ACG-346
SOMOS "PROFETAS-EDUCADORES"!
Introdução. -
A dimensão profética
da Vida consagrada.
- Fermento na significatividade. -
A contemporaneidade de Cristo. -
A chave de leitura
conciliar. - Com Dom Bosco,
conforme a nossa consagração
apostólica: * na Aliança, * na Missão, * na Comunhão, * na
Radicalidade. - Ajude-nos a Virgem do
Rosário.
Roma, Memória da
Bem-aventurada Virgem do Rosário
7 de outubro de 1993
Queridos irmãos,
celebra-se hoje a memória da Bem-aventurada Virgem do Rosário.
Ela nos convida a dar importância à récita - pessoal e comunitária - daquele
piedoso exercício que nos envolve nos acontecimentos do grande mistério de
Cristo. Uma prática de piedade fácil e popular, muito recomendada pelo Papa
João Paulo II. Trata-se de uma maneira profunda e apta, para que todos contemplem
as pessoas e os acontecimentos do momento central da história da salvação.
Aproxima de Cristo e intensifica a familiaridade com Ele, o único verdadeiro
Profeta da verdade na Aliança definitiva do tempo da Igreja.
Pensei que esta memória mariana, enquanto nos estimula à contemplação
do mistério de Cristo, pode sugerir-nos a reflexão sobre um tema
particularmente ligado à Vida consagrada na Igreja: o da sua dimensão
profética. Falou-se mais de uma vez, nestes anos pós-conciliares,
do papel profético dos consagrados, postos como
fermento no Povo de Deus, para iluminar, estimular,
corrigir, projetar de novo criativamente a vocação comum à santidade.
Urge despertar os consagrados neste seu serviço que é dom do
Espírito para todos.
Sentir-se chamar "profetas"
é um estímulo forte
para as responsabilidades da
própria vocação. A profecia,
porém, mesmo se absolutamente
indispensável, não é fácil e existe
ainda o perigo de interpretações
não autênticas. Sempre existiram os "falsos
profetas", que jamais representaram a
autenticidade da intervenção de Deus na história:
partir da meditação do acontecimento-Cristo para
avaliar a realidade e a genuinidade do nosso serviço
eclesial.
A preparação do Sínodo-94 sobre a Vida consagrada é
um estímulo para aprofundar este tipo de serviço, em
harmonia com os demais aspectos globais dos Institutos de
Vida consagrada na Igreja.
Assistimos nestes meses a numerosas iniciat.ivas pré-sinodais
promovidas pelas Conferências episcopais e por organismos de
consagrados. Surgem vários estudos e
contribuições que criam um clima de interesse e
de esperança. Aparecerá também nestes
dias um Manual de teologia da Vida
religiosa produzido por alguns especialistas, desejado pela Comissão
mista dos Bispos e dos Superiores maiores na Itália,
que servirá certamente de iluminação das mentalidades.
É verdade que o Sínodo se move numa órbita
desejadamente "pastoral" e não diretamente
doutrinal; mas justamente por isso
tem também urgente necessidade de algumas
clarificações de princípio, como base para uma maior
atualização de comunhão, de ação apostólica e de testemunho de vida.
Fazemos votos que o próximo Sínodo
sirva para trazer uma melhor consideração e
valorização dos carismas na Igreja, e que os Institutos de Vida
consagrada desenvolvam com mais consciência orgânica e com maior
incisividade profética a própria pertença vital ao Povo de Deus em seu
aspecto conciliar de "Sacramento de salvação" nestes tempos novos.
Convido-vos, nestes meses que precedem à assembléia, a ter
também como objeto de reflexão a "dimensão profética" da nossa
vocação de consagrados.
A DIMENSÃO PROFÉTICA DA VIDA CONSAGRADA
O
profeta é um crente escolhido pelo Senhor para falar aos homens em seu
nome. Ao realizar esta função ele vive em intimidade com
Deus para escutar, entender e transmitir bem a sua
mensagem. Aquilo que ele comunica não é seu, mas vem do
mesmo coração de Deus. Um Deus que não é simplesmente uma espécie
de grande arquiteto do mundo, mas o Senhor da história, que ama
imensamente o homem e o acompanha incrivelmente nas aventuras de
sua liberdade.
