Uma beatificação quase de surpresa – Santidade e martírio no ano santo – O martirológio do século XX – Santidade e martírio na Família Salesiana – O martirológio da Família Salesiana. – Padre José Kowalski: um caminho “salesiano” de crescimento – Caridade pastoral até à oferta da vida – O inconfundível toque mariano – Um testemunho excepcional. – Um grupo juvenil salesiano – Prisão e martírio. – Conclusão.
Roma, 29 de junho de 1999
Solenidade dos Santos Pedro e Paulo
Queridos irmãos,
Escrevo-lhes ao retornar de Varsóvia, Polônia, onde, no dia 13 de junho, pude participar da Beatificação de 108 mártires, entre os quais o nosso irmão P. José Kowalski e cinco jovens do nosso Oratório-Centro Juvenil de Poznan: uma graça e um motivo de alegria, quase de surpresa para a nossa Família.
O início do processo, de fato, remonta há apenas sete anos podendo-se chegar à Beatificação neste ano de vigília do grande Jubileu. Os nomes dos candidatos não figuravam na lista das nossas Causas de beatificação e eram conhecidos somente na própria pátria.
O itinerário da causa é curioso e tem um percurso providencial. Em 14 de junho de 1987 era beatificado em Varsóvia o bispo de Wladislawa Dom Miguel Kozal, morto em Dachau em 1943. A beatificação reacendeu o entusiasmo pelos não poucos mártires daquele mesmo período e exterminados, in odium fidei, em campos de concentração. Como a diocese que sofrera mais perdas (um sobre dois sacerdote) era também a do novo beato Miguel Kozal, a Conferência episcopal da Polônia confiava ao Bispo de Wloclawek-Vladislawa a tarefa de instruir o processo de todos os mártires poloneses caídos nos campos de extermínio de Dachau e Oswiecim. Estávamos em 1991.
Pessoas de várias categorias foram interessadas nessa vicissitude: bispos, sacerdotes diocesanos, religiosos, leigos, num total de mais ou menos cento e noventa, pertencentes a dezessete dioceses. Foram excluídos, na primeira fase dos trabalhos processuais, cerca de sessenta, por defeito de documentação suficiente e, posteriormente, outros vinte.
O grupo de candidatos à beatificação ficou então em cento e oito: três Bispos, cinqüenta e dois sacerdotes diocesanos, vinte e seis religiosos, três clérigos, sete religiosos irmãos, oito irmãs e nove leigos. À frente do grupo, o título oficial traz quatro nomes representativos de quatro categorias (bispos, sacerdotes, religiosos, leigos): Antônio Juliano Nowowiejski, Arcebispo; Henrique Kaczorowski, sacerdote; Aniceto Koplinski, religioso; Maria Ana Biernacka, leiga, e cento e quatro companheiros.
Entre os religiosos, estão representados muitos institutos, masculinos e femininos: Dominicanos, Franciscanos OFM, Franciscanos Conventuais, Capuchinhos, Carmelitas Descalços, Marianistas, Clarissas, Micaelitas, Oblatos, Concepcionistas, Orionitas, Palotinos, Irmãos do Coração de Jesus, Servas da Imaculada, Escolásticas de Notre Dame, Ursulinas, Irmãs da Redenção, Verbitas e nós Salesianos. É fácil imaginar a grande participação na beatificação, devida justamente ao amplo panorama de dioceses e Congregações.
O decurso veloz da Causa – o Decreto sobre o martírio foi lido só no último dia 26 de março[1] – não deu muito tempo aos preparativos, mas a notícia foi dada tempestivamente no número precedente dos Atos do Conselho Geral e no Boletim Salesiano[2] .
Multiplicam-se, agora, as iniciativas voltadas a tornar conhecidos os nossos novos beatos e buscar motivos para a nossa espiritualidade e estímulos para a nossa missão.
Também eu entendo inserir-me nesse movimento. Seguindo o propósito de dirigir-lhes algumas cartas de comunicação familiar, gostaria de traçar a figura espiritual dos beatos e colher o significado da sua glorificação na história da nossa Congregação.
A referência à santidade está contida na própria denominação do Jubileu, chamado de Ano “Santo”. Ele é a celebração da santidade de Deus, como Senhor misericordioso do acontecimento humano, que Ele torna história sagrada, de salvação, com a sua presença e revelação.
