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Somos Profetas Educadores (ACG 346)

CARTAS DO REITOR-MOR - EGIDIO VIGANÒ


ACG-346

SOMOS "PROFETAS-EDUCADORES"!

Introdução.  -  A  dimensão  profética  da  Vida  consagrada.  -  Fermento  na significatividade.  -  A  contemporaneidade de Cristo. - A  chave  de  leitura conciliar.  -  Com Dom Bosco,  conforme  a nossa consagração apostólica: *  na Aliança,  * na Missão, * na Comunhão, * na Radicalidade. - Ajude-nos a  Virgem do Rosário.

Roma, Memória da Bem-aventurada Virgem do Rosário
7 de outubro de 1993

 Queridos irmãos,
    celebra-se  hoje a memória da Bem-aventurada Virgem do Rosário.
Ela  nos convida  a dar importância à récita - pessoal e comunitária - daquele  piedoso exercício que nos envolve nos acontecimentos do grande mistério de Cristo. Uma prática de piedade fácil e popular, muito recomendada pelo Papa João Paulo II. Trata-se de uma maneira profunda e apta, para que todos contemplem as  pessoas e  os acontecimentos do momento central da história da salvação.  Aproxima  de Cristo  e intensifica a familiaridade com Ele, o único verdadeiro  Profeta  da verdade na Aliança definitiva do tempo da Igreja.

            Pensei que esta memória mariana, enquanto nos estimula à contemplação do mistério de Cristo, pode sugerir-nos a reflexão sobre um tema  particularmente ligado à Vida consagrada na Igreja: o da sua dimensão profética. Falou-se mais de  uma vez, nestes anos pós-conciliares, do papel profético dos  consagrados, postos  como  fermento no Povo de Deus, para  iluminar,  estimular,  corrigir, projetar de novo criativamente a vocação comum à santidade. Urge despertar  os consagrados neste seu serviço que é dom do Espírito para todos.

            Sentir-se   chamar   "profetas"   é   um   estímulo   forte   para    as responsabilidades   da   própria  vocação.  A  profecia,   porém,   mesmo   se absolutamente  indispensável,  não  é  fácil  e  existe  ainda  o  perigo   de interpretações  não  autênticas. Sempre existiram os  "falsos  profetas",  que jamais  representaram  a  autenticidade da intervenção de  Deus  na  história: partir  da  meditação  do acontecimento-Cristo para avaliar a  realidade  e  a genuinidade do nosso serviço eclesial.

            A  preparação  do Sínodo-94 sobre a Vida consagrada é um  estímulo  para aprofundar  este tipo de serviço, em harmonia com os demais  aspectos  globais dos Institutos de Vida consagrada na Igreja.

            Assistimos nestes meses a numerosas iniciat.ivas pré-sinodais  promovidas pelas  Conferências episcopais e por organismos de consagrados. Surgem  vários estudos  e  contribuições  que criam um clima de  interesse  e  de  esperança. Aparecerá  também  nestes  dias  um Manual  de  teologia  da  Vida  religiosa produzido por alguns especialistas, desejado pela Comissão mista dos Bispos  e dos  Superiores  maiores na Itália, que servirá certamente de  iluminação  das mentalidades.

            É  verdade  que o Sínodo se move numa órbita desejadamente  "pastoral"  e não  diretamente  doutrinal;  mas  justamente por  isso  tem   também  urgente necessidade  de algumas clarificações de princípio, como base para  uma  maior atualização de comunhão, de ação apostólica e de testemunho de vida.

            Fazemos  votos  que  o  próximo Sínodo  sirva  para  trazer  uma  melhor consideração e valorização dos carismas na Igreja, e que os Institutos de Vida consagrada desenvolvam com mais consciência orgânica e com maior  incisividade profética a própria pertença vital ao Povo de Deus em seu aspecto conciliar de "Sacramento de salvação" nestes tempos novos.

            Convido-vos,  nestes meses que precedem à assembléia, a ter também  como objeto de reflexão a "dimensão profética" da nossa vocação de consagrados.

A DIMENSÃO PROFÉTICA DA VIDA CONSAGRADA

            O profeta é um crente escolhido pelo Senhor para falar aos homens em seu nome.  Ao realizar esta função ele vive em intimidade com Deus  para  escutar, entender  e transmitir bem a sua mensagem. Aquilo que ele comunica não é  seu, mas  vem do mesmo coração de Deus. Um Deus que não é simplesmente uma  espécie de grande arquiteto do mundo, mas o Senhor da história, que ama imensamente  o homem e o acompanha incrivelmente nas aventuras de sua liberdade.