O profetismo é um dos
fenômenos que de modo maior
revelam a transcendência da história da salvação; ele
ca.racteriza o realismo religioso do Judaísmo e do
Cristianismo: traz novidade e contestação nada menos que da parte
de Deus.
O mistério de Cristo é o apogeu deste fenômeno.
Jesus não deu por concluída a época dos profetas, mas
sublimou-lhes e transformou-lhes a função. Ele é
eminentemente "o grande Profeta" , o maior e definitivo, e
deixou um papel profético de novo tipo para sua Igreja, sob
a poderosa animação do dom de seu Espírito. Hoje, com o surgir de
tantas novidades, e infelizmente com o espalhar-se de
desorientações variadas, sente-se uma grande necessidade de
autênticos profetas: eles deveriam
levar adiante uma evangelizaço~o
verdadeiramente nova.
Desta exigência vital nasce um
interesse especial para a função profética da
Igreja e, nela, da Vida consagrada.
Ouve-se atribuir às vezes à Vida consagrada a característica
específica de ser por vocação "a" dimensão profética de
toda a Igreja. Tal afirmação parece evidentemente um exagero; mas tem
o mérito de tentar ressaltar um aspecto vital não suficientemente evidenciado.
A vida consagrada não pode apropriar-se, de forma exclusiva, de uma qualidade
comum a todo o Povo de Deus. Diz o Concílio, falando dos Fiéis leigos:
"Cristo, o grande Profeta, que com o testemunho da sua vida e com a virtude
da sua palavra proclamou o Reino do Pai, realiza a sua função profética até
à plena manifestação da sua glória, não só através da hierarquia, que ensina
em Seu nome e com o Seu poder, mas também por meio dos leigos que, por
isso, constituem suas testemunhas, e os provê do senso da fé e da graça
da palavra, afim de que a força do Evangelho brilhe na vida quotidiana, familiar
e social".
E o recente "Catecismo da Igreja
católica" fala de todo um Povo
profético como luz e sacramento da humanidade a
caminho: "Jesus Cristo é a.quele que o Pai ungiu com
o Espírito Santo e constituiu `Sacerdote, Profeta e Rei'. Todo o Povo
de Deus participa destas três funções de Cristo e carrega as
responsabilidades de missão e de serviço que daí derivam".
Não parece, por isso, conveniente e
correto, apresentar a Vida consagrada como uma
espécie de "institucionalização" da dimensão profética da Igreja.
Em todo caso, é sem dúvida, justo e urgente relevar e intensificar, em
particular, o aspecto peculiarmente
profético da Vida consagrada. Os
Fundadores e Fundadoras que estão na origem
dos Institutos exerceram um verdadeiro papel
profético na Igreja e na sociedade de seu tempo e deixaram em herança
aos seus seguidores um dinamismo profético a "ser vivido,
conservado, aprofundado e constantemente desenvolvido em sintonia com o
Corpo de Cristo em perene crescimento".
O
aspecto carismático da Vida consagrada comporta uma contínua
presença e criatividade do Espírito Santo; ele pertence à dimensão
profética da Igreja para proclamar a todos "que o mundo não
pode ser transfigurado e oferecido a Deus sem o espírito das
bem-aventuranças".
O fato de que a Vida consagrada "embora não
pertencendo à estrutura hierárquica da Igreja,
pertença contudo indiscutivelmente à sua vida e à sua
santidade", reveste-a de um especial caráter profético para todo
o Povo de Deus. Afirma-o justamente o Concílio quando
declara: "Coloquem os religiosos todo o empenho para que,
através deles, a Igreja apresente, cada dia melhor, Cristo aos
fiéis e aos infieis, enquanto Ele contempla sobre o monte,
anuncia o Reino de Deus às multidões, cura os enfermos e os
feridos e converte para melhor vida os
pecadores, abençoa os pequeninos e faz o bem a todos,
sempre obediente à vontade do Pai que o enviou".
O documento "Mutuae relationes" toca de alguma forma
este aspecto qua.ndo apresenta os traços de autenticidade de uma carisma:
"exame contínuo da fidelidade para com o Senhor, da docilidade
para com o seu Espírito, da atenção inteligente às circunstâncias e da
visão intensamente voltada para os sinais dos tempos, da vontade de inserção
na Igreja, da consciência de obediência à sagrada hierarquia, da ousadia
nas iniciativas, da constância na doação, da humildade no suportar os contratempos".