O Jubileu comporta consequentemente um olhar atento à santidade da Igreja. «O agradecimento dos cristãos, diz o Papa, estender-se-á aos frutos de santidade amadurecidos na vida de tantos homens e mulheres que, em todas as gerações e em todas as épocas históricas, souberam acolher sem reservas o dom da Redenção»[3] .
À luz desse convite o Santo Padre acrescenta um dado, comentado até pelos jornais, e dá a sua explicação: «Multiplicaram-se nestes anos as canonizações e beatificações. Elas manifestam-se muito mais numerosas hoje do que nos primeiros séculos e no primeiro milênio»[4] .
A luz de Cristo Ressuscitado reflete-se hoje intensamente em numerosas testemunhas distribuídas nos vários contextos e nas mais variadas condições. Elas tornam-se ponto de referência para a busca de sentido da existência humana e do discipulado de Cristo.
A Igreja também considera a santidade como carta vencedora para a nova evangelização do mundo que se apresenta em 2000. Trata-se de uma indicação, tudo mais que prevista, para pensar a nossa renovação, o nosso testemunho, o nosso futuro. «A maior homenagem que todas as igrejas prestarão a Cristo às portas do Terceiro Milênio, será a demonstração da presença onipotente do Redentor, mediante os frutos de fé, de esperança e de caridade em homens e mulheres de tantas línguas e raças, que seguiram a Cristo nas várias formas de vocação cristã»[5] .
Sublinha-se com força insólita, a lembrança dos mártires no contexto de ação de graças e do testemunho de santidade. Trata-se de um ponto que caracteriza o Jubileu, e tem uma certa importância entender-lhe o porquê. Ele é enumerado entre os grandes sinais da fase preparatória e de celebração, ao lado da oração de ação de graças[6] , da reconciliação e da penitência[7] , do pedido de perdão pelas responsabilidades nos males deste século[8] , da promoção da unidade dos cristãos[9] , da celebração dos sínodos continentais[10] .
A Bula de Convocação do Jubileu insere uma outra série de exigências que compreende a purificação da memória e o pedido de perdão[11] , a caridade pelos pobres e marginalizados e a cultura da solidariedade[12] .
A memória dos mártires não é, portanto, uma tarefa reservada a especialistas da história ou apenas uma celebração inserida na Liturgia, mas como que uma dimensão da pertença à Igreja.
De fato, na experiência de fé e na história da Igreja, o martírio aparece como o sinal das horas fecundas. Foi assim no nascimento e na primeira difusão do Cristianismo. Uma hora igualmente fecunda faz pressagiar o século XX em que a comunidade cristã «tornou-se novamente Igreja de mártires»[13] .
O martírio é a participação de forma viva e real do sacrifício de Cristo, quase uma Eucaristia. Exprime de forma extrema uma dimensão conatural e necessária da vida cristã que todos devemos entender, aceitar e assumir: a oferta da vida.
A existência cristã está, por isso, permanentemente aberta à eventualidade do martírio[14] , que se apresenta como uma graça que vem ao nosso encontro, mais do que como meta a aspirar, conquistar ou propor-se. Representa, também, o embate profético mais frontal entre o Espírito, a graça, as intenções e o estilo de vida proposto por Cristo e aquilo que é do mundo, entendido como conjunto de potências malignas.
Característica do século XX é, em primeiro lugar, a quantidade daqueles aos quais foi pedido o testemunho do sangue. «As perseguições relativas aos crentes atuaram uma grande semeadura de mártires em várias partes do mundo», afirma a TMA[15] , e acrescenta que essa quantidade fez com que muitos ficassem incógnitos «como soldados desconhecidos da grande causa de Deus»[16] .
Não é menos impressionante, porém, a variedade dos mártires, em relação à sua condição: entre eles estão bispos e sacerdotes, religiosos e leigos, homens e mulheres, jovens e anciãos, intelectuais e camponeses, profissionais e artistas.
Mais expressiva do que a hora jubilar que nos preparamos para viver é a união das diversas confissões cristãs no único testemunho de Deus e da dignidade do homem: católicos dos diversos ritos, ortodoxos, protestantes de diversas denominações. «O ecumenismo dos santos, dos mártires é, talvez, o mais convincente. A communio sanctorum fala com voz mais alta do que os fatos de divisões»[17] .