            O   profetismo  é  um  dos  fenômenos  que  de  modo  maior  revelam   a transcendência  da história da salvação; ele ca.racteriza o realismo  religioso do  Judaísmo e do Cristianismo: traz novidade e contestação nada menos que  da parte de Deus.

            O  mistério  de  Cristo é o apogeu deste fenômeno.  Jesus  não  deu  por concluída a época dos profetas, mas sublimou-lhes e transformou-lhes a função. Ele  é  eminentemente "o grande Profeta" , o maior e definitivo, e  deixou  um papel  profético de novo tipo para sua Igreja, sob a poderosa animação do  dom de seu Espírito. Hoje, com o surgir de tantas novidades, e infelizmente com  o espalhar-se  de  desorientações variadas, sente-se uma grande  necessidade  de autênticos   profetas:   eles  deveriam  levar   adiante   uma   evangelizaço~o verdadeiramente nova.

            Desta  exigência  vital  nasce  um  interesse  especial  para  a  função profética da Igreja e, nela, da Vida consagrada.

            Ouve-se atribuir às vezes à Vida consagrada a característica  específica de  ser  por vocação "a" dimensão profética de toda a  Igreja.  Tal  afirmação parece  evidentemente  um  exagero; mas tem o mérito de  tentar  ressaltar  um aspecto  vital  não suficientemente evidenciado. A vida  consagrada  não  pode apropriar-se,  de  forma exclusiva, de uma qualidade comum a todo  o  Povo  de Deus. Diz o Concílio, falando dos Fiéis leigos: "Cristo, o grande Profeta, que com o testemunho da sua vida e com a virtude da sua palavra proclamou o  Reino do Pai, realiza a sua função profética até à plena manifestação da sua glória, não  só através da hierarquia, que ensina em Seu nome e com o Seu  poder,  mas também  por meio dos leigos que, por isso, constituem suas testemunhas,  e  os provê  do senso da fé e da graça da palavra, afim de que a força do  Evangelho brilhe na vida quotidiana, familiar e social".

            E  o  recente  "Catecismo  da Igreja católica"  fala  de  todo  um  Povo profético  como  luz  e sacramento da humanidade a caminho:  "Jesus  Cristo  é a.quele que o Pai ungiu com o Espírito Santo e constituiu `Sacerdote, Profeta e Rei'. Todo o Povo de Deus participa destas três funções de Cristo e carrega as responsabilidades de missão e de serviço  que daí derivam".

            Não  parece,  por  isso,  conveniente  e  correto,  apresentar  a   Vida consagrada como uma espécie de "institucionalização" da dimensão profética  da Igreja. Em todo caso, é sem dúvida, justo e urgente relevar e intensificar, em particular,   o  aspecto  peculiarmente  profético  da  Vida  consagrada.   Os Fundadores  e  Fundadoras  que estão na origem  dos  Institutos  exerceram  um verdadeiro papel profético na Igreja e na sociedade de seu tempo e deixaram em herança aos seus seguidores um dinamismo profético a "ser vivido,  conservado, aprofundado e constantemente desenvolvido em sintonia com o Corpo de Cristo em perene crescimento".

            O aspecto carismático da Vida consagrada comporta uma contínua  presença e criatividade do Espírito Santo; ele pertence à dimensão profética da  Igreja para  proclamar a todos "que o mundo não pode ser transfigurado e oferecido  a Deus sem o espírito das bem-aventuranças".

            O  fato  de que a Vida consagrada "embora não  pertencendo  à  estrutura hierárquica  da Igreja, pertença contudo indiscutivelmente à sua vida e à  sua santidade",  reveste-a de um especial caráter profético para todo o  Povo  de Deus.  Afirma-o justamente o Concílio quando declara: "Coloquem os  religiosos todo  o empenho para que, através deles, a Igreja apresente, cada dia  melhor, Cristo aos fiéis e aos infieis, enquanto Ele contempla sobre o monte,  anuncia o  Reino de Deus às multidões, cura os enfermos e os feridos e converte   para melhor  vida os pecadores,  abençoa os pequeninos e faz o bem a todos,  sempre obediente à vontade do Pai que o enviou".