Em
coerência com estas autorizadas orientações, os distintos
Institutos religiosos são chamados a atuar a comum
função profética, não de maneira uniforme
e indiferenciada, mas em conformidade com o projeto
carismático, indicado pelo Espírito de Cristo
no próprio Fundador e identificado por
quantos, em cada Instituto, têm esta
delicada e empenhativa tarefa de discernimento.
O
problema não está tanto, aqui para nós, em definir as diferenças
ou a complementariedade da função profética da
Vida consagrada em relação aos vários
grupos eclesiais - laicais ou hierárquicos - quanto em
aprofundar e intensificar o próprio
autêntico papel profético de acordo com a
órbita carismática do Fundador.
Deve-se reconhecer entretanto que o argumento da dimensão
profética da Vida consagrada ainda não foi
enfrentado a fundo em nenhum documento do
Magistério universal. Sublinha-se-o em algumas regiões mais sensíveis
(por ex. na América Latina) e em várias intervenções de
Conferências de religiosos. Trata-se sem dúvida
de um tema atual: ele pode contribuir para agilizar a
lentidão no caminho de renovação, calibrar a
sua qualidade e encorajar iniciativas de
mudança, evitando interpretações desviadas: faz conviver com a
própria gente na perspectiva de uma esperança que não
se encontra mais no clima ambiental.
No
final das contas o profetismo indica uma opção permanente de
Deus: a de intervir . pessoalmente nos
acontecimentos humanos. O profeta é um seu
embaixador, não vive numa esfera atemporal, mas
profundamente empenhado com seus contemporâneos: sente-se
enviado por Deus e destinado a transmitir a sua mensagem, não
apenas com palavras, mas também com suas ações, sua
vida, com gestos simbólicos - por vezes até
paradoxais -; ele é um transmissor vivo da luz salvífica de Deus:
manifesta, corrige, estimula, prega, prepara, constrói, sofre
e testemunha; "o espírito do Senhor - diz Isaias -
está sobre mim, porque o Senhor me
consagrou com a unção; enviou-me para levar o
alegre anúncio"; o profeta não é um estranho, mas uma sentinela:
"Eu te constitui sentinela para os
israelitas: escutarás uma palavra de minha boca
e os advertirás em meu nome".
O Deus dos profetas entra através deles na história para
salvar. Eles, em seu nome, definem metas, indicam
critérios para alcançá-las, introduzem novidades
positivas, individualizam os males a serem superados, insistem
com constância sobre o sentido do pecado, mostram caminhos concretos de
conversão, contestam os desvios e os erros.
A aceleração atual das mudanças sociais e
culturais tem necessidade especial da luz de um Deus que se
encarnou justamente para levar a humanidade à
salvação. As múltiplas novidades que se
sucedem com ritmo acelerado concorrem para
fazer esquecer a função profética, ou a instrumentalizá-la em
relação apenas ao âmbito sócio-cultural; neste sentido
vemos sublinhar, por vezes, determinados
aspectos dos profetas do Antigo Testamento sem
fazer referência específica a Cristo; isto pode levar a
perigosas arbitrariedades. Justamente por isso, também, uma
genuína consideração da dimensão profética ocupa um lugar
prioritário na renovação dos Institutos e na busca de empenhos
eficazes para a Nova Evangelização.
Um Povo de Deus sem profecia não teria capacida.de de fermentar
a atual corrida do mundo; seria infiel à extraordinária presença
do Espírito de Cristo manifestada no Vaticano II e em tantos
acontecimentos, eclesiais e sociais, que lhe seguiram: "Vós
sois a luz do mundo - disse o Senhor -, brilhe a vossa luz
diante dos homens"; bem sabendo que a "luz
verdadeira, aquela que ilumina todo homem" é Jesus Cristo.
Hoje, a Igreja inteira é chamada com urgência a profetizar Jesus
Cristo; a exemplo de João Batista deve "dar testemunho da
luz, a fim de que todos creiam por meio dEle".
O
apóstolo Paulo proclama justamente: "Não anunciamos a nós mesmos,
mas a Cristo Jesus Senhor".
