ACG-349
NO ANO DA FAMILIA
Introdução - Interpelações de nova evangelização - As atuais dificuldades - A Carta do Papa às famílias - O grande mistério - A genealogia da pessoa - Formação e animação da aliança conjugal - A educação sexual - A preparação para o matrimônio - O carisma de Dom Bosco e a família - A Santa Família de Nazaré
Roma, Solenidade do Sagrado Coração
10 de junho de 1994
Queridos irmãos,
Nestes últimos meses eu pude constatar, em várias partes do mundo, a bondade
de nosso Senhor para conosco: em algumas ele nos ajuda a começar com vitalidade
- como, por exemplo, em vários países da ex-União Soviética -, em outras faz
crescer e robustecer-se a fidelidade a Dom Bosco com corajosa criatividade
- como no Paraguai, na Argentina, no Brasil, na Espanha e na Itália, onde
estive há pouco. - Longas viagens de animação e de comunhão, algumas das quais
dedicadas a Visitas de conjunto que, na Argentina e no Brasil, permitiram
perceber a extraordinária qualidade das primeiras raízes plantadas pelo mesmo
Dom Bosco com opção previdente e audácia magnânima.
Seja olhando para o futuro (como na Rússia), seja olhando para o desenvolvimento
da semeadura de ontem (na América Latina, Espanha e Itália) a gente sente
a predileção de nosso Senhor e agradece a Cristo ressuscitado e elevado aos
céus, que nos dá continuamente o Espírito Santo com sua potência, sua criatividade,
sua proposta original de verdade salvífica para iluminar a mudança de epoca
que está exigindo Nova Evangelização.
A Congregação no mundo está claramente sob a ação do Espírito Santo; Ele conserva
a sua natureza carismática na forma viva de renovação ou de início, como se
Dom Bosco estivesse vivo nas várias situações geográficas, para responder
generosamente às interpelações da juventude carente. Assim, pelo menos, nas
visitas que pude fazer nestes meses.
Ao mesmo tempo que a vitalidade do crescimento, o Espírito impele-nos a entender
sempre melhor o mistério da cruz e a sentir-nos discípulos de Cristo com os
olhos do coração voltados também para o martírio.
Estamos acompanhando com intensa solidariedade os nossos irmãos de Ruanda
e seguimos, desconcertados mas com esperança, as terríveis desventuras do
povo ruandense, sobretudo de sua juventude, pedindo ao Espírito do Senhor
que nos indique logo um modo concreto de ajuda e de nova presença naquela
amada nação.
Sentimo-nos todos chamados a rezar, a ren?ovar-nos, a participar com sacrifícios
e a colaborar.
Interpelações de Nova evangelização
Como sabeis, queridos irmãos, estamos vivendo na sociedade e na Igreja o Ano_da_Família.
Perguntei-me o que isso possa significar para nós. E sinto a responsabilidade
de convidar-vos a refletirmos juntos sobre a sua importância e sobre as exigências
que isso comporta para nossa renovação educativa e pastoral.
Por que a Organização das Nações Unidas proclamou 1994 Ano_internacional da_Família?
Certamente para evidenciar o quanto a questão familiar seja fundamental para
os Estados.
A Igreja acolheu com alegria esta iniciativa e a ela aderiu oficialmente:
na festa da Sagrada Família de 1993 (26 de dezembro) ela deu início em Nazaré,
com a solene celebração presidida pelo Legado Pontifício, à própria adesão
a este assunto tão vital para a comunidade eclesial do mundo.
Assistimos nos meses passados a múltiplas atividades que concentraram a nossa
atenção sobre a família hoje. Numerosas Inspetorias salesianas também realizaram
louváveis iniciativas. Será suficiente esta sensibilização um tanto geral?
O assunto "família" é muito importante para nós para que o abandonemos com
a conclusão deste Ano. Devemos considerar 1994 como uma janela aberta sobre
um vasto horizonte que toca a atualidade do nosso carisma e oferece tantos
aspectos urgentes e novos à nossa missão de Nova Evangelização.
É oportuno, pois, que nos entretenhamos seriamente a respeito de como o tema
da Família interesse profundamente ao nosso processo de renovação. Servirá
para que nos sintamos mais situados "no coração da Igreja" e mais inseridos
de forma solidária "com o mundo e com sua história". O Espírito do Senhor
suscitou-nos no Povo de Deus com uma tarefa específica de "pastoral juvenil".
Sabemos, e temo-lo repetido várias vezes, que não se pode realizar uma autêntica
pastoral juvenil sem uma relação concreta e harmônica com a "pastoral familiar".
Questionemo-nos: poderá, hoje, um educador formar a pessoa de seus jovens
sem aprofundar, esclarecer e fazer reviver os valores da família? Será possível,
na Igreja, fazer nova evangelização sem retomar profundamente e com novidade
os temas da sexualidade, do matrimônio e da vida conjugal?
As atuais dificuldades
É fácil ouvir falar hoje de esfacelamento da família, embora na verdade nem
tudo seja ruína. É verdade que olhando ao nosso derredor percebemos uma situação
muito triste. A crise fere-nos mais ainda se, com a memória, vamos até às
nossas famílias de ontem, cheias de amor cristão, transbordantes de vida e
testemunhas de sabedoria na simplicidade. Os tempos mudaram de certo e é preciso
repensar também as modalidades de convivência conjugal, desde que não se destrua
a natureza perene da família.
Se observarmos certas formas novas de convivência, a elasticidade do vínculo
matrimonial, tão celebrada nos meios de comunicação, o alarmante fenômeno
da natalidade negativa, a mentalidade permissivista a respeito do aborto,
o contínuo aumento de "órfãos de pais vivos", até o reconhecimento legal de
casais homossexuais, entende-se porque não se queira definir nem descrever
para uso legislativo e social um conceito oficial de família: muitos não aceitam
que ela seja fundamentada no amor conjugal de um homem e uma mulher unidos
em matrimônio indissolúvel qual santuário da vida. Se a família perder, porém,
a sua identidade não poderá mais ser considerada como a célula fundamental
da sociedade.