            O documento "Mutuae relationes" toca de alguma forma este aspecto qua.ndo apresenta  os  traços  de autenticidade de uma  carisma:  "exame  contínuo  da fidelidade  para  com  o  Senhor, da docilidade para com  o  seu  Espírito,  da atenção inteligente às circunstâncias e da visão intensamente voltada para  os sinais  dos  tempos,  da  vontade de inserção na  Igreja,  da  consciência  de obediência à sagrada hierarquia, da ousadia nas iniciativas, da constância  na doação, da humildade no suportar os contratempos".

            Em coerência com estas autorizadas orientações, os distintos  Institutos religiosos  são  chamados  a atuar a comum função profética,  não  de  maneira uniforme  e  indiferenciada, mas em conformidade com  o  projeto  carismático, indicado  pelo  Espírito  de Cristo no próprio Fundador  e  identificado   por quantos,  em  cada  Instituto,  têm esta  delicada  e  empenhativa  tarefa  de discernimento.

            O problema não está tanto, aqui para nós, em definir as diferenças ou  a complementariedade  da  função  profética da Vida consagrada  em  relação  aos vários  grupos  eclesiais - laicais ou hierárquicos - quanto em  aprofundar  e  intensificar  o  próprio  autêntico papel profético de  acordo  com  a  órbita carismática do Fundador.

            Deve-se  reconhecer entretanto que o argumento da dimensão profética  da Vida  consagrada  ainda  não foi enfrentado a fundo  em  nenhum  documento  do Magistério universal. Sublinha-se-o em algumas regiões mais sensíveis (por ex. na  América Latina)  e em várias intervenções de Conferências  de  religiosos. Trata-se  sem  dúvida de um tema atual: ele pode contribuir  para  agilizar  a lentidão  no  caminho  de renovação, calibrar a  sua  qualidade  e   encorajar iniciativas de mudança, evitando interpretações desviadas: faz conviver com  a própria  gente  na perspectiva de uma esperança que não se  encontra  mais  no clima ambiental.

            No final das contas o profetismo indica uma opção permanente de Deus:  a de  intervir . pessoalmente  nos acontecimentos humanos. O  profeta  é  um  seu embaixador,  não vive numa esfera atemporal, mas profundamente  empenhado  com seus contemporâneos: sente-se enviado por Deus e destinado a transmitir a  sua mensagem, não apenas com palavras, mas também com suas ações,  sua vida,   com gestos  simbólicos - por vezes até paradoxais -; ele é um transmissor vivo  da luz salvífica de Deus: manifesta, corrige, estimula, prega, prepara, constrói, sofre  e  testemunha;  "o espírito do Senhor - diz Isaias -  está  sobre  mim, porque  o  Senhor  me consagrou com a unção; enviou-me  para  levar  o  alegre anúncio";  o profeta não é um estranho, mas uma sentinela: "Eu  te  constitui sentinela  para  os  israelitas:  escutarás uma palavra de  minha  boca  e  os advertirás em meu nome".

            O  Deus dos profetas entra através deles na história para salvar.  Eles, em  seu  nome, definem metas, indicam critérios para  alcançá-las,  introduzem novidades  positivas, individualizam os males a serem superados, insistem  com constância sobre o sentido do pecado, mostram caminhos concretos de conversão, contestam os desvios e os erros.

            A  aceleração  atual das mudanças sociais e  culturais  tem  necessidade especial da luz de um Deus que se encarnou justamente para levar a  humanidade  à  salvação.  As  múltiplas  novidades que  se  sucedem  com  ritmo  acelerado concorrem  para fazer esquecer a função profética, ou a instrumentalizá-la  em relação  apenas ao âmbito sócio-cultural; neste sentido vemos  sublinhar,  por vezes,  determinados  aspectos  dos profetas do Antigo  Testamento  sem  fazer referência  específica a Cristo; isto pode levar a perigosas  arbitrariedades. Justamente  por isso, também, uma genuína consideração da  dimensão  profética ocupa um lugar prioritário na renovação dos Institutos e na busca de  empenhos eficazes para a Nova Evangelização.

            Um  Povo de Deus sem profecia não teria capacida.de de fermentar a  atual corrida do mundo; seria infiel à extraordinária presença do Espírito de Cristo manifestada  no Vaticano II e em tantos acontecimentos, eclesiais  e  sociais, que lhe seguiram: "Vós sois a luz do mundo - disse o Senhor -, brilhe a  vossa luz  diante  dos  homens"; bem sabendo que a  "luz  verdadeira,  aquela  que ilumina todo homem" é Jesus Cristo.