Se a Igreja inteira é a isto intensamente convidada,
quer dizer que, nEla, a Vida consagrada deverá
preocupar-se com sua própria função profética numa forma muito
peculiar e intensa, devido ao seu próprio estado de vida "que torna os
seus seguidores mais livres dos cuidados terrenos, torna visível para
todos os crentes a presença, já neste mundo, dos bens
celestes, dá melhor testemunho da vida nova e eterna,
adquirida pela redenção de Cristo, e anuncia de forma melhor a futura
ressurreição e a glória do Reino celeste. Igualmente de
maneira mais fiel imita e continuamente representa na Igreja
a forma de vida, que o Filho de Deus assumiu quando veio ao
mundo para fazer a vontade do Pai e que propôs aos discípulos que
o seguiam. Finalmente, de modo especial, manifesta a elevação do
Reino de Deus acima de todas as coisas terrestres e as suas
exigência supremas; demonstra também a todos os
homens a proeminente grandeza da força de Cristo reinante e
a infinita força do Espírito Santo, que age admiravelmente na Igreja".
FERMENTO NA SIGNIFICATIVIDADE
Em
Jesus Cristo realiza-se a nova e definitiva Aliança, não mais com
um único povo de uma determinada cultura e organização
religi.oso-social (Israel), mas com toda a humanidade na multiplicidade
de seus povos e de suas culturas, dando um
significado profundamente novo à intervenção de Deus
através da profecia, do sacerdócio e da regalidade.
No Antigo Testamento a função do profeta - suscitado de
forma pessoal por Deus mesmo - era
distinta e separada daquela institucionalizada
do sacerdote e do rei; não recebia deles a sua legitimação, mas
de uma relação direta estrita e pessoal com Javé, falava em
seu nome.
Em Cristo unificaram-se indissoluvelmente estas três
funções (profeta, sacerdote e rei); e assim unificadas Ele
a deixou em patrimônio ao seu Corpo místico na história, para
serem exercidas em múltiplos modos e ministérios. O
Concílio Vaticano II recordou-nos que na Igreja a
"comunhão" tem um valor central e
caracterizante; ela se manifesta também na
mútua compenetração destas três funções: juntas servem para
edificar o Reino - não terreno - que é de Cristo ao longo
dos séculos para ser entregue ao Pai no final dos tempos.
No atual momento histórico o exercício da função profética
é uma das prioridades pastorais mais urgentes. O Vaticano
II sublinhou expressamente em primeiro lugar o serviço da
Palavra, da atividade evangelizadora, da formação das
consciências nos crentes. Os cristãos são chamados a
ser um Povo de profetas com a
criatividade, a inteligente audácia e
a capacidade de testemunho até o
martírio, seguindo o exemplo generoso e
incisivo dos apóstolos.
Olhando para o contexto em que atuaram os profetas do Antigo
Testamento, defrontamo-nos com um Israel em graves
situações de infidelidade social à Aliança,
por isso a obra do profeta costuma manifestar-se
com força numa contestação a um tempo religiosa e
social. Hoje, no mundo, para o futuro de todos
os povos com suas culturas e religiões, atua-se uma mudança
de época que., sem a luz de Cristo, não poderá encetar a justa
rota.
O
momento atual apresenta-se, sem mais, com muitos males a corrigir, mas
a profecia de Cristo é chamada a iluminar e discernir as
instantes novidades para assumir os valores e prevenir ou
corrigir perigosos desvios, de modo que a complexa mudança
antropológica não chegue a um fatal antropocentrismo.
Para
nós Salesianos a específica função profética, neste contexto,
deve ser inserida naquela "opção educativa" que dá um tom
característico a toda a nossa vocação: não somos chamados a ser
"agitadores dos jovens", mas luz para suas consciências como
"sinais e portadores" do amor e da bondade de Cristo. O contexto
juvenil apresenta hoje desafios exigentes; vimos a sua dimensão
no CG23, a nível mundial, explicitado
posteriormente pelas Inspetorias em situações
locais diferenciadas .
Ouvem-se proclamar nos areópagos do mundo inúmeros substitutivos
à luz da fé crista; separa-se o percurso do conhecimento
humano do conhecimento do Evangelho, como se se
tratasse de duas estradas com metas inconciliáveis;
faltam válidas orientações de rota; trata-se de uma hora de
ansiosa busca de mestres para a educação das personalidades.
Procuramos exprimir globalmente, nestes
anos, o nosso esforço de renovação
com o termo "significatividade": tornar-nos de novo
"sinais" de "nova evangelização" entre os
jovens justamente com uma "nova educação".
