoriais. Há todavia algumas notícias que merecem um pequeno comentário.

Em primeiro lugar os Exercícios Espirituais que fizemos juntamente com o Conselho Geral das Filhas de Maria Auxiliadora, em Santa Fosca de Cadore, no começo de julho. Além do fato de ser a primeira vez de tal acontecimento na história dos nossos institutos, com todo o significado carismático que ele pode ter, queríamos fazer uma experiência de procura em conjunto da passagem do Espírito no hoje da Igreja e do mundo, para conhecer melhor o que Deus espera de nós, quais são suas expectativas, qual a sua vontade. Sob esse perfil, seja o cenário natural, deveras espetacular, seja o clima agradável, seja a convivência familiar, seja a partilha espiritual, seja a reflexão oferecida e celebrada, foram iluminadores e propositivos. Faltaram Madre Antônia Colombo e duas conselheiras, que por motivos de saúde, não puderam participar.

Agosto caracterizou-se pelo Campobosco dos jovens da Espanha e pelo Confronto Europeu, que reuniu centenas de jovens, por ocasião do jubileu da canonização de São Domingos Sávio e do centenário da morte de Laura Vicuña. As duas reuniões foram cuidadosamente preparadas e realizadas com grande empenho de todos, a começar pelos próprios jovens, verdadeiros protagonistas dos eventos. Como é natural, esses eventos são tanto mais fecundos quanto mais visam a uma meta e a um ponto de relançamento dentro de um processo de maturação humana e cristã e de espiritualidade salesiana.

Não posso, neste contexto de comunicação fraterna, deixar de dizer uma palavra sobre a recente campanha que se fez contra nós por parte de alguns meios de comunicação americanos, acusando a Congregação de praticar uma política de transferência de um país para outro dos irmãos acusados de abusos contra menores, visando de modo particular à Inspetoria da Austrália. Os inspetores dos Estados Unidos e, depois, o inspetor da Austrália publicaram um comunicado na imprensa, negando semelhante política como instituição, pedindo perdão dos possíveis erros e de uma gestão nem sempre adequada dos casos, mostrando solidariedade com as vítimas, recalcando as orientações dados pelo Reitor-Mor e pelo seu Conselho, e deixando claro que cada inspetoria é responsável pela gestão desses casos. Ao mesmo tempo em que acolhemos essa prova como um momento de purificação por aquilo que no passado não tenha estado à altura de quanto se espera de nós, renovamos o nosso compromisso de fazer dos jovens a razão da nossa vocação e missão, e ser para eles “sinais e portadores do amor de Deus”.

Dom Bosco na França, Espanha, Portugal e Bélgica Sul Com a carta “Sereis as minhas testemunhas... até os extremos confins da terra” (AGC 385) dava início à apresentação da realidade da Congregação em cada uma das suas Regiões geográficas e já vos anunciava a apresentação da Região Europa Oeste. Com esta carta, “Dou graças a Deus cada vez que me lembro de vós” (Fl 1,3), tento aproximá-los da história dessa Região, que é gloriosa, e da riqueza da sua realidade presente, e ao mesmo tempo procuro tornar-vos participantes dos esforços que está realizando para responder com criatividade aos ingentes e urgentes desafios que interpelam o carisma salesiano no Ocidente.

A Região Europa Oeste foi constituída no CG24. Geograficamente é a menor da Congregação. Compreende a Bélgica, a França, a Espanha e Portugal, com algumas presenças que, por razões histórico-políticas ou por generosidade apostólica, permaneceram unidas a alguma das inspetorias. Portugal mantém sua presença nas ilhas de Cabo Verde, a França tem uma comunidade em Marrocos e uma na Suíça, a Inspetoria de Barcelona dirige um centro escolar na República de Andorra. A Delegação de Moçambique, conquanto dependente da Inspetoria de Portugal, a partir do CG24 faz parte da Região África. Após a unificação das inspetorias da França (1999), a Região compreende 10 inspetorias. Algumas casas dessas inspetorias já celebraram o centenário de fundação.