            Hoje, a Igreja inteira é chamada com urgência a profetizar Jesus Cristo; a  exemplo  de João Batista deve "dar testemunho da luz, a fim  de  que  todos creiam por meio dEle".

            O apóstolo Paulo proclama justamente: "Não anunciamos a nós mesmos,  mas a Cristo Jesus Senhor".

            Se  a  Igreja inteira é a isto intensamente convidada, quer  dizer  que, nEla,  a Vida consagrada deverá preocupar-se com sua própria função  profética numa forma muito peculiar e intensa, devido ao seu próprio estado de vida "que torna os seus seguidores mais livres dos cuidados terrenos, torna visível para todos  os  crentes a presença, já neste mundo, dos bens  celestes,  dá  melhor testemunho da vida nova e eterna, adquirida pela redenção de Cristo, e anuncia de forma melhor a futura ressurreição e a glória do Reino celeste.  Igualmente de  maneira  mais fiel imita e continuamente representa na Igreja a  forma  de vida, que o Filho de Deus assumiu quando veio ao mundo para fazer a vontade do Pai  e que propôs aos discípulos que o seguiam. Finalmente, de modo  especial, manifesta a elevação do Reino de Deus acima de todas as coisas terrestres e as suas  exigência  supremas; demonstra também a todos os  homens  a  proeminente grandeza da força de Cristo reinante e a infinita força do Espírito Santo, que age admiravelmente na Igreja".

FERMENTO NA SIGNIFICATIVIDADE

            Em Jesus Cristo realiza-se a nova e definitiva Aliança, não mais com  um único povo de uma determinada cultura e organização religi.oso-social (Israel), mas com toda a humanidade na multiplicidade de seus povos e de suas  culturas, dando  um  significado  profundamente novo à intervenção de  Deus  através  da profecia, do sacerdócio e da regalidade.

            No  Antigo Testamento a função do profeta - suscitado de  forma  pessoal por  Deus  mesmo  -  era distinta e  separada  daquela  institucionalizada  do sacerdote  e do rei; não recebia deles a sua legitimação, mas de  uma  relação direta estrita e pessoal com Javé, falava em seu nome.

            Em  Cristo unificaram-se indissoluvelmente estas três funções  (profeta, sacerdote  e rei); e assim unificadas Ele a deixou em patrimônio ao seu  Corpo místico na história, para serem exercidas em múltiplos modos e ministérios.  O Concílio  Vaticano  II recordou-nos que na Igreja a "comunhão"  tem  um  valor central  e  caracterizante;  ela se manifesta também  na  mútua  compenetração destas  três funções: juntas servem para edificar o Reino - não terreno -  que  é de Cristo ao longo dos séculos para ser entregue ao Pai no final dos tempos.

            No  atual  momento histórico o exercício da função profética é  uma  das prioridades pastorais mais urgentes. O Vaticano II sublinhou expressamente  em primeiro lugar o serviço da Palavra, da atividade evangelizadora, da  formação das  consciências  nos  crentes. Os cristãos são chamados a  ser  um  Povo  de profetas  com  a  criatividade,  a  inteligente  audácia  e  a  capacidade  de testemunho  até  o  martírio,  seguindo o  exemplo  generoso  e  incisivo  dos apóstolos.

            Olhando para o contexto em que atuaram os profetas do Antigo Testamento, defrontamo-nos  com  um Israel em graves situações de  infidelidade  social  à Aliança,  por  isso  a obra do profeta costuma manifestar-se  com  força  numa contestação  a um tempo religiosa e social. Hoje, no mundo, para o  futuro  de todos  os  povos com suas culturas e religiões, atua-se uma mudança  de  época que., sem a luz de Cristo, não poderá encetar a justa rota.

            O momento atual apresenta-se, sem mais, com muitos males a corrigir, mas a  profecia de Cristo é chamada a iluminar e discernir as instantes  novidades para assumir os valores e prevenir ou corrigir perigosos desvios, de modo  que a complexa mudança antropológica não chegue a um fatal antropocentrismo.

            Para nós Salesianos a específica função profética, neste contexto,  deve ser  inserida naquela "opção educativa" que dá um tom característico a toda  a nossa vocação: não somos chamados a ser "agitadores dos jovens", mas  luz para suas consciências como "sinais e portadores" do amor e da bondade de Cristo. O contexto juvenil apresenta hoje desafios exigentes; vimos a sua dimensão  no CG23,  a  nível  mundial,  explicitado  posteriormente  pelas  Inspetorias   em situações locais diferenciadas .