Estamos dando passos concretos: mas há
o que perseverar, aprofundar e intensificar
Temos que nos convencer de que a dimensão profética de
nossos empenhos constitui o núcleo central da nossa
significatividade. O Comentário oficial ao art. 2º das Constituições
("ser sinais e portadores") afirma claramente que se trata de "um
empenho terrivelmente exigente, porque envolve toda .
a pessoa, toda a vida, toda a ação dos
Salesianos, deslocando-os de si mesmos para
centralizá-los, ao mesmo tempo, em dois polos do Cristo vivo e da
juventude, e no encontro de um e de outro no amor. Empenha os
Salesianos a serem duplamente servidores de Cristo
que os envia e dos jovens aos quais são enviados, a
revelar o amor-chamado de Cristo e a suscitar o amor-resposta dos
jovens. Este é o significado último de todas as suas
`obras de caridade espiritual e corporal'".
Esta
é justamente a função profética do Salesiano: somos (é
exortativo) "profetas-educadores"!
A significatividade tem uma esfera mais ampla daquela da
profecia, mas ser autêntico profeta de Cristo é o seu
fermento vital, de forma tal que sem ele a própria
significatividade perde sentido. Este papel profético,
porém, situa-se "dentro" das atuais exigências da
nova educação, em partilha e
harmonia de intentos: Cristo
escolheu na encarnação a
reviravolta antropológica para que
a sua luz derrote, a partir
de dentro, o antropocentrismo.
Fazer profecia hoje para nós não
significa tanto um exibicionismo
sócio-cultural, quanto saber
anunciar validamente o
acontecimento supremo de Cristo como medida de todas as
novidades, mostrando abertamente os seus
dinamismos de futuro, proclamando a sua proveniência
divina, irradiando os seus poderosos fachos de luz que, únicos, mostram
em que consiste verdadeiramente o homem.
Trata-se de fazer com que os jovens sintam a presença e a força
do amor de Cristo em clara fidelidade às suas iniciativas. Uma
atividade profética que não é fantasia individual, mas serviço ativo e
criativo ao seu mistério; este não se reduz a simples observação
religiosa, mas é comunicação de energias de salvação; não
propicia em primeiro lugar qualquer revolução estrutural, mas se
concentra na formação das mentalidades e na c.onversão das
pessoas e a também saber fazer, quando necessário, contestação
cultural e social, embora não com metodologias de tipo horizontal
e temporal.
Somos, chamados, pois, a intensificar
uma dimensão profética que dinamize e intensifique a
significatividade salesiana.
A CONTEMPORANEIDADE DE CRISTO
A função profética no Antigo Testamento
pertencia a um período da história da
salvação que caminhava em direção a Cristo; as intervenções
de Javé se moviam gradualmente num processo de preparação sempre mais
clara, até chegar ao testemunho de João Batista, que já proclama
a presença do Messias.
Em
Cristo, diversamente, a história da salvação chegou à sua
plenitude; daqui para frente a revelação da parte de
Deus não cresce mais; em Jesus tornou-se presente
para sempre a sua Palavra, nele vive a profecia definitiva: Ele
é o Homem novo, o Senhor da história, o Centro e a
Fonte de qualquer ulterior função
profética; Cristo é "o Novíssimo" (l'éskaton),
o vértice absoluto da intervenção de Deus na evolução humana.
Sem dúvida a evolução humana continua progredindo
e crescendo mesmo depois da Palavra do Senhor; mas é
um progresso e um crescimento na linha da criação,
não na da revelação. Isto comporta novidade de
interpelações e de desafios, mas não
uma Palavra de Deus verdadeiramente nova:
"a economia crista~, com efeito, enquanto é Aliança
nova e definitiva, jamais passará, e não se
deve esperar qualquer nova revelação pública antes da
manifestação gloriosa do Senhor nosso Jesus Cristo".
Esta intervenção definitiva em Cristo não
desconhece, portanto, os dinamismos do
progresso humano na linha da
criação, antes, leva-os explicitamente em
conta; para isso Ele instituiu a Igreja, seu Corpo místico
nos séculos, com a missão de difundir a luz
pascal daq.uele acontecimento definitivo a todos os tempos.
De outra parte o mesmo progresso humano está
ligado a Cristo, quer enquanto Ele mesmo é o seu
"criador" inicial ("por meio dEle Deus criou todas as coisas, sem
Ele nada foi criado"), quer enquanto Ele envia continuamente
- em cada espaço de tempo - o Espírito Santo, que move
todas as coisas na direção do Reino ("Ele
me glorificará, porque tomará do que é meu e vô-lo
anunciará").