Já o CG23 recordava: "Diversas famílias nos vários contextos são hoje investidas
por uma grave crise marcada pelo enfraquecimento das ligações internas e por
uma exagerada busca de autonomia. Muitos jovens sofrem as consequências desta
desagregação familiar, causada pela infidelidade, pela superficialidade das
relações, pelo divórcio, pela miséria, pelo alcoolismo ou pela droga. Aumenta
o número de pessoas psicologicamente despreparadas para a paternidade ou para
a maternidade, incapazes de dar afeto aos filhos ou ao companheiro. Estas
situações criam em muitos jovens graves consequências que se manifestam em
vistosas carências afetivas, inseguranças, desadaptação, risco de desvio".
Abrem-se, infelizmente, as portas a uma falsa modernidade com perigosos permissivismos,
alterações éticas, convivências transitórias, libertinagem sexual, carências
de responsabilidades educativas, etc., com a grave perda dos assim chamados
"direitos da família", estritamente relacionados com "os direitos do homem".
Assiste-se, como consequência, a uma decadência social com efeitos negativos
irreparáveis; deve-se temer um pós-cristianismo, ou seja uma situação social
de paganismo que renuncia - depois de vinte séculos de Evangelho - à luz e
à graça de Cristo.
Vem espontâneo pensar na página tão escura da carta de São Paulo aos Romanos:
"Deus os abandonou aos seus desejos: deixaram-se levar a todo tipo de impureza
a ponto de se comportarem de modo vergonhoso uns para com os outros...". O
apóstolo apresenta uma pesada descrição da Roma paga~ de tantos séculos atrás,
mas também hoje em não poucos ambientes (infelizmente sempre mais numerosos,
sobretudo quando se desconhece a função específica da família) assiste-se
a condições de vida indignas e desumanas: uma "anti-civilização".
As atuais dificuldades ressaltam a urgência de recorrer às defesas; a família
deve permanecer o horizonte vital do ser pessoa; sua crise comporta no mundo
uma perda de humanidade. Justamente "a Igreja considera o serviço à família
uma de suas obrigações essenciais. Neste sentido, tanto o homem quanto a família
constituem 'o caminho da Igreja'".
Assistimos hoje, até mesmo a um desencontro - sobre este tema - entre o Vaticano
e a ONU. Objeto do contraste é a apresentação do documento final da 3ª Conferência
sobre população e desenvolvimento que se abrirá no Cairo no próximo 5 de setembro.
Existe por parte do Papa e da Sé Apostólica, uma sequência de intervenções
públicas e de iniciativas com dura crítica ao esboço do documento final. Escreve
João Paulo II: "é para mim causa de grande preocupação"; "existe a tendência
de promover o direito internacionalmente reconhecido para poder abortar a
pedido"; "a visão da sexualidade que inspira o documento é individualista";
"o matrimônio é ignorado como se pertencesse ao passado"; "a família não pode
ser manipulada...".
Se prevalecerem na Conferência do Cairo os encaminhamentos da Comissão preparatória,
legalizar-se-á um estilo de vida distante do Evangelho que facilitará a contracepção,
o aborto, as uniões livres, a homosexualidade, tudo em contraste com a renovação
da família segundo o Evangelho.
Nós Salesianos devemos seguir com coração pastoral esta contenda "cultural"
e saber defender com força a identidade da família, assim como no-la apresenta
a verdade de Cristo e as exigências da nossa profecia de educadores.
Infelizmente emerge uma forte crise de verdade, sobretudo de verdade salvífica:
"o racionalismo moderno não suporta o mistério. Não aceita o mistério do homem,
macho e fêmea, nem quer reconhecer que a verdade acabada sobre o homem foi
revelada em Jesus Cristo". É bom, portanto, que vejamos de novo em síntese
a verdade crista~ sobre a família.
A carta do Papa às famílias
No dia 2 de fevereiro, festa da Apresentação do Senhor, SS. João Paulo II
enviou uma preciosa carta (uma centena de pequenas páginas) às "famílias":
ela começa justamente com a afetuosa expressão: "queridas famílias".
Nela o Papa enfrenta com coragem, profundidade e clareza os complexos problemas
do atual desconforto da família e propõe uma robusta síntese da relativa verdade
crista~. É indispensável permitir que seus ricos conteúdos floresçam em nossa
consciência de educadores. É preciso reler e estudar esta carta. Não tem sentido
entrincheirar-se em costumeiras desculpas: muitos documentos, reflexões difíceis,
estilo complexo, mensagem não destinada diretamente a nós.
A família é certamente uma das "novas fronteiras" da evangelização e está
profundamente relacionada, como já dissemos, à missão juvenil e popular do
nosso carisma. De outro lado, o Santo Padre na carta, dirige-se também a nós:
"às famílias religiosas e às pessoas consagradas, aos movimentos e às associações
de fiéis leigos": o tema da família é muito importante para todos e, de modo
certamente privilegiado, para os educadores na fé.
Impressiona a declaração de alta responsabilidade expressa pelo mesmo Papa
no texto: "falo com_a_potência_da_verdade_de_Cristo ao homem do nosso tempo,
para que compreenda que grandes valores constituam o matrimônio, a família
e a vida; que grandes perigos constituam o desrespeito destas realidades e
a pouca consideração pelos supremos valores que fundamentam a família e a
dignidade do ser humano".
Ele assegura que a doutrina crista~ sobre a família é um verdadeiro "tesouro
da Igreja"; é "a grande revelação: a primeira descoberta do outro"; está "verdadeiramente
colocada no centro da Nova Aliança". E observa com aguda visão pastoral que
"a_família_encontra-se_no__centro_do_grande_combate_entre_o bem_e_o_mal".