O testemunho dos mártires do século XX reveste-se também de um profundo significado antropológico, para o indivíduo e para a civilização, em vista das coordenadas do tempo e as circunstâncias do seu martírio: o contexto das grandes guerras, os sistemas totalitários, as ideologias atéias com pretensões e promessas de libertação e desenvolvimento, os fundamentalismos religiosos, os humanismos fechados e temporais. «Do ponto de vista psicológico, o martírio é a prova mais eloqüente da verdade da fé, que sabe dar uma face humana à mais violenta das mortes e manifesta a sua beleza também nas perseguições mais atrozes»[18] .
Recordando os mártires, retornamos à atormentada história deste século, caracterizado pelas grandes aspirações coletivas que pareciam justificar todo holocausto, pela luta sem quartel pelo domínio do mundo, pelos desvios com pretensões científicas.
«É um testemunho que não pode ser esquecido»[19] . «A Igreja, em todas as partes da terra, deverá continuar ancorada no seu testemunho e defender ciosamente a sua memória»[20] . Eles recordam, de fato, o sentido absoluto de Cristo na história do homem, «sinal daquele amor maior que compendia qualquer outro valor»[21] .
Insistiu-se repetidamente, a serviço da memória dos mártires, a intenção de escrever o martirológio do século XX, fazendo referência ao cuidado afetuoso com que a Igreja primitiva recolheu as atas e conservou a memória daqueles que tinham dado a vida por Cristo: «A Igreja dos primeiros séculos, embora encontrando notáveis dificuldades de organização, esforçou-se por fixar o testemunho dos mártires em martirológios apropriados. Esses martirológios constituíram a base do primeiro culto dos santos, no qual “entraram depois”, também, os mestres da fé, missionários, confessores, bispos, presbíteros, virgens, casais, viúvas, filhos»[22] .
A convergência sobre essa sensibilidade e a importância que o martírio tem na evangelização é percebida particularmente nos Sínodos.
Pude não só escutar as palavras, mas perceber o tom comovido da lembrança, a unção e a veneração com que o Sínodo da América, e sobretudo o da Ásia, nomeavam as grandes testemunhas da fé.
Foram recordados, no primeiro Sínodo, aqueles que deram a vida na primeira evangelização e os que pereceram em conflitos sociais ou sob as ditaduras. Tudo foi acolhido nesta passagem do documento A Igreja na América: «Entre os santos, a história da evangelização da América reconhece numerosos mártires, homens e mulheres, bispos, presbíteros e leigos… É necessário que o seu exemplo de dedicação sem limites à causa do Evangelho sejam não só preservados do esquecimento, com também mais conhecidos e difundidos entre os fiéis do continente»[23] .
A respeito do Sínodo da Ásia, quero trazer o que se refere à China, porque nos toca de perto. É conhecido o desejo do Papa de canonizar todos os atuais Beatos mártires da China, que são 120. Ele exprimiu esse auspício na homilia de Canonização do mártir Jean Gabriel Perboyre em 2 de junho de 1996: «Recordando Jean Gabriel Perboyre, desejamos unir todos os que deram testemunho no nome de Jesus Cristo em terras da China nos séculos passados. Penso particularmente nos Beatos mártires cuja canonização comum, desejada por numerosos fiéis, poderia ser um dia sinal de esperança na Igreja que está presente no seio daquele povo do qual permaneço próximo com o coração e a oração»[24] .
Reforçados também por esse pronunciamento, os padres sinodais pediram que fosse dado esse passo. Atraiu-me a atenção e a de muitos outros a intervenção de Dom Joseph Ti-Kang, Arcebispo de Taipé (Taiwan), que refletia o sentimento de muitos.
Os bispos da China – disse – manifestaram há tempo o vivo desejo de que estes heróis da fé cristã, os mártires, sejam declarados Santos.
Já em fevereiro de 1996 o Presidente da nossa Conferência Episcopal fizera um pedido nesse sentido a Sua Santidade, e Ele havia manifestado a intenção de satisfazê-lo. Informada disso, a Congregação das Causas dos Santos encarregou os Postuladores das Causas dos Grupos de Beatos Mártires Chineses a redigirem dossiês para comprovar a existência da fama signorum em substituição à prova de um milagre físico, pela impossibilidade de fazer na China uma pesquisa canônica a respeito.