Sem dúvida, a presença salesiana na Região sofre o impacto do acelerado e profundo processo de transformação da Europa, a começar pela unificação da moeda. Durante estes últimos decênios, com efeito, avançou-se decididamente uma definição do rosto europeu nas diversas dimensões da vida. Como em outros lugares, também aqui os aspectos econômicos já se impuseram, ao passo que em outros campos se encontram dificuldades. Lamentáveis foram as experiências das guerras nos Bálcãs, da guerra contra o Iraque e da reconstrução desse país, e as duras tratativas no momento de subscrever a Constituição européia. Tudo isso faz emergir os diversos interesses e as diferentes sensibilidades. A Europa não é uniforme, nem na cultura, nem na sua história, nem da teologia, nem nas expressões da suas religiosidade. E nem mesmo a realidade salesiana, sempre tão ligada aos contextos, é a mesma nessa Região da Congregação. Durante estes últimos anos, a Região quis ser um espaço de abertura, de diálogo, de conhecimento recíproco e partilha. Pode-se garantir que já se caminhou, mas as próprias vicissitudes históricas e culturais, vividas ao longo da história de cada um desses países, deixaram sua marca também na vida salesiana e nas suas múltiplas expressões. O processo de unificação é forte e inarredável, e há fatores que incidem na mesma medida na Região, mas a história tem o seu peso, o que explica a diversidade da própria realidade salesiana dentro dela.

Nas origens, uma boa implantação do carisma Em dezembro de 1874, quase um ano antes de dar início à sua aventura americana, Dom Bosco é “recebido em Nice (França) de forma apoteótica”. [1] Um ano depois, dia 20 de novembro de 1875, retorna para cuidar de um pequeno “patronage”. Acompanhavam-no o padre Ronchail (sobrenome francês), que será o diretor, o coadjutor Filipe Cappellaro e o noviço Jean-Batiste Perret. Dom Bosco queria repetir em Nice a experiência de trinta anos antes na casa Pinardi. A nova casa tem “todas [as] bases de Turim”, escrevia a Dom Rua. [2] Durante o ano 1876-1877 foram preparadas as primeiras oficinas para sapateiros, alfaiates e carpinteiros. No dia 12 de março de 1877, foi inaugurada com solenidade a nova sede da obra. “Para lembrar o acontecimento, Dom Bosco mandou imprimir um fascículo bilíngüe, no qual aparece pela primeira vez o seu ‘pequeno tratado’ sobre o sistema preventivo”. [3] As fundações se multiplicam rapidamente na França: o Oratório de San León em Marselha, as obras de Cannes e Challonges, de breve duração, La Navarre, a casa sonhada por Dom Bosco, onde pela primeira vez os salesianos assumem a direção de uma colônia agrícola, na qual os jovens órfãos são encaminhados aos trabalhos do campo. Nesses anos, Dom Bosco visita várias vezes o Sul da França. Em 1883, chega a Paris. Desse momento em diante, entre Dom Bosco e a França, estabelecem-se tais relações de admiração, apreço e amizade de um lado, e de generosa ajuda de outro, que um século depois podem mesmo surpreender. Em 1884 os salesianos chegam a Paris, guiados pelo padre Charles Bellamy, sacerdote diocesano que um ano antes se fizera salesiano.

Pouco depois do início da obra na França, em 24 de janeiro de 1880, numa pitoresca viagem de trem, maravilhosamente narrada numa carta escrita ao padre Rua, o padre Cagliero juntamente com o coadjutor José Rossi, chega a Sevilha (Espanha) num trabalho de exploração: Cagliero com “teja – telha” ou chapéu eclesiástico espanhol e Rossi com o “cilindro de su chistera”. Dois dias depois, o arcebispo de Sevilha, muito bem impressionado pelos dois ilustres visitantes, escrevia a Dom Bosco “os melhores cumprimentos aos novos operários”. [4] A profecia se realizará logo, e em grau eminente.

Cagliero e Rossi deixaram em Sevilha um halo de grande simpatia e de entusiasmo pelas obras de Dom Bosco. João Cagliero “tinha conquistado os vivazes andaluzes com a sua grande simplicidade, o seu constante bom humor e a sua maneira de tratar o povo, a sua franqueza e cordialidade”. [5] Não obstante a viagem ter sido muito gratificante, a promessa de ter uma comunidade salesiana na Espanha não se realizaria até 16 de fevereiro do ano seguinte, 1881, dia em que chegaram a Utrera os primeiro salesianos que Dom Bosco mandava para a fundação na Espanha.