Alí brilha a verdade de Cristo e alí escurece a mentira do erro. Trata-se,
pois, de uma carta particularmente importante que oferece a quem deve educar
na fé, os principais elementos orientativos para uma nova evangelização (e
por isso também para uma nova educação).
Vejamos, porém, quais são estes elementos fundamentais.
Deduzimo-los do próprio texto da carta de forma concentrada e estimulante,
que nos leva a meditar com mais atenção e diretamente a palavra do Papa. É
doutrina conhecida e apresentada também no Catecismo da Igreja Católica, mas
reunida sinteticamente ao redor deste tema, ela se torna um "Evangelho_da
família para o homem de hoje num aspecto concreto de sua vida, colocado nada
menos que "no centro do grande combate entre o bem e o mal".
O grande mistério
É sintomatico constatar que a família existe no início, tanto da criação do
homem como de sua redenção. Olhando para ela entende-se de verdade o que é
o homem e em que consista o seu mistério.
A carta do Papa fala de "mistério" não só em referência ao indivíduo homem,
mas também e fundamentalmente em referência à família. É o "grande mistério"
acenado por São Paulo na carta aos Efésios. O Apóstolo dá uma nova impostação
ao argumento, fundado sim sobre Adão e Eva para a tradição do Antigo Testamento,
mas que se refere propriamente ao amor esponsal de Cristo por sua Igreja.
"Não se pode compreender a Igreja como Corpo Místico de Cristo, como sacramento
universal de salvação - comenta o Santo Padre-, sem se referir ao 'grande
mistério', unido à criação do homem macho e fêmea e à vocação de ambos ao
amor conjugal, à paternidade e à maternidade. Não existe o 'grande mistério',
que é a Igreja e a humanidade em Cristo, sem o 'grande mistério' expresso
no ser 'uma só carne' (cf. Gn 2,24; Ef 5,31-32), ou seja na realidade do matrimônio
e da família".
Aprofundando a doutrina crista~ sobre a família responde-se também à questão
fundamental sobre o que é o homem.
O "mistério" de onde se parte é Deus, não simplesmente como ser supremo atingido
pela razão, mas na intimidade de sua essência e vida divina atingida por revelação
com a fé. "Mistério" para nós não significa nem enigma nem problema, mas a
verdade mais bela, mais intensa, mais iluminadora, mais fascinante, a ponto
de não se poder contemplá-la em visão direta para esgotar-lhe os tesouros,
mas sem a qual toda a realidade permanece obscura para nós. Esta verdade suprema
é o Amor trinitário, muito mais rico e superabundante de quanto nos digam
as reflexões sobre o ser metafísico do Ente supremo. É a esta íntima realidade
divina que se refere a "imagem" e a "semelhança" da realidade humana: uma
originalidade absoluta, que transcende a analogia do "ser subsistente" para
elevar-se a uma analogia do "amor trinitário".
Deus, porém, não tem corpo; é puro espírito; é a vida. As características
humanas próprias da masculinidade e da feminilidade, da paternidade e da maternidade,
são expressões de seu mistério que se manifestam analogicamente e em forma
complementar no homem e na mulher. "Deus criou o homem à sua imagem; à sua
imagem Deus os criou; macho e fêmea os criou". "Nenhum dos seres vivos, a
não ser o homem - afirma o Papa -, foi criado 'a imagem e semelhança de Deus'.
A paternidade e a maternidade humanas, embora biologicamente_semelhantes às
dos demais seres da natureza, têm em si, de modo essencial e exclusivo, uma
'semelhança'_com_Deus, em que se fundamenta a família, entendida como comunidade
de vida humana, como comunidade de pessoas unidas no amor".
Esta dualidade originária - macho e fêmea - exige uma aliança conjugal no
amor, toda orientada para a plenitude da vida: "sede fecundos e multiplicai-vos,
enchei a terra; submetei-a".
Este mistério original de Adão e Eva é assumido e aperfeiçoado pelo segundo
Adão (Cristo) e pela segunda Eva (Maria e a Igreja). O "esposo" aqui é o mesmo
Deus feito homem, que ama a Igreja "até o fim", e a "esposa" é a mesma Igreja
que vai regenerando a humanidade com o dom_sacramental da vida nova, sobretudo
através do Batismo e da Eucaristia, que "são os frutos do amor com que o Esposo
amou até o fim, amor que constantemente se expande, dá generosamente aos homens
uma crescente participação na vida divina".
Deve-se concluir que o grande mistério consiste em considerar a família como
peculiar participação do amor divino a ser aprofundado na dimensão sexual
de cada um dos indivíduos, na aliança conjugal do matrimônio, na fecundidade
do dom da vida segundo uma paternidade e uma maternidade responsáveis. O Papa
fala justamente da construção de uma "civilização do amor" que parta da renovação
profunda das famílias, que constituem "o centro e o coração" desta civilização.
Por isso é preciso convencer-se de que "sem a consciência de que Deus é 'Amor',
e que o homem (criado à sua imagem) é a única criatura na terra chamada por
Deus é existência 'por si mesma'", jamais se chegará ao verdadeiro amor na
família e na sociedade. "O homem criado à imagem e semelhança de Deus não
pode 'encontrar-se plenamente' se não através do dom sincero de si. Sem este
conceito de homem, de pessoa e de 'comunhão de pessoas' na família, não pode
acontecer a civilização do amor; reciprocamente, sem a civilização do amor
é impossível um tal conceito de pessoa e de comunhão de pessoas". Sem a verdade
crista~ abre-se a porta (infelizmente já escancarada) a uma "anti-civilização"
que destrói o verdadeiro amor "nos vários âmbitos de sua expressão, com inevitáveis
repercussões sobre o conjunto da vida social".