Nós Bispos Chineses, contudo, declaramos a nossa persuasão de que «a perseverança dos cristãos chineses na fé vivida sob longa e brutal perseguição por quase meio século – como também o crescimento do número dos cristãos – constitui por si mesma um grande milagre concedido por Deus através da intercessão dos Beatos Mártires Chineses» aos quais os fiéis se dirigem em oração. A declaração oficial da nossa Conferência Episcopal acompanha os dossiês preparados pelos Postuladores.
Ousamos, portanto, pedir a Sua Santidade que proceda num futuro próximo à solene Canonização dos Beatos Mártires Chineses[25] .
Entre os mártires de todos os tempos e de todos os continentes, não poucos pertencem à Vida Consagrada. Também para eles augura-se uma atualização do martirológio. Sem dúvida, o carisma evidencia-se com particular clareza no martírio e dá a ele um caráter original. «Neste século, como em outras épocas da história – afirma Vita Consecrata – homens e mulheres consagrados deram testemunho a Cristo Senhor com o dom da própria vida. São milhares aqueles que, obrigados às catacumbas da perseguição de regimes totalitários ou de grupos violentos, hostilizados na atividade missionária, na ação em favor dos pobres e marginalizados, viveram e vivem a sua consagração no sofrimento prolongado e heróico, e muitas vezes com a efusão do próprio sangue, plenamente configurados ao Senhor crucificado. De alguns deles, a Igreja já reconheceu oficialmente a santidade honrando-os como mártires de Cristo. Eles iluminam o nosso caminho com o seu exemplo, intercedem pela nossa fidelidade, esperam-nos na glória.
É vivo o desejo de que a memória de tantas testemunhas da fé permaneça na consciência da Igreja como incitamento à celebração e à imitação. Os Instituto de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica contribuam nessa obra, recolhendo os nomes e os testemunhos de todas as pessoas consagradas, que possam ser inscritas no martirológio do século vinte»[26] .
Santidade e martírio na Família Salesiana
Os novos beatos poloneses entram a fazer a parte da já numerosa constelação de santos e candidatos aos altares da Família Salesiana. São trinta e nove ao todo, as causas de beatificação e canonização encaminhadas pela nossa Congregação. Eles referem-se a cento e trinta e nove filhos e filhas espirituais de Dom Bosco. Se acrescentarmos outros que, por diversos títulos, estão relacionados à Família Salesiana, embora suas causas sejam levadas adiante pelas respectivas dioceses ou pelos Institutos Religiosos (por exemplo, Pier Giorgio Frassati, Alberto Marvelli, Giuseppe Guarino…) o número chega perto dos cento e cinqüenta. Acrescentem-se aos atuais três canonizados e doze Beatos, outros doze dos quais já foi declarada a heroicidade das virtudes, enquanto dos demais, com sucesso, leva-se adiante o processo com a escuta das testemunhas, a redação da Positio ou o seu exame por parte dos competentes.
O panorama dos nossos santos é representativo dos diversos ramos da Família Salesiana: cento e dezesseis, incluindo os mártires, são membros da Congregação Salesiana e dez as Filhas de Maria Auxiliadora (entre as quais as duas mártires espanholas). Os jovens, com os novos mártires poloneses, chegam a oito e cobrem a adolescência e a juventude, dos 13 aos 24 anos. A sua santidade amadureceu em internatos e ambientes escolares, mas também no oratório e nos grupos juvenis. Os Cooperadores estão amplamente representados por quatro mulheres de diversas condições: Margarida Occhiena, mãe camponesa, Dona Dorotea de Chopitea, nobre mulher benfeitora, Alexandrina da Costa, pobre, sofredora e mística, Matilde Salem, também ela culta, de posição social rica. Acrescente-se Attilio Giordani, animador do Oratório. Há, depois, os ex-alunos, como Alberto Marvelli, Piergiorgio Frassati, Salvo d’Acquisto.
A geografia da santidade salesiana aparece também como universal, levando-se em consideração tanto os lugares de origem como os lugares onde os candidatos desenvolveram a própria missão por longos anos até à morte: a Europa apresenta-se com Itália, Espanha, Portugal, França, Bélgica, Eslováquia e República Checa. A América é representada pela Argentina, Chile, Peru, Brasil, Equador, Nicarágua, Colômbia. A Ásia, pela Palestina, Síria, Japão, China, Índia.