Se a viagem de exploração, feita de trem por Cagliero e Rossi, foi pitoresca, por mar e sempre com tempestade foi a da primeira comunidade: ventos, tempestades, ondas gigantes, nevoeiro e enjôo de mar. Havia de tudo, não faltava nada. Em Gibraltar dão o último abraço aos irmãos que continuam a viagem para a América, ao passo que a nova comunidade faz a última escala em Cádiz. Dessa cidade, agora em terra firme e de trem, prossegue para Utrera. Às seis e meia da noite os peregrinos avistam as agudas torres da cidade, o padre Cagliero, emocionado, grita: “Eis Utrera”. “Todos os salesianos, com as mãos juntas, rezaram uma Ave-Maria à Auxiliadora. Começava a obra de Dom Bosco na Península Ibérica”. [6]

Visitando as casas salesianas na Andaluzia, tem-se a impressão de que os salesianos não deixaram de rezar e cantar essa Ave-Maria em meio ao povo. Quando Dom Bosco enviou à América os primeiros salesianos em 1875, despediu-se deles no Santuário de Maria Auxiliadora e, por escrito, deu-lhes vinte lembranças, que são um verdadeiro breviário de pastoral prática e conservam ainda hoje sua plena validez.

  Procurai almas e não dinheiro, honras, dignidades... Amai-vos, aconselhai-vos e corrigi-vos mutuamente...

Inculcai a devoção ao Santíssimo Sacramento e a Maria Auxiliadora...

O bem de um seja o bem de todos...

Nas fadigas e sofrimentos não nos esqueçamos de que nos aguarda um grande prêmio no céu.
(MB XI, 389-390)

Partiram da Itália aqueles primeiros salesianos e puseram em prática os conselhos do Pai também na Península Ibérica: “O povo os acolhe e venera porque são homens de Deus: ajudam os jovens em suas necessidades, procuram recursos na luta contra infortúnios ou tentam diminuí-los, são infatigáveis e desinteressados trabalhadores”. [7] O espírito salesiano, manifestado na preocupação de educar os jovens mais pobres e abandonados, no oratório festivo, na sua simplicidade e estilo popular, e, sobretudo, na propagação da devoção a Maria Auxiliadora, se apossa imediatamente do coração dos andaluzes e abre a porta de todos, inclusive uma parte da nobreza e da burguesia “conservadora” da Espanha, que via com preocupação as desastrosas conseqüências que a falta de instrução e de educação cristã produzia entre os filhos dos operários e das classes populares.

Graças à eficiente intervenção de Dona Dorotea de Chopitea, que desejava poder fazer alguma coisa pela juventude pobre de Barcelona, em 1884 os salesianos chegam a Sarriá. O desenvolvimento das suas oficinas e a sua influência na Espanha salesiana é “quase um milagre”. A ida de Dom Bosco a Barcelona em 1886 despertou ondas de entusiasmo e generosidade de todos os lados, a ponto de presentearem a colina do Tibidabo para que nele se construísse um templo ao Sagrado Coração.

Os primeiros pedidos para uma obra em Portugal remontam a 1877, [8] mas as primeiras tratativas para conseguir uma presença dos filhos de Dom Bosco no país começaram em 1882, por obra de dom Sebastião Vasconcelos, que se pôs em contato direto com Dom Bosco e, em 1883, animado pelo mesmo espírito do santo, fundou as Oficinas São José do Porto, para a educação e qualificação profissional “dos rapazes da rua”, dando a essas oficinas a fisionomia de uma típica casa salesiana. [9] Mas os salesianos chegaram a Portugal somente em 1894, sendo superior geral padre Rua. A cidade de Braga, embora não tenha sido a primeira a pedir a presença dos filhos de Dom Bosco, foi a primeira a tê-los. A primeira comunidade – dois padres e um estudante – cuidará do Colégio dos Órfãos de São Caetano. A ela seguir-se-ão as fundações: Lisboa (1896), Angra do Heroísmo (1903), Viana do Castelo (1904) e Porto (1909). São bem conhecidos os grandes empreendimentos marítimos dos portugueses. Não é de admirar, pois, se de Lisboa os salesianos vão imediatamente a Macau (1906), a Tanjor (1906) e Maliapor (1909) na Índia, e fundam uma escola de artes e ofícios na ilha de Moçambique (1907). O carisma salesiano em Portugal desenvolveu-se tanto, que em 1899 foi ereta como inspetoria autônoma, separando-se de Barcelona, primeira sede inspetorial na Península Ibérica. [10]