            Ouvem-se  proclamar nos areópagos do mundo inúmeros substitutivos à  luz da  fé crista; separa-se o percurso do conhecimento humano do conhecimento  do Evangelho,  como  se se tratasse de duas estradas  com  metas  inconciliáveis; faltam  válidas orientações de rota; trata-se de uma hora de ansiosa busca  de mestres para a educação das personalidades.

            Procuramos  exprimir  globalmente,  nestes  anos,  o  nosso  esforço  de renovação  com  o termo "significatividade": tornar-nos de novo  "sinais"   de "nova  evangelização"  entre  os jovens justamente com  uma  "nova  educação". Estamos  dando  passos  concretos:  mas há  o  que  perseverar,  aprofundar  e intensificar

            Temos  que nos convencer de que a dimensão profética de nossos  empenhos constitui o núcleo central da nossa significatividade. O Comentário oficial ao art. 2º das Constituições ("ser sinais e portadores") afirma claramente que se trata  de "um empenho terrivelmente exigente, porque  envolve toda . a  pessoa, toda  a  vida,  toda a ação dos Salesianos, deslocando-os de  si  mesmos  para centralizá-los, ao mesmo tempo, em dois polos do Cristo vivo e da juventude, e no encontro de um e de outro no amor. Empenha os Salesianos a serem duplamente servidores  de  Cristo  que os envia e dos jovens aos quais  são  enviados,  a revelar o amor-chamado de Cristo e a suscitar o amor-resposta dos jovens. Este é  o  significado  último de todas as suas `obras  de  caridade  espiritual  e corporal'".

            Esta é justamente a função profética do Salesiano: somos (é  exortativo) "profetas-educadores"!

            A  significatividade tem uma esfera mais ampla daquela da profecia,  mas ser  autêntico profeta de Cristo é o seu fermento vital, de forma tal que  sem ele  a própria significatividade perde sentido. Este papel  profético,  porém, situa-se  "dentro"  das  atuais exigências da nova  educação,  em  partilha  e harmonia   de   intentos:  Cristo   escolheu  na  encarnação   a   reviravolta antropológica   para   que  a  sua  luz  derrote,  a  partir  de   dentro,   o antropocentrismo.  Fazer  profecia  hoje  para  nós  não  significa  tanto  um exibicionismo   sócio-cultural,   quanto   saber   anunciar   validamente    o acontecimento  supremo de Cristo como medida de todas as novidades,  mostrando abertamente  os  seus  dinamismos de futuro, proclamando  a  sua  proveniência divina, irradiando os seus poderosos fachos de luz que, únicos, mostram em que consiste verdadeiramente o homem.

            Trata-se de fazer com que os jovens sintam a presença e a força do  amor de Cristo em clara fidelidade às suas iniciativas. Uma atividade profética que não é fantasia individual, mas serviço ativo e criativo ao seu mistério;  este não se reduz a simples observação religiosa, mas é comunicação de energias  de salvação; não propicia em primeiro lugar qualquer revolução estrutural, mas se concentra  na formação das mentalidades e na c.onversão das pessoas e a  também saber fazer, quando necessário, contestação cultural e social, embora não  com metodologias de tipo horizontal e temporal.

            Somos,  chamados,  pois,  a  intensificar  uma  dimensão  profética  que dinamize e intensifique a significatividade salesiana.

A CONTEMPORANEIDADE DE CRISTO

             A  função  profética  no Antigo Testamento pertencia a  um  período  da história  da  salvação que caminhava em direção a Cristo; as  intervenções  de Javé se moviam gradualmente num processo de preparação sempre mais clara,  até chegar ao testemunho de João Batista, que já proclama a presença do Messias.

            Em Cristo, diversamente, a história da salvação chegou à sua  plenitude; daqui  para  frente  a revelação da parte de Deus não cresce  mais;  em  Jesus tornou-se presente para sempre a sua Palavra, nele vive a profecia definitiva: Ele  é  o  Homem novo, o Senhor da história, o Centro e a  Fonte  de  qualquer ulterior  função  profética;  Cristo é "o Novíssimo"  (l'éskaton),  o  vértice absoluto da intervenção de Deus na evolução humana.