Não é menos admirável a diversidade de condições de vida e de trabalho. Contam-se Reitores Mores (três), Bispos (seis), fundadores de Institutos de vida consagrada (sete), inspetores e inspetoras, grandes missionários e missionárias, coadjutores, educadores e educadoras, professores de teologia em nível universitário. Para alguns não basta indicar genericamente a condição, porque a sua biografia é marcada por manifestações especiais de santidade: P. Elia Comini, morto num massacre de guerra, P. Komorek, já muito venerado em vida como santo pelo povo simples, Ir. Eusebia Palomino, típica figura de simplicidade e sabedoria evangélica.
As experiências em que a santidade exprimiu-se de modo especial são: a animação dos irmãos e irmãs na missão e na guia das comunidades, a caridade pelos pobres e doentes (Zatti, Srugi, Variara), o sofrimento pessoal levado com sentido visível de participação na paixão de Cristo (Beltrami, Czartoryski, Alexandrina da Costa), o trabalho missionário e as expressões originais da caridade pastoral.
Sob essa diversidade de origem, estados de vida, papel e nível de instrução, proveniência geográfica, existe uma única inspiração: a espiritualidade salesiana. Nela os candidatos às honras dos altares são como que a ponta de um icebergue que se apoia numa ampla plataforma formada por muitos irmãos e irmãs consagrados pela graça especial da consagração que os faz morada de Deus e santificados pelo empenho de tornar visível e próxima aos jovens essa presença nos passos de Dom Bosco. São, no conjunto, um tratado completo da nossa espiritualidade. Esta pode ser proposta de forma doutrinal, mas também pode ser narrada com vantagem através das biografias que aproximam muito mais os seus traços às circunstâncias quotidianas da existência.
Em nossa fileira de “santos” existem também nomes para um martirológio: centro e três são os mártires registrados. Outros, que pereceram em represálias de guerra ou em situações de conflito social, permanecem anônimos. Os cento e três correspondem a três grupos. O primeiro, em ordem de tempo quanto ao martírio e à beatificação, compreende os mártires da China: Dom Versiglia e P. Calisto Caravário. O caminho da sua causa é em andamento como o de todos os mártires da China.
Vêm depois os mártires espanhóis: noventa e cinco ao todo. Os de Valença e Barcelona, com o P. José Calasanz Marques à frente, somam trinta e dois; os de Madri, chefiados pelo P. Henrique Saiz Aparicio, são quarenta e dois; os de Sevilha, com o P. Luis Torrero à frente, são vinte e um.
No grupo dos noventa e cinco encontramos: trinta e nove sacerdotes, vinte e cinco coadjutores, vinte e dois clérigos, duas irmãs FMA, três cooperadores (entre os quais uma mulher), duas postulantes, um operário e um familiar ligados à comunidade salesiana.
A causa de martírio do grupo de Valença e Barcelona foi examinada pela comissão dos consultores teólogos em 22 de fevereiro de 1999 com resultado positivo. Prevê-se que a beatificação deles possa dar-se durante o ano santo, na data prevista para a beatificação de todos os mártires cujo processo de martírio já tenha sido concluído.
A maior celeridade tida pelo processo deste grupo, deve-se à iniciativa da Arquidiocese e à colaboração de sete famílias religiosas interessadas: Jesuítas, Menores Franciscanos, Capuchinhos, Dominicanos, Dehonianos, Capuchinhos da Sagrada Família e nós Salesianos.
A terceira área geográfica onde os acontecimentos históricos do século XX submeteram a Igreja, e nela a Congregação, à prova do martírio é o Leste Europeu: martírio publicamente consumado e portanto conhecido, mas em tantos casos desconhecido e parcial: cárcere, interrogatórios, sofrimentos, perseguições civis, supressão clandestina. A paixão teve início em 1917 para alguns nações e durou até à queda do muro de Berlim (1989), com pontos altos de particular dificuldade durante a guerra e no imediato após guerra. Nossas comunidades foram suprimidas ou limitadas em sua vida, meios e ações. Muitos de nossos irmãos foram levados temporariamente a campos de concentração, vigiados e interrogados. De todos eles queremos “conservar ciosamente a memória” como uma riqueza da nossa história de fidelidade.
O martirológio salesiano, variado pelos cenários, circunstâncias, causas imediatas do martírio e pelos irmãos que lhe são interessados, serve para muitas reflexões.