Podemos também considerar miraculosos os inícios da obra salesiana na Bélgica. Em 7 de dezembro de 1887, o bispo de Liege, dom Doutreloux, ia a Turim para convencer Dom Bosco a abrir uma escola profissional na sua cidade. Os superiores, de acordo com Dom Bosco, pensavam em temporizar antes de aceitar. Mas na manhã do dia seguinte, “com grande maravilha do padre Celestino Durando (encarregado dos procedimentos para os novas fundações), Dom Bosco disse sim ao bispo, como se já não existissem as dificuldades surgidas no dia anterior”. [11]

Que havia acontecido? No dia da Imaculada, o padre Carlos Viglietti foi ao quarto de Dom Bosco e ouviu-o dizer: “Pega a caneta, tinta e papel, e escreve o que eu vou ditar. Palavras textuais da Virgem Imaculada que me apareceu esta noite e me disse: ‘Agrada ao Senhor e à bem-aventurada Virgem Maria que os Filhos de São Francisco de Sales abram uma casa em Liege, em honra do Santíssimo Sacramento...’”. [12] Pouco depois chega dom Cagliero e o padre Viglietti lhe lê o manuscrito. Cagliero, maravilhado, diz: “Também eu ontem me opus, mas agora chegou o decreto. Nada há mais o que dizer!”. [13] Foi nessa ocasião que Dom Bosco pronunciou a famosa sentença: “Até agora caminhamos com segurança, não podemos errar. É Maria que nos guia”. [14] A forma com que se adquiriram os terrenos e como se realizou a obra em Liege não tardaram a demonstrar que justamente Maria queria aquela casa naquela cidade do “Corpus Christi”. A Liege seguiram-se Tournai, uma casa de noviciado em Hechtel e outras obras, até as casas da Bélgica passarem a formar inspetoria autônoma em 1902.

Um desenvolvimento espetacular Poderia definir-se como realmente espetacular o desenvolvimento da Congregação Salesiana nos países da Região. Quando em 1892 o padre Albera, primeiro inspetor na França voltou à Itália para ser nomeado catequista geral, deixava treze florescentes fundações. Até os adversários, à sua maneira, davam testemunho à vitalidade dos filhos de Dom Bosco, os quais, segundo o relator de uma comissão do Senado francês, formavam “um grupo de criação recente, mas que hoje se irradia pelo mundo inteiro”. [15] Em 1896, já eram duas as inspetorias na França e “por ocasião da Exposição Universal de Paris (1900), os salesianos ganharam duas medalhas por suas realizações sociais”. [16]

Na Espanha, “o trabalho dos salesianos era apreciado, também pelo governo. Um decreto de 1893 os elogiava, destacando a contribuição dada por eles à solução da questão operária. Elogios idênticos ouviram-se no ano seguinte, no quarto congresso internacional católico de Tarragona”. [17]

Como na Argentina, também na Espanha foi o padre Cagliero, o fundador da obra salesiana. Todavia, foram os padres Filipe Rinaldi, Pedro Ricaldone, Juan Branda e Ernesto Oberti que realmente implantaram o carisma salesiano na Península Ibérica.

Em 1889 chegou à Espanha o padre Filipe Rinaldi como diretor da Casa de Sarriá. Pela sua amabilidade, grandeza de coração e intuição psicológica, conquistou logo o afeto de todos. Três anos mais tarde foi nomeado “primeiro inspetor da Espanha e de Portugal”, com sede em Barcelona. Nove anos depois voltava para a Itália, a fim de tomar parte no então chamado Capítulo Superior. Deixava vinte comunidades de salesianos na Espanha e três em Portugal. É nesse momento que entra em cena, com grande dinamismo e carisma, o padre Pedro Ricaldone.