A genealogia da pessoa
A carta do Papa introduz-nos no tema de fundo sobre o mistério de cada homem:
o de seu ser pessoa. "Na biologia da geração - diz-nos - está inscrita a genealogia
da pessoa". Sabemos, como assegura-nos o Catecismo da Igreja Católica, "que
cada alma espiritual é criada diretamente por Deus - não é 'produzida' pelos
pais - e é imortal". De outro lado "a unidade da alma e do corpo é tão profunda
que se deve considerar a alma como a 'forma' do corpo: isto significa que
graças à alma espiritual o corpo composto de matéria é um corpo humano e vivo;
no homem, espírito e matéria não são duas naturezas justapostas, mas a união
delas forma uma única natureza".
O corpo do homem representa o vértice do mundo material e "participa da dignidade
de 'imagem de Deus'; é corpo humano justamente porque é animado pela alma
espiritual".
A pessoa é constituída por tudo aquilo que é humano, incluindo certamente
também a sexualidade (a pessoa-macho, e a pessoa-fêmea), mas é caracterizada
por uma dimensão de transcendência que a faz referir-se diretamente a Deus-Amor
porque feita à sua imagem e semelhança.
Assim também a paternidade e maternidade dos genitores, embora enraizadas
evidentemente na biologia, superam-na pela qualidade espiritual que procede
da alma. A geração humana distingue-se de qualquer outra geração sobre a terra:
ela "é a continuação da criação".
Na paternidade e maternidade humanas Deus mesmo está presente; por isso, afirma
o Papa: "na biologia da geração está inscrita a genealogia da pessoa. Também
o novo ser humano, não diversamente dos genitores, é_chamado à existência
como pessoa, é chamado 'à_vida_na_verdade_e_no_amor'. Tal chamada não se abre
somente ao que está no tempo, mas em Deus abre-se à eternidade. Esta é a dimensão
da genealogia da pessoa que Cristo nos revelou em definitivo, lançando a luz
de seu Evangelho sobre a vida e a morte humana, e, portanto, sobre o significado
da família humana".
Com razão o Concílio Vaticano II afirmou com singular clareza que o homem
"na terra é a única criatura que Deus quis por si mesma!".
"Ser homem", macho ou fêmea, é a vocação fundamental de cada pessoa, que existe
"por si mesma" embora inscrita ao mesmo tempo na família e na sociedade. Cada
filho é o coroamento do amor conjugal e um precioso dom à família; coroa assim
o vivo desejo dos pais; mas devem eles querer o filho "por si mesmo" da mesma
forma que o quer o Criador: "a genealogia da pessoa - repete o Papa - está
unida, antes de tudo, à eternidade de Deus, e somente depois à paternidade
e maternidade humanas que atuam no tempo".
Evidentemente derivam desta visão mistérica da família importantes consequências
quer para a pessoa do filho, quer para os pais e a família, quer para a Sociedade,
quer para a Igreja. E aqui apresenta-se para nós todo um campo concreto de
ação educativa e evangelizadora, que exige um maior repensamento sobre alguns
aspectos do nosso empenho apostólico num momento de nova evangelização.
Podemos fixar a atenção em três aspectos ligados à pastoral da família; são
três aspectos que tocam explicitamente a nossa missão e que me parece nem
sempre tenham suficiente atenção em nossos empenhos educativo-pastorais. Eles
constituem certamente uma fronteira da nova evangelização e da nova educação.
Ei-los: a formação e animação da aliança conjugal entre os esposos; a educação
sexual nos jovens; a preparação ao matrimônio na pastoral educativa.
Formação e animação da aliança conjugal
Compete-nos, por razões diversas (paróquias, associações de cooperadores e
ex-alunos, condição de atividade com colaboradores leigos, etc.), acompanhar
com preocupação evangelizadora vários grupos de esposos: não podemos frustrar
a animação de sua aliança conjugal de acordo com o Evangelho. Trata-se de
sua vida quotidiana. É um serviço apostólico que somos chamados a oferecer
interessando-nos também de seus problemas, especialmente a respeito da educação
dos filhos.
Como fundamento-base de toda família existe o pacto matrimonial, no qual um
homem e uma mulher "mutuamente se dão e se recebem" numa profunda aliança
conjugal de serviço à vida. O seu amor recíproco é confirmado e aperfeiçoado
pela respectiva paternidade e maternidade, que faz deles colaboradores da
maravilhosa potência criativa de Deus. A aliança conjugal implica "o dom de
si" pleno e irrevogável de um ao outro. Infelizmente, a experiência ensina
que este sublime projeto do Criador foi ferido pelos egoísmos do pecado. Assim
a sexualidade, o matrimônio, a família, a educação dos filhos padeceram fortes
desvios ao longo da história. Neste Ano_da_Família a Igreja nos chama a ser
evangelizadores da aliança conjugal. O Evangelho de Cristo proclama explicitamente
que o dom de si de um cônjuge ao outro é tão profundo e íntimo que comporta
"o caráter indissolúvel do matrimônio, como fundamento do bem comum da família".
O matrimônio é uma "comunhão de pessoas" abertas à "geração de pessoas": "só
as pessoas são capazes de existir em comunhão".
Esta comunhão no matrimônio é orientada para a paternidade e para a maternidade
enraizadas na biologia do macho e da fêmea, mas humanizadas e sublimadas pelo
hálito espiritual de suas almas e lançadas a ainda maiores sublimes metas
pela fé no projeto de Deus salvador, como o podemos contemplar na Santa Família
de Nazaré.
Nós Salesianos falamos há tempo de um nosso Projeto-leigos e o próximo Capítulo
Geral (CG24) enfrentará justamente este tema. Olhando para os leigos referimo-nos
também, sem dúvida, a não poucas famílias. Penso, por exemplo, nas Associações
de pais em nossas obras, nas Ma~es catequistas e, entre os Cooperadores, em
tantos jovens casais que formaram (por ex. na Espanha) grupos especiais de
"Hogares Don Bosco", ou seja, lares animados por irmãos para o aprofundamento
e o crescimento dos valores humanos e cristãos de seu matrimônio; e ainda
há todo o trabalho pastoral a ser realizado em nossas inúmeras paróquias.