            Sem  dúvida  a evolução humana continua progredindo  e  crescendo  mesmo depois  da Palavra do Senhor; mas é um progresso e um crescimento na linha  da criação,  não  na da revelação. Isto comporta novidade de interpelações  e  de desafios,  mas  não  uma  Palavra de Deus  verdadeiramente  nova:  "a  economia crista~,  com  efeito, enquanto é Aliança nova e definitiva, jamais  passará,  e não  se  deve esperar qualquer nova revelação pública  antes  da  manifestação gloriosa do Senhor nosso Jesus Cristo".

            Esta  intervenção  definitiva  em Cristo não  desconhece,  portanto,  os dinamismos   do  progresso  humano  na  linha  da  criação,   antes,   leva-os explicitamente  em conta; para isso Ele instituiu a Igreja, seu Corpo  místico nos  séculos,  com  a missão de difundir a luz  pascal  daq.uele  acontecimento definitivo a todos os tempos.

            De  outra  parte  o mesmo progresso humano está ligado  a  Cristo,  quer enquanto Ele mesmo é o seu "criador" inicial ("por meio dEle Deus criou  todas as coisas, sem Ele nada foi criado"), quer enquanto Ele envia  continuamente -  em  cada espaço de tempo - o Espírito Santo, que move todas  as  coisas  na direção  do  Reino ("Ele me glorificará, porque tomará do que é  meu  e  vô-lo anunciará").

            Ainda  existe, pois, um crescimento humano e, hoje, os numerosos  sinais dos  tempos  o  demonstram: mudam, de fato, as culturas,  as  mentalidades  do povo,  as  situações  e as estruturas sociais, a  percepção  dos  valores,  os acelerados desafios e a busca de uma verdade que oriente.

            O acontecimento-Cristo, enquanto Novíssimo, é de per si contemporâneo  a todo  o  tempo que se lhe segue; precisa,  porém, que a Igreja dê  a  conhecer esta  contemporaneidade.  E  aqui se coloca aquele papel  profético  que  deve apresentar  como  contemporânea, ou seja, como revelação de Deus para  hoje  e para os tempos novos, toda a luz do acontecimento-Cristo.

            Saber  apresentar  Cristo como "o grande Profeta" do  presente;  fazê-lo aparecer  como  Mestre  atualizado e perturbador, como Luz que  não  pode  ser eclipsada por nenhum sinal dos tempos, como Novidade absoluta que mede, assume e  julga todas as novidades que vêm à tona. É a tarefa da  Nova  Evangelização chamada a tornar o Evangelho fascinante.

            Não  se  trata  de  uma tarefa  fácil;  comporta  uma  função  profética indispensável  e  urgente.  A Igreja, e nela a Vida consagrada,  é  chamada  a empenhar-se com "novo ardor".

A CHAVE DE LEITURA CONCILIAR

            Muitos  Fundadores  e Fundadoras de Institutos religiosos  realizaram  - como  dissemos - uma especial função profética de formas normas em  relaç.ão  a situações anteriores: alguns com o testemunho da vida eremítica, cenobítica  e contemplativa  atuada para indicar o absoluto de Cristo na existência  humana; outros  com  o  ensinamento voltado para a iluminação  das  inteligências,  ao amadurecimento  da fé e à colocação de um limite ao erro e à  heresia;  outros ainda testemunhando com a caridade operosa o interesse de Cristo por todas  as categorias de necessitados; e também em outras formas de amor.

            Toda a Vida consagrada é chamada hoje a relançar este aspecto, de acordo com os multíplices carismas que a constituem.

            A fim de renovar-se nisso é preciso partir de uma ótica segura, que  não seja reviravolta do próprio carisma.

            O  Vaticano  II indica com autoridade uma chave de leitura ao  falar  da renovação  dos Institutos religiosos. O decreto "Perfectae  caritatis"  afirma que  se  deve  considerar em primeiro lugar "o seguimento  de  Cristo  como  é ensinado  pelo Evangelho", tornando-se indispensável portanto  uma  fidelidade dinâmica  "ao  espírito e às finalidades dos Fundadores, como  também  às  sa~s tradições".

            Estas duas afirmações conciliares não constituem duas chaves  separadas, mas  uma  única chave de leitura, porque os Fundadores foram  suscitados  pelo Espírito de Cristo para atuar, de acordo com os tempos, a sua missão portadora de   salvação.   Eles  podem  ser  considerados  como  uma  página   viva   da contemporaneidade  de Cristo, aqueles que procuraram proclamar a sua  profecia em seu momento histórico em relação aos próprios destinatários.