Ele também tinha tido a ocasião de conhecer e conversar com Dom Bosco. Fez o noviciado em Valsalice, “onde teve como companheiros o príncipe padre Augusto Czartoryski e o padre André Beltrami”. [18] Chega à Espanha aos 19 anos de idade. De Utrera funda com sucesso o oratório festivo no difícil subúrbio de Sevilha-Trindade. Em 1889 é consagrado sacerdote e, um ano depois, é nomeado diretor da mesma casa de Sevilha-Trindade. Tinha 24 anos, mas, como disse o padre Filipe Rinaldi ao padre Rua, “é realmente um homem e é muito amado”. [19] Em Sevilha, o padre Pedro faz-se espanhol e andaluz. Em 1901 é nomeado “primeiro inspetor da província Bética”. A esse ponto – apenas vinte anos após a chegada dos primeiros salesianos – criam-se quatro inspetorias na Península Ibérica: três na Espanha e uma em Portugal.

Os primeiros anos do século XX não são ao certo muito promissores para as congregações religiosas na Europa. Leis de governos liberais e abertamente anticlericais abatem-se como violento furacão sobre elas. O golpe revolucionário (1910) sufocava bruscamente o desenvolvimento dos salesianos em Portugal. A Inspetoria Norte da França foi suprimida.

Outra dura prova para a Congregação foi a primeira Guerra Mundial. Quase a metade dos salesianos foi chamada a pegar as armas. Muitos colégios foram requisitados para serem transformados em quartéis ou hospitais. Mas, precisamente na França e na Bélgica, a obra salesiana renasceria após a primeira Guerra Mundial, e com uma força extraordinária. Em 1959 as presenças salesianas da Bélgica distribuíam-se em três inspetorias: Bélgica Norte, Bélgica Sul e África Central. As duas inspetorias da França (duas de novo desde 1925) iniciaram sua presença na África (Congo, 1959).

Por sua vez, a Espanha – e nela a Família Salesiana – viu-se ensangüentada pela guerra civil (1936-1939). Foram momentos de prova e de purificação. Os mártires da Família Salesiana, noventa e cinco ao todo, são disso um bom testemunho, mas, como diz Tertuliano, “o sangue dos mártires é sempre semente de novos cristãos”, e, também nesse caso, foi de muitas vocações. Nos fins dos anos 50 e início dos anos 60, o crescimento vocacional leva a Espanha a sete inspetorias, e os seus missionários difundem o carisma salesiano até os mais distantes confins do mundo. Ao mesmo tempo, a Inspetoria de Portugal se torna responsável pelas casas de Macau, Cabo Verde e Moçambique.

Situação cultural, social e religiosa hoje A Região compreende hoje uma área com cerca de 120 milhões de habitantes e uma densidade que vai dos 80 habitantes por quilômetro quadrado na Espanha aos 334 na Bélgica. A mortalidade infantil nunca supera o 0,9%, e a expectativa de vida chega a 74 anos para os homens e 80 anos para as mulheres. O analfabetismo praticamente desapareceu, exceto entre as pequenas minorias ou classes étnicas. Os núcleos familiares formados por uma só pessoa aumentaram em todos os países da união européia, superando 28%.

Em nível sociológico, não se pode descuidar a presença maciça dos imigrantes como um fator social de relevo que preocupa os governos e a Igreja e nos apresenta desafios não indiferentes. Por uma parte, a Europa tem necessidade dos imigrantes, mas por outra preocupa a condição de ilegalidade em que chegam, e muitíssimos permanecem. Isso favorece a exploração, o desenvolvimento das máfias, a marginalização, o viver em condições desumanas e/ou o recorrer à delinqüência para sobreviver. A Bélgica é o país da Região com a porcentagem mais alta de imigrantes: passa de 10%.

Por meio das escolas, os colégios, os centros juvenis, as diversas plataformas sociais e “casas de acolhida”, a Congregação Salesiana da Região tenta colaborar, oferecendo respostas ágeis e criativas a esse preocupante problema.