O Papa, na Exortação apostólica Familiaris_consortio, falando da contribuição
dos Religiosos e das Religiosas a favor da família, afirma: "gostaria de acrescentar
uma exortação mais urgente aos responsáveis dos Institutos de Vida consagrada,
para que considerem - sempre no substancial respeito do carisma próprio e
originário - o apostolado dirigido às famílias como uma das tarefas prioritárias,
que se tornou mais urgente pelo atual estado das coisas".
A nossa formação permanente deve incluir oportunamente este aspecto de nova
evangelização em suas programações; em todos os lugares se sente a sua necessidade.
"Em nossos dias - diz o Catecismo da Igreja Católica -, num mundo muitas vezes
estranho e até mesmo hostíl à fé, as famílias que crêem são de fundamental
importância, como lares de fé viva e irradiante. É por este motivo que o Concílio
Vaticano II, usando uma antiga expressão, chama a família de Ecclesia_domestica
- Igreja doméstica. É no seio da família que 'os pais devem ser para seus
filhos, com a palavra e com o exemplo, os primeiros anunciadores da fé, e
secundar a vocação própria de cada um e, de modo especial de consagração'".
A família entra nas tarefas essenciais da missão da Igreja: é verdadeiramente
"seu caminho". Ela é a "primeira escola" do ser homem; os esposos são "educadores"
justamente porque "pais"; a paternidade e a maternidade representam uma tarefa,
uma responsabilidade e um direito também cultural e espiritual. Deus ao criar
a pessoa por si mesma, confia-a depois, de fato e plenamente, à família.
É nela que "se exerce de maneira privilegiada o sacerdócio_batismal do pai
de família, da ma~e, dos filhos, de todos os membros da família, 'com a participação
aos sacramentos, com a oração e o agradecimento, com o testemunho de uma vida
santa, com a abnegação e a operosa caridade'. O lar é assim a primeira escola
de vida crista~ e 'uma escola de humanidade muito rica'. É aqui que se aprende
o esforço e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso, sempre
renovado, e sobretudo o culto divino através da oração e da oferta da própria
vida".
As relações recíprocas entre os cônjuges e com os filhos "são inspiradas e
guiadas pela lei da 'gratuidade' que, respeitando e favorecendo em todos e
em cada um a dignidade pessoal como único título de valor, torna-se acolhida
cordial, encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso,
solidariedade profunda".
Na aliança conjugal encontra-se o ambiente primeiro e mais propício para "humanizar
e personalizar"; colaborando dessa forma na construção da sociedade e da Igreja.
No Sínodo de 1980 os Bispos pediram ao Papa que empenhasse a Sé Apostólica
na elaboração de uma "Carta dos direitos da Família". O Santo Padre acolheu
o pedido e a "Carta" pode ser publicada em 1983 (12 artigos). Trata-se de
um documento muito orientador (particularmente a nível dos responsáveis da
sociedade). Vale a pena reler este documento hoje. Ao apresentá-lo, a Sé Apostólica
"dirige um apelo particular a todos os membros e instituições da Igreja para
que dêem testemunho claro das convicções crista~s a respeito da insubstituível
missão da família, e procurem que as famílias e os pais recebam o necessário
apoio e encorajamento para realizarem a tarefa a eles confiada por Deus".
Existe em nossa tradição salesiana um clima característico de convivência,
que nos habilita a sermos especialistas da comunhão de pessoas. Pensemos naquele
"espírito de família" que deve modelar cada uma de nossas "casas" com afeto,
acolhida, partilha: "em clima de confiança mútua e perdão quotidiano, experimenta-se
a necessidade e a alegria de tudo compartilhar, e as relações se regem não
tanto pelo recurso às leis quanto pelo movimento do coração e da fé".
Devemos considerar este simpático aspecto do nosso espírito, não como um tesouro
a esconder, mas como um precioso dom a compartilhar com outros. Beneficiar-se-ão
dele, não só tantas famílias, mas nós mesmos seremos enriquecidos por valores,
também culturalmente novos, que estão crescendo nas melhores famílias.
Mais de uma vez, infelizmente, não poucas famílias encontram-se de fato (quem
sabe também independente da vontade de um dos cônjuges e da preparação tida)
numa situação não ideal e dolorosa. Nossa experiência de vida comunitária
de perdão e de paciência pode ajudar as pessoas interessadas a administrar
estas situações tirando o maior proveito possível, sem afastar-se do Evangelho
e da Igreja.
Trata-se de uma tarefa pastoral muito delicada e bastante frequente. Trata-se
de salvar as "pessoas" também nos perigos de naufrágio.
A educação sexual
Já como fruto do Sínodo 1980, dedicado expressamente à família, sublinhava-se
a urgência de saber evangelizar a educação sexual dos jovens: "Perante uma
cultura que, em grande parte, 'banaliza' a sexualidade humana - escreve o
Papa na Exortação apostólica Familiaris_consortio -, porque a interpreta e
vive de modo redutivo e empobrecido, ligando-a unicamente ao corpo e ao prazer
egoísta, o serviço educativo dos pais (e, por subsidiariedade, dos outros
centros educativos) deve apontar decididamente para uma cultura sexual que
seja verdadeira e plenamente pessoal; a sexualidade, com efeito, é uma riqueza
de toda a pessoa - corpo, sentimento e alma - e manifesta o seu significado
íntimo em levar a pessoa ao dom de si no amor". Devemos reconhecer que a interpretação
simplesmente biológica do sexo, resulta parcial e redutiva porque descuida
a unidade fundamental da pessoa e a sua promoção integral enquanto imagem
e semelhança de Deus. A ótica crista~ põe no vértice da pessoa a capacidade
de "amar" superando os egoísmos e os desvios do erotismo. A autêntica educação
sexual deve ser envolvida claramente na mais ampla educação ao amor como dom
de si. Certamente existe todo um delicado campo no âmbito biológico e psicológico
do sexo, muito importante e do qual não é preciso nunca fazer um tabú, ma
que não será autenticamente humano se for considerado apenas a nível animal.