Ainda existe, pois, um crescimento humano e, hoje, os
numerosos sinais dos tempos o demonstram:
mudam, de fato, as culturas, as mentalidades do
povo, as situações e as estruturas sociais, a
percepção dos valores, os acelerados desafios e a
busca de uma verdade que oriente.
O
acontecimento-Cristo, enquanto Novíssimo, é de per si
contemporâneo a todo o tempo que se lhe segue;
precisa, porém, que a Igreja dê a conhecer esta
contemporaneidade. E aqui se coloca aquele papel
profético que deve apresentar como
contemporânea, ou seja, como revelação de Deus para hoje e
para os tempos novos, toda a luz do acontecimento-Cristo.
Saber apresentar Cristo como "o grande Profeta" do
presente; fazê-lo aparecer como Mestre
atualizado e perturbador, como Luz que não pode ser
eclipsada por nenhum sinal dos tempos, como Novidade absoluta que mede,
assume e julga todas as novidades que vêm à tona. É a tarefa
da Nova Evangelização chamada a tornar o Evangelho
fascinante.
Não se trata de uma tarefa fácil;
comporta uma função profética indispensável
e urgente. A Igreja, e nela a Vida consagrada,
é chamada a empenhar-se com "novo ardor".
A CHAVE DE LEITURA CONCILIAR
Muitos Fundadores e Fundadoras de Institutos
religiosos realizaram - como dissemos - uma especial
função profética de formas normas em relaç.ão a situações
anteriores: alguns com o testemunho da vida eremítica, cenobítica
e contemplativa atuada para indicar o absoluto de Cristo na
existência humana; outros com o ensinamento
voltado para a iluminação das inteligências, ao
amadurecimento da fé e à colocação de um limite ao erro e à
heresia; outros ainda testemunhando com a caridade operosa o
interesse de Cristo por todas as categorias de necessitados; e
também em outras formas de amor.
Toda
a Vida consagrada é chamada hoje a relançar este aspecto, de acordo com
os multíplices carismas que a constituem.
A
fim de renovar-se nisso é preciso partir de uma ótica segura, que
não seja reviravolta do próprio carisma.
O Vaticano II indica com autoridade uma chave de leitura
ao falar da renovação dos Institutos religiosos. O
decreto "Perfectae caritatis" afirma que se
deve considerar em primeiro lugar "o seguimento de
Cristo como é ensinado pelo Evangelho", tornando-se
indispensável portanto uma fidelidade dinâmica
"ao espírito e às finalidades dos Fundadores, como
também às sa~s tradições".
Estas duas afirmações conciliares não constituem duas chaves
separadas, mas uma única chave de leitura, porque os
Fundadores foram suscitados pelo Espírito de Cristo para
atuar, de acordo com os tempos, a sua missão portadora de
salvação. Eles podem ser
considerados como uma página
viva da contemporaneidade de Cristo, aqueles que
procuraram proclamar a sua profecia em seu momento histórico em
relação aos próprios destinatários.
Para tornar contemporânea a grande profecia
da Nova Aliança, eles viveram "dentro" da própria
atualidade, dóceis e em sintonia com o Espírito do Senhor, para
entender onde está situada a urgência da salvação, quais sejam as
interpelações e os desafios, e o por quê das zonas
escuras, caracterizadas pela ausência, pe.la indiferença e pela
recusa da luz pascal. É, com efeito, "a partir
de dentro" que se
pode encaminhar um
discernimento de contemporaneidade.
É importante observar, porém, a esta altura, que a função
profética da Nova Aliança não somente responde a
exigências emersas no desenvolvimento humano. A
profecia de Cristo oferece sem dúvida grandes e adequadas
respostas a muitas questões; mas o Evangelho não é apenas resposta, é
iniciativa de Deus que revela e ensina: ele propo~e, interpela,
previne, ensina, corrige e também responde.
A renovação profética, portanto, não se limita a
preocupar-se com o polo da cultura emergente
com seu contexto de vida, sua linguagem e seus
métodos - sem dúvida isto é indispensável -; ela vai em
primeiro lugar e a fundo investigar, de
novo e com a sensibilidade do "a partir de
dentro" cultural, o polo luminoso do acontecimento-Cristo para
individuar com maior clareza os seus núcleos vitais de mais
penetrante incisividade e, dessa forma, saber comunicá-los com
verdadeira atualidade.