            Para  tornar  contemporânea  a grande profecia  da  Nova  Aliança,  eles viveram "dentro" da própria atualidade, dóceis e em sintonia com o Espírito do Senhor, para entender onde está situada a urgência da salvação, quais sejam  as interpelações  e  os desafios, e o por quê das zonas  escuras,  caracterizadas pela ausência, pe.la indiferença e pela recusa da luz pascal. É, com efeito, "a partir   de   dentro"   que   se   pode   encaminhar   um   discernimento   de contemporaneidade.

            É  importante observar, porém, a esta altura, que a função profética  da Nova  Aliança  não somente responde a exigências  emersas  no  desenvolvimento humano. A profecia de Cristo oferece sem dúvida grandes e adequadas  respostas a muitas questões; mas o Evangelho não é apenas resposta, é iniciativa de Deus que revela e ensina: ele propo~e, interpela, previne, ensina, corrige e  também responde.

            A  renovação   profética, portanto, não se limita a preocupar-se  com  o polo  da  cultura emergente com seu contexto de vida, sua  linguagem  e   seus métodos  -  sem dúvida isto é indispensável -; ela vai em primeiro lugar  e  a fundo  investigar,  de  novo e com a sensibilidade  do "a  partir  de  dentro" cultural,  o polo luminoso do acontecimento-Cristo para individuar  com  maior clareza os seus núcleos vitais de mais penetrante incisividade e, dessa forma, saber comunicá-los com verdadeira atualidade.

            O Espírito do Senhor confiou a Dom Bosco e a nós, na missão profética da Igreja,  um  campo  operativo  caracterizado - como  dizíamos  -  pela  "opção educativa"  a  favor da juventude necessitada, em relação  também  às  classes populares.

            Chamou-nos a ser "profetas-educadores"! A renovação da função  profética do nosso carisma não pode ser uma espécie de convite a mudar de "ocupação", ou seja, a sair da opção educativa; mas, segundo a chave de leitura indicada,  um estímulo  a  despertar-nos, a reforçar a coragem da fé, a abrir-nos  com  mais audácia  à  busca  de caminhos pedagógicos que tornem  o  mistério  de  Cristo contemporâneo aos jovens.

            Empenhamos  a  nossa função profética com uma nova educação  crista~,  na medida das várias categorias de jovens com os quais vivem.os e agimos, ativando itinerários  educativo-pastorais  construídos  em referência  direta  a  eles, valorizando adequadamente experiências do passado e presente e criando  outras novas.

COM DOM BOSCO, CONFORME A NOSSA CONSAGRAÇÃO APOSTO'LICA

            Seguindo  a  chave  de leitura indicada, podemos   evidenciar  -  embora brevemente  - o sentido e o modo com que o nosso carisma participa  da  função profética  da  Igreja a favor dos jovens e das classes  populares  nas  várias culturas e situações geográficas.

            O   CG23   encaminhou-nos   com  sério   discernimento   quer   para   a contextualização   das   nossas  atividades,  quer  para  a   releitura   da contemporaneidade do mistério de Cristo.

            Gostaria  de evocar aqui alguns dados mais empenhativos de nossa  função profética  em seu aspecto de "proposta" de Cristo, referindo-os aos  elementos constitutivos de nossa consagração apostólica, como ela é  indicada no  artigo 3 das Constituições.

            Quatro  são  os elementos de base indicados naquele  artigo:  a  aliança (estar  com Cristo), a missão (apóstolos dos jovens), a  comunhão  (comunidade fraterna)  e  a  radicalidade evangélica  (prática  dos  conselhos).  Queremos escolher para cada um deles alguns aspectos de maior urgência profética a  fim de  intensificar-lhes o testemunho. Indico, aqui, aqueles que  considero  mais incisivos no atual esforço de renovação.

            NA ALIANÇA.

- A aliança de nossa profissão religiosa exige um testemunho de  especial  intimidade com Cristo, de forma vital e constante. Está  aqui  o segredo  de  toda  profecia:  é  preciso que  os  jovens  percebam  que  somos "sacramentos  de Cristo", sinais e portadores do seu amor, que vivemos dEle  e com Ele por eles.

            Pode-se recordar sobre isso a intensidade das relações pessoais com Javé por parte dos profetas do Antigo Testamento;  esta é a. condição-base: ela  não é  fruto de uma genialidade psicológica ou de simples simpatia humana.  É  uma vocação: "antes de formar-te no seio materno eu te conhecia; antes de vires  à luz eu já te havia consagrado; eu te estabeleci profeta das nações"; "tu  me seduziste,  Senhor, e eu me deixei seduzir; no meu coração havia como  que  um fogo  ardente,  encerrado em meus ossos; esforçava-me por  contê-lo,  mas  não conseguia".