A sexualidade é um dinamismo difuso e operante em todo o ser integral do macho
e da fêmea; a pessoa humana é toda sexuada, mesmo se a sexualidade é apenas
um de seus aspectos constitutivos. O sexo caracteriza o eu de cada indivíduo
humano e influi no desenvolvimento como uma força primordial, sobretudo para
levar a formação da personalidade ao verdadeiro amor até o nível do dom de
si em forma oblativa.
Em todo caso, quando se pensa no aspecto de "imagem e semelhança" de Deus
é preciso recordar que a analogia comporta uma distância incalculável e, portanto,
a ser aplicada com critério: Deus com o seu amor "cria" o bem; o homem, diversamente,
quando ama é despertado e atraído pelo bem, em seus múltiplos níveis de apelo.
Afortunadamente o Verbo de Deus se fez homem e nos ensinou o amor oblativo
do homem como imagem de Deus. Se existe, porém, um campo onde a tragédia do
pecado semeou a ruína, é justamente o amor. De aqui a importância e a urgência
de uma cuidadosa educação sexual relativa à formação de cada pessoa para o
amor.
Abre-se aqui também, o delicado problema da co-educação, hoje amadurecido
em muitas culturas, de um modalidade de ação educativa pedagogicamente mais
complicada. Os dois sexos, complementares entre si, exigem que as pessoas
sejam formadas, por um lado, segundo as exigências específicas de cada um
dos sexos e, de outro, que se cultive nelas um tipo de reciprocidade que reforce
e torne possível o crescimento da sexualidade segundo a dignidade específica
das pessoas.
A experiência ensina que isto não resultará efetivo sem uma espiritualidade
juvenil: amor, sexualidade, espiritualidade devem estar intimamente unidas
no processo de educação à fé. E aqui se insere necessariamente a educação
à vocação que é, em qualquer estado de vida, justamente uma concreta formação
ao amor como dom de di si.
Na Exortação apostólica Familiaris_consortio o Santo Padre, falando da educação
sexual, afirma: "É totalmente irrenunciável neste contexto a_educação para_a_castidade,
como virtude que desenvolve a autêntica maturidade da pessoa e a torna capaz
de respeitar e promover o 'significado esponsal' do corpo. Antes, os pais
cristãos (e os educadores) reservarão uma particular atenção e cuidado, discernindo
os sinais da chamada de Deus, para a educação à virgindade, como forma suprema
daquele dom de si que constitui o sentido mesmo da sexualidade humana".
Considerada nesta visão integral, a educação sexual reúne e concretiza vários
aspectos da formação para a fé, próprios de nossa missão e tradição. Recordemos
quanto já recomendara o CG23 ao falar da educação para o amor. Vale a pena
reler os números 192 a 202: A_educação_para_o_amor. Assim, por exemplo, o
n. 195: "O salesiano, atento em sua ação educativa em favorecer e promover
o amadurecimento dos jovens, sente hoje um especial_empenho_em_educar_para_o
amor. Está convencido de que o mistério de Cristo, sua vida e seus acontecimentos,
constituem propriamente a revelação plena e normativa do verdadeiro amor.
A experiência típica de Dom Bosco e o conteúdo educativo e espiritual do Sistema
Preventivo orientam-no para algumas opções simples mas eficazes".
Alguém, um tanto presuntuoso, notou que toda a preocupação demonstrada por
Dom Bosco pela pureza dos adolescentes e dos jovens já não teria hoje um valor
de primeiro plano. Erro grave! Infelizmente houve (em consequência das mudanças
culturais) uma flexão a respeito; mas é indispensável rever e recuperar, em
sintonia - certamente - com a evolução cultural. Se na "formação à pureza"
falássemos com competência da "educação sexual" no sentido integral com que
o Papa fala, e incluindo-a na "espiritualidade juvenil" para o amadurecimento
da pessoa no amor oblativo, eu creio que faríamos reviver a insistência de
Dom Bosco, de forma atualizada, sobre um aspecto central do bem dos jovens.
Sim: a nova evangelização a respeito da educação sexual, da formação para
a amizade, da guarda do coração, da valorização do matrimônio e da virgindade
ou celibato, constitui para a juventude o mais válido serviço na educação
ao amor e demonstra quotidianamente, ao longo do processo educativo, que cada
pessoa humana é "vocação" e que a compulsão sexual não é um tabú mas um dinamismo
querido por Deus no contexto global da grandeza e dignidade da pessoa.
O Catecismo da Igreja Católica reconhece com acerto que "a sexualidade exerce
uma influência em todos os aspectos da pessoa humana, na unidade de seu corpo
e de sua alma. Ela concerne particularmente à afetividade, à capacidade de
amar e de procriar e, num modo mais geral, à disposição de entretecer relações
de comunhão com outros".
A preparação para o Matrimônio
O alargamento da idade juvenil introduziu em nossas presenças educativas (oratórios,
paróquias, pensionatos, associações laicais, etc.) uma mais cuidadosa atenção
para a preparação ao matrimônio. Mesmo antes do noivado, e além deste aspecto,
a formação da pessoa para o amor, que é a essência de toda educação, deve
orientar o projeto educativo a fim de bem preparar para o matrimônio.
Este é um aspecto da pastoral vocacional (o matrimônio é a vocação ordinária
da maior parte dos jovens) a ser considerado em conjunto - mesmo se com acentuações
e modalidades diversas - com a vocação à vida consagrada.
Para o desenvolvimento de toda vocação é indispensável uma boa e constante
formação para o amor. O amor, com efeito, é um dinamismo fundamental e inato,
mas que pode desviar-se com facilidade, com prejuízo da pessoa: em lugar de
dom de si em forma oblativa, pode facilmente tornar-se egoísmo, domínio, cobiça,
paixão. O desastre provocado pelo pecado tem danificado sobretudo o campo
do amor, inaugurando o império do egoísmo.