O
Espírito do Senhor confiou a Dom Bosco e a nós, na missão profética da
Igreja, um campo operativo caracterizado -
como dizíamos - pela "opção educativa"
a favor da juventude necessitada, em relação também
às classes populares.
Chamou-nos a ser "profetas-educadores"! A renovação
da função profética do nosso carisma não pode ser uma espécie de convite
a mudar de "ocupação", ou seja, a sair da opção educativa; mas,
segundo a chave de leitura indicada, um estímulo a despertar-nos, a reforçar
a coragem da fé, a abrir-nos com mais audácia à busca de caminhos pedagógicos
que tornem o mistério de Cristo contemporâneo aos jovens.
Empenhamos a nossa função profética com uma nova
educação crista~, na medida das várias categorias de jovens
com os quais vivem.os e agimos, ativando itinerários
educativo-pastorais construídos em referência
direta a eles, valorizando adequadamente experiências do
passado e presente e criando outras novas.
COM DOM BOSCO, CONFORME A NOSSA CONSAGRAÇÃO APOSTO'LICA
Seguindo a chave de leitura indicada,
podemos evidenciar - embora brevemente -
o sentido e o modo com que o nosso carisma participa da
função profética da Igreja a favor dos jovens e das
classes populares nas várias culturas e situações
geográficas.
O CG23 encaminhou-nos com
sério discernimento quer
para a contextualização das
nossas atividades, quer para a
releitura da contemporaneidade do mistério de Cristo.
Gostaria de evocar aqui alguns dados mais empenhativos de
nossa função profética em seu aspecto de "proposta" de
Cristo, referindo-os aos elementos constitutivos de nossa
consagração apostólica, como ela é indicada no artigo 3 das
Constituições.
Quatro são os elementos de base indicados naquele
artigo: a aliança (estar com Cristo), a missão
(apóstolos dos jovens), a comunhão (comunidade
fraterna) e a radicalidade evangélica
(prática dos conselhos). Queremos escolher para cada
um deles alguns aspectos de maior urgência profética a fim
de intensificar-lhes o testemunho. Indico, aqui, aqueles
que considero mais incisivos no atual esforço de renovação.
NA ALIANÇA.
- A aliança de nossa profissão religiosa exige um testemunho de
especial intimidade com Cristo, de forma vital e constante.
Está aqui o segredo de toda
profecia: é preciso que os jovens
percebam que somos "sacramentos de Cristo", sinais e
portadores do seu amor, que vivemos dEle e com Ele por eles.
Pode-se recordar sobre isso a intensidade das relações pessoais com
Javé por parte dos profetas do Antigo Testamento; esta é a.
condição-base: ela não é fruto de uma genialidade
psicológica ou de simples simpatia humana. É uma vocação:
"antes de formar-te no seio materno eu te conhecia; antes de
vires à luz eu já te havia consagrado; eu te estabeleci profeta
das nações"; "tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei
seduzir; no meu coração havia como que um fogo
ardente, encerrado em meus ossos; esforçava-me por
contê-lo, mas não conseguia".
E, no Novo Testamento, o entusiasmo místico do
apóstolo Paulo afirma claramente: "para mim
viver é Cristo"; "não sou mais eu quem vive, mas é Cristo
que vive em mim"; "quem está em Cristo é uma criatura nova; o
antigo passou, surgiu o novo". A aliança da profissão
religiosa é uma amizade pessoal transformadora que
nos faz viver em Cristo, com Cristo e por Cristo.
A nossa dimensão profética mostra um
caráter cristocêntrico muito definido. A amizade e a
intimidade quotidiana com Cristo fazem viver em sua
novidade. A ponto de
sermos capazes de mostrar
adequadamente a contemporaneidade do seu mistério:
"Deus se propôs, na economia da plenitude dos tempos,
de recapitular todas as coisas em Cristo, as do céu
e as da terra". Nesta luz se poderá perceber, a partir do
interior das mentalidades culturais, o aspecto
cristão de tantos temas de interesse
atual: amor, solidariedade, libertação, justiça e paz,
verdade e consciência, sentido de pecado,
bondade e perdão, voluntariado e
dom de si, personalidade