            E,  no  Novo Testamento, o entusiasmo místico do apóstolo  Paulo  afirma claramente:  "para  mim viver é Cristo"; "não sou mais eu quem vive,  mas  é Cristo que vive em mim"; "quem está em Cristo é uma criatura nova; o  antigo passou,  surgiu  o  novo". A aliança da profissão religiosa  é  uma  amizade pessoal transformadora que nos faz viver em Cristo, com Cristo e por Cristo.

            A  nossa  dimensão  profética mostra  um  caráter  cristocêntrico  muito definido.  A amizade e a intimidade quotidiana com Cristo fazem viver  em  sua novidade.   A   ponto   de  sermos  capazes   de   mostrar   adequadamente   a contemporaneidade  do seu mistério: "Deus se propôs, na economia da  plenitude dos  tempos,  de  recapitular todas as coisas em Cristo, as do  céu  e  as  da terra". Nesta luz se poderá perceber, a partir do interior das  mentalidades culturais,  o  aspecto  cristão  de tantos temas  de  interesse  atual:  amor, solidariedade,  libertação, justiça e paz, verdade e consciência,  sentido  de pecado,  bondade  e  perdão,  voluntariado  e  dom  de  si,  personalidade   e sacrifício, diálogo intercultural, sentido da história, etc.

            Gostaria  de recomendar sobretudo três aspectos nos quais  concentrar  a função  profética  partindo  da ótica desta nossa aliança:  a  comunicação  da Palavra  de Cristo, sua novidade pascal na Eucaristia e a experiência  da  sua infinita Bondade na Reconciliação.

            Sobre  eles há de se concentrar a n.ossa atenção pedagógica. Trata-se  de aspectos  centrais do Sistema Preventivo a ser relançado  profeticamente,  com coragem e inteligência, com uma metodologia e com ritmos incisivos, conforme a possibilidade das pessoas e dos grupos.

            -  A COMUNICAÇÃO DA PALAVRA DE DEUS. Questionemo-nos: podemos dizer  que temos  hoje  uma  interioridade  de aliança com o Senhor,  que  nos  faça  ser catequistas  atualizados?    O primeiro oratório de Dom Bosco foi  um  simples catecismo,  e  ele sempre considerou como escopo primário de  suas  obras  a comunicação  da  Palavra de Deus. O Capítulo Geral Especial  (1971)  legou  um importante  documento  sobre "Evangelização e Catequese" que  é  válido  ainda hoje.  Em  suas  "orientações  operativas" afirma  que:  1º  -  a  Congregação salesiana  está hoje em estado de missão evangelizadora; 2º - a  Inspetoria  é "comunidade a serviço" da evangelização; 3º - cada comunidade é uma comunidade evangelizadora,  ou  seja,  uma comunidade em escuta, em  busca,  inserida  na Igreja local, educativa e animadora.

            Igualmente  o  Capítulo  Geral  21º  (1978)  estudou,  em  seu  primeiro documento  ("Os Salesianos evangelizadores dos jovens"), este mesmo  argumento prioritário.  A  atualidade  de  suas orientações  (que  desejavam  uma  "nova presença  salesiana"  neste campo) foi-se concentrando no  projeto  educativo-pastoral, já familiar nas Inspetorias e nas casas.

            O  Capítulo Geral 22º (1984) elaborou o texto definitivo da nossa  Regra de  vida. Releiamos o art. 34: "a evangelização e a catequese são  a  dimensão fundamental  da  nossa  missão.  Como Dom Bosco, somos  chamados  todos  e  em qualquer ocasião, a ser educadores da fé. Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer  Jesus  Cristo;  e  a  alegria mais  profunda,  revelar  a  todos  as insondáveis  riquezas do seu mistério. Caminhamos com os jovens para  conduzi-los.  à pessoa do Senhor ressuscitado, a fim de que, descobrindo nEle e em  seu Evangelho  o  sentido  supremo  da própria  existência,  cresçam  como  homens novos."

            Finalmente  o Capítulo Geral 23º (1990) é todo dedicado à  educação  dos jovens  à  fé e está orientando a nossa renovação. Agrada-me ressaltar  que  o destinatário  direto  deste documento