Pois bem: o matrimônio é uma comunidade de amor entre duas pessoas, um homem
e uma mulher; é orientado para o bem comum de sua permanente aliança conjugal
e ao cuidado e crescimento da vida com a procriação.
O matrimônio não é originariamente uma instituição apenas humana, "não depende
do arbítrio do homem, porque Deus mesmo é o autor do matrimônio, que o dotou
de múltiplos valores e fins; todos de grande importância para a continuidade
do gênero humano, o progresso pessoal e o destino eterno de cada um dos membros
da família, para a dignidade, estabilidade, paz e prosperidade da mesma família
e de toda a sociedade humana".
Vê-se logo, desta autorizada descrição, que o matrimônio supera de muito o
âmbito simplesmente biológico e os impulsos do instituto e das paixões; é
uma realidade que envolve toda a pessoa para encaminhá-la a um dom de si sem
egoísmos e aberto a profundas responsabilidades em relação direta com a vida
e a sociedade. Se se pensa, depois, em seu valor de sacramento na Igreja,
percebe-se ainda mais a sua importância e dignidade.
Todo amadurecimento vocacional dedica-se a educar para o amor, ou seja, para
o dom de si no empenho pelos outros, no sacrifício, no levar alegria, no saber
perdoar, na solidariedade, no nutrir-se de grandes ideais, evitando as tentações
do hedonismo, na superação dos desencorajamentos, na coragem dos arrependimentos,
nas iniciativas de maior comunhão, etc. Trata-se, como se vê, da educação
de uma vocação crista~ com uma base comum a todos os batizados com característicos
valores a serem garantidos. O dom de si é uma meta a ser alcançada tanto no
matrimônio como no celibato pela Igreja: "ambos - diz o Catecismo da Igreja
Católica - o sacramento do Matrimônio e a Virgindade pelo Reino de Deus, provêem
do mesmo Senhor. É ele quem lhes dá sentido e concede a graça indispensável
para vivê-los de acordo com sua vontade. A estima da Virgindade pelo Reino
de Deus e o senso cristão do Matrimônio são inseparáveis e se favorecem reciprocamente".
Existem, portanto, na pastoral juvenil, valores específicos a serem promovidos,
intensificando aquela espiritualidade do quotidiano tão recomendada pelo CG23.
Convém recordar, porém, que embora se trate para todos de cultivar a vocação
crista~, existem diferenças importantes a serem seguidas e cultivadas com
atenções pedagógicas apropriadas: as diferenças provenientes do sexo masculino
ou feminino, a preparação específica para o matrimônio e a pedagogia do celibato,
o discernimento das variadas possibilidades vocacionais, os momentos diferentes
de amadurecimento no amor (per ex., o período de noivado ou a decisão já tomada
por uma determinada vocação de consagração eclesial). Importa sublinhar aqui
que a preocupação de preparar verdadeiramente para o matrimônio não marginalize
o cuidado das outras vocações, mas que também o cuidado das vocações ao celibato
não valorizem menos ou descuide a preparação para o matrimônio. Instindo sobre
os conteúdos específicos da formação para o amor não será difícil encontrar
um sadio equilíbrio na programação educativa.
Aquilo sobre o que se deve insistir para uma concreta renovação num maior
intercâmbio entre pastoral juvenil e pastoral familiar, é em colocar justamente
no centro das projetações educativas justamente a programação de contínuas
iniciativas no desenvolvimento e reforçamento do dom de si, vinculado com
as exigências das diferenças sexuais e vocacionais. De aqui ainda a urgência
de incorporar a toda a atividade educativa uma autêntica espiritualidade juvenil,
em que se cuide também de uma adequada pedagogia ascética e um senso prático
de recuperação pessoal e de reconciliação com Deus. Não se deve esquecer que
a presença de várias formas de egoísmo no âmbito da vida juvenil opõe-se de
fato a uma válida educação para o amor. Em definitivo, será preciso reconhecer
que uma melhor preparação ao matrimônio exige de nossas atividades educativas
(não só paroquiais) saber privilegiar toda uma programação concreta de espiritualidade
juvenil.
Neste delicado empenho devem também ser consideradas tantas novas exigências
de realismo: junto com a doutrina de fundo e os atraentes ideais cristãos
do amor conjugal, é preciso preparar concretamente os jovens para enfrentar
e superar as muito frequentes crises de casais, tão propagandadas pelos meios
de comunicação social.
O carisma de Dom Bosco e a família
Pode ser iluminador para nós apelar para algumas reflexões sobre o senso profundo
e vital de continuidade que existe, na experiência histórica e pessoal, entre
a vida na própria família e a vida em Congregação. Muitos de nós têm experiência
existencial disso e sentiram justamente uma espécie de continuidade de clima,
de bondade, de espontaneidade, mesmo se com modalidades diversas, entre a
"casa" dos pais e a "casa" salesiana; isto favoreceu um tipo de relações recíprocas
entre comunidade religiosa e família que caracterizam, de fato, o nosso espírito.
É belo ver nas Inspetorias interessantes iniciativas de reuniões de pais e
familiares dos irmãos, a associação das ma~es de consagrados salesianos (iniciada
no Uruguai), a insistência sobre as relações recíprocas por parte de nossa
mesma Regra de vida; já recordamos o art. 29 das Constituições, e podemos
acrescentar aqui o que estabelecem os Regulamentos gerais: "a comunidade mantém
relações cordiais com a família de cada irmão, manifestando-lhe amor e reconhecimento.
O salesiano que deixou sua casa para seguir a Cristo conserva íntegro o afeto
pelos seus familiares, especialmente pelos pais. Exprime-o na oração, correspondência
e visitas". Falando, mais adiante, dos serviços do Diretor à comunidade religiosa,
recomenda-lhe explicitamente que "se interesse pelos pais dos irmãos e considere-os
particularmente ligados à comunidade".