O visual “alegre” do salesiano, a sua profissão de bondade e a vontade de concordar, as suas atividades promocionais tornam quase distante a idéia do martírio. Contudo, o serviço pastoral ao povo e a dedicação educativa aos jovens não podem ser realizados sem a disposição que constitui internamente o martírio, ou seja, a oferta da vida e a conseqüente aceitação da cruz. A nossa missão, de fato, é dom de nós mesmos ao Pai para a salvação dos jovens segundo a modalidade que ele mesmo disporá. Pode-se dizer o mesmo da fidelidade à nossa consagração já comparada antigamente ao martírio cruento pelo seu caráter de oferta total e incondicional.
Vivemos o espírito do martírio na caridade pastoral quotidiana da qual Dom Bosco afirmava: «Quando um salesiano sucumbir trabalhando para as almas, a Congregação terá alcançado um grande triunfo»[27] . É interessante sublinhar, também, como ele recomendasse no contexto dessa oferta quotidiana, a disponibilidade à eventualidade do martírio cruento: «Se o Senhor, em sua Providência, quisesse dispor que alguns de nós sofressem o martírio, deveríamos assustar por isso?»[28] .
O grupo de mártires do Leste Europeu, que recordávamos, tendo à frente o P. José Kowalski, como representante de todos, atrai hoje a nossa atenção, graças à recente beatificação.
José Kovalski nascera em Siedliska, pequena cidade camponesa nas proximidades de Rzeszów, em 13 de março de 1911, filho de Wojciech e Sofia Borowiec, numa família de fé profunda e praticante. Foi batizado em 19 de março, festa de São José, na igreja paroquial de Lubenia, distante cerca de quatro quilômetros da cidade natal que, naquele tempo, não tinha uma igreja. Hoje, num terreno doado pela família Kowalski, surge uma moderna igreja em que foi colocada uma lápide comemorativa com a foto do P. José com o uniforme de prisioneiro do campo de concentração e com o número de encarcerado: 17.350.
Concluída a escola elementar, foi com 11 anos, segundo o desejo dos pais, para o Colégio São João Bosco de Oswiecim, onde ficou por cinco anos.
Recorda-se desses anos que ele “se distinguia por uma piedade não comum ”, que era hábil, diligente, alegre e serviçal; era amado por todos e colocado no número dos jovens melhores. Pertencia à companhia da Imaculada, era presidente do grupo missionário e animava iniciativas religiosas e culturais entre os companheiros. Disse uma testemunha do processo que ele e outros jovens como ele eram chamados de “santinhos”[29] .
Nada de estranho que amadurecesse nele o desejo de seguir os passos de seus educadores, e que estes vissem como graça os sinais de uma verdadeira vocação.
Pediu, com efeito, para ser salesiano e, em 1927, entrou no noviciado de Czerwinsk. Seguiram-se os anos de ginásio e filosofia em Cracóvia (1928-1931), o tirocínio que coroou com a profissão perpétua (1934) e o curso teológico normal com a ordenação sacerdotal em 1938.
Foi logo chamado pelo Inspetor P. Adam Cieslar como secretário e, nesse serviço, ficará nos três anos seguintes, até o dia da prisão. Ele é descrito como um irmão que se distinguia “por um surpreendente domínio de si e pela excepcional estima em relação a todos os irmãos”. Serviçal, gentil, sempre sereno e sobretudo muito trabalhador. Na medida em que o seu dever lhe permitia, dedicava-se ao estudo das línguas (italiano, francês, alemão), lia com interesse a vida do Fundador e preparava escrupulosamente suas homilias.
Os compromissos de secretário inspetorial não lhe impediam o ministério pastoral. Estava sempre disponível para pregações, conferências, sobretudo nos ambientes juvenis, e para o serviço das confissões. Dotado de um elevado senso musical, tendo também uma bela voz, ocupava-se na paróquia com um coro juvenil para dar solenidade às celebrações litúrgicas.
Será justamente a zelosa atividade sacerdotal entre os jovens a colocá-lo à vista e a motivar a sua prisão por parte dos nazista em 23 de maio de 1941, juntamente com outros onze salesianos.
Encarcerado provisoriamente em Cracóvia na prisão de Montelupi, foi transferido depois de um mês, com outros, ao campo de concentração de Oswiecim. Aqui viu quatro irmão serem morto. Entre eles o diretor P. José Swiere e o seu confessor P. Inácio Dobiaz. Marcado com o N