De modo particular constata-se o crescimento dos muçulmanos (cerca de 7.500.000 na Região, o que faz do Islã a segunda religião), com a natural exigência dos seus direitos e do seu reconhecimento político e religioso, mas também com a sua cultura, que muitas vezes entra em conflito com a européia e até com os direitos humanos (sobretudo os que se referem à mulher). Outro fenômeno sério é a invasão das seitas, que desafiam a nossa capacidade de evangelização.

O fenômeno da mundialização e da globalização tem – como todas as realidades históricas – aspectos positivos, sobretudo se consegue dar-lhe um rosto humano e fazer prevalecer o valor das pessoas sobre outros interesses. Mas nos damos conta de que nem sempre são os valores evangélicos que regem este mundo. Basta ver como nem mesmo as raízes cristãs foram reconhecidas na Constituição Européia.

A secularização, que em si mesma é um valor, transformou-se em secularismo, o qual prescinde da referência a Deus na organização da vida pessoal e social. Do mesmo modo, o valor da laicidade converteu-se em laicismo, com a pretensão de uma autonomia absoluta do fato civil, pelo que alguns países se reafirmam “aconfeccionais e leigos”, mas sem garantir o que devia ser a laicidade, isto é, “um lugar de comunicação entre as diversas tradições espirituais e a nação”. [20] De certo, nas Constituições dos diversos Estados europeus a liberdade religiosa está garantida, assegurando a igualdade dos cidadãos, “sem distinções de origem, raça ou religião”. Mas na realidade nem sempre é assim. Aqui e ali aparecem expressões claramente anticlericais e um laicismo agressivo, que afunda suas raízes no Iluminismo e na Revolução Francesa, e que não permanece com pura atitude cultural, mas atinge as próprias instituições civis.

A sociedade dos costumes tenta satisfazer as necessidades do ser humano reduzindo o seu campo ao material e transformando a própria pessoa num perfeito consumidor de produtos, de sensações, de experiências, enquanto o profissionalismo – conquanto positivo e necessário – limita muitas vezes o espaço da missão para muitos carismas. Evidentemente, a auto-suficiência e maturidade da sociedade do bem-estar é um bem em si mesmo, do momento em que a sociedade atinge a capacidade de satisfazer as necessidades principais da população: educação, saúde, trabalho, casa, atenção à marginalização, tudo isso desenvolvido em centros administrados com verdadeiro profissionalismo pelas instituições públicas, mas é também um fato incontrastável que esse tipo de organização circunscreve sempre mais o espaço da gratuidade, elemento característico da vida religiosa. Por outro lado, a fragmentação social confina a dimensão religiosa e transcendente no âmbito do privado.

A diminuição drástica da mortalidade nesse modelo social não é lida tanto como dado estatístico, mas como aspecto que evidencia a mentalidade da sociedade do “bem-estar”. É evidente um certo hedonismo e egoísmo que aponta o prazer como um dos objetivos primordiais da vida, sem garantir o respeito dos outros ou da lei moral. Gravíssimas são as repercussões sobre a família: divórcios, entrega da educação dos filhos a outras pessoas, dificuldades ou manipulações nas relações interpessoais.

Fruto desses fenômenos é a difusão de uma cultura delineada por certo relativismo cético e pelo desencanto, que desafiam fortemente a Igreja, a vida religiosa e o carisma salesiano.

Falar da religião ou das religiões na Europa Oeste é verdadeiramente complicado. Diante das cifras de pertença oficial, encontram-se a práxis pessoal e a prática social (batismos, matrimônios, assistência na missa dominical, funerais), as crenças mais profundas, toda uma tipologia da vivência da experiência religiosa, que vai do crente convicto e coerente ao ateu prático ou ao diagnóstico mais radical. Isso se traduz de fato na crescente desafeição da Igreja, sobretudo por parte dos jovens. São muitos os artigos e os ensaios publicados nesses anos sobre o fato religioso. Em geral, são pessimistas. Basta ouvir os títulos: “Deve-se crer no futuro do cristianismo?”; [21] “O cristianismo tem um futuro?”; [22] “O cristianismo já viveu o seu tempo?”; [23] “Os últimos Moicanos?”; [24] “Catholicisme la fin d