Este estilo simpaticamente "familiar" tem suas origens na vida mesma do Fundador,
na experiência de sua família guiada por Mama~e Margarida. A heróica mudança
desta ma~e para Valdocco serviu para impregnar o ambiente daqueles pobres
jovens do mesmo estilo familiar, do qual brotou a substância do Sistema Preventivo
e tantas modalidades tradicionais a ele ligadas. Dom Bosco experimentara que
a formação de sua personalidade estava vitalmente enraizada no extraordinário
clima de entrega e de bondade ("dom de si") de sua família nos Becchi, e quis
reproduzir-lhe as qualidades mais significativas no Oratório de Valdoco entre
aqueles jovens pobres e abandonados.
Tinha convicção clara que sua missão devia saber reproduzir a dos melhores
pais, sob o sinal vivo e manifesto do amor autêntico. Numa carta de 1883 aos
irmãos sobre a peculiar bondade do Sistema Preventivo dizia-lhes: "é preciso
que jamais vos esqueçais que representais_os_pais desta querida juventude,
que foi sempre o terno objeto de minhas preocupações, de meus estudos, de
meu ministério sacerdotal e de nossa Congregação Salesiana. Se fordes por
isso verdadeiros_pais de vossos alunos, será preciso que tenhais também o
coração deles... O coração_de_pai que devemos ter condena este modo de fazer
(agir passionalmente)... Consideremos como nossos_filhos, aqueles sobre os
quais devemos exercer algum poder. Ponhamo-nos como que ao serviço deles,
como Jesus que veio para obedecer e não mandar, envergonhando-nos do que,
em nós, pudesse ter ares de dominadores, e não dominemo-los senão para servir-lhes
com maior prazer... Do momento que são nossos_filhos, afastemos toda cólera
quando devemos reprimir-lhes os erros, ou pelo menos, moderemo-la de modo
que seja completamente sufocada. Nem agitação de espírito, nem desprezo nos
olhos, nem injúria nos lábios; mas sintamos a compaixão pelo momento, a esperança
pelo futuro, e então sereis os_verdadeiros_pais e fareis uma verdadeira conversão...
Recordai-vos que a educação é coisa do coração... Esforcemo-nos por fazer-nos
amar".
Penso sinceramente que estamos todos convencidos desta nossa relação evangélica
com as famílias. O problema hoje está nas exigências da Nova Evangelização,
que coloca em primeiro lugar entre os cuidados pastorais justamente a família.
Devemos rever com atenção especial este setor de empenho que toca vitalmente
as nossas atividades educativas, o cuidado pelos leigos de nossas associações
e a colaboração em vista das prioridades pastorais da Igreja local.
A carta do Papa às famílias deve incidir em nosso sentido de fidelidade à
missão do Fundador e tornar mais dinâmicos os projetos e programas educativo-pastorais
da presença salesiana para além deste Ano-94 de celebração especial da ONU
e da Igreja.
A educação para a dimensão social da caridade contribui certamente para garantir
na família a união e a iniciativa de empenhos trans-familiares que reforcem
concretamente o amor como dom de si.
A Santa Família de Nazaré
Pensemos, para concluir, na Família de Nazaré. Veremos alí iluminar-se de
forma maravilhosa tanto a intensidade da aliança conjugal, como o dom oblativo
de si, como também o aperfeiçoamento da sexualidade no amor e o específico
clima educativo da família. Se se imerge no mistério da genealogia da Pessoa
e emerge, na educação, o cuidado pela vocação.
Se se deseja contemplar a plenitude da fidelidade e da paz no lar, é preciso
olhar para Nazaré. Igualmente também se se deseja admirar a satisfação e a
alegria da convivência, a disponibilidade quotidiana para o sacrifício, o
empenho no trabalho, o senso vivo da oração, a imensa gratidão às iniciativas
de Deus, a adesão simples e também heróica aos seus planos concretos, sua
constante intervenção nas pessoas e na história, sua presença central em casa.
Em Nazaré descobre-se, no grande mistério do matrimônio, o papel da alma espiritual,
enquanto reveste os cônjuges da imagem e semelhança de Deus acima dos valores
simplesmente biológicos. Mas sobretudo se se abre para os horizontes da fé,
que suscita na alma uma participação na vida mesma de Deus, infundindo na
pessoa dos esposos o dom mais alto do amor oblativo: tanto na maternidade
"virginal" de Maria, como na "especial" paternidade de José.
As riquezas de sua sexualidade superam alegremente o uso biológico para exprimir-se
num amor conjugal, materno e paterno, que se torna modelo para todos os crentes,
quer na vida matrimonial como na consagrada. A fé aperfeiçoa a sexualidade
elevando-a às sublimes experiências do amor trinitário.
A geração e a educação do Filho leva, na família de Nazaré, a genealogia da
pessoa ao mais elevado grau do amor, introduzindo a fé dos cônjuges na fecundidade
divina do supremo mistério de Deus.
A fé de Maria e de José ("aqueles que acreditaram"!) desabrocha numa espiritualidade
familiar que permeia e perfuma o lar de Nazaré como admirável "casa de Deus
na história": dalí procede a humanidade nova, alí tem origem a vitória sobre
o mal, sobre os egoísmos e as concupiscências, alí é revelado todo o mistério
do homem com a novidade do Segundo Adão que a todos levará à meta da ressurreição.
A originalidade da Família de Nazaré convida-nos a considerar que a perfeição
da pessoa humana de Maria e de José é a plenitude do amor e que a educação
à fé e ao amor constitui a preocupação de Deus na história, deixando à Igreja
precisamente esta missão e colocando o nosso carisma hoje nos postos avançados
da nova evangelização.
Dom Bosco espera de nós uma verdadeira renovação operativa à luz deste Ano_da_Família.
Que a Santa Família de Nazaré ajude a Igreja a renovar o amor humano e obtenha
para nós de saber colaborar nesta urgente missão com um especializado empenho
educativo. Cordiais saudações e votos de bem.
Com afeto em Dom Bosco,
P. Egídio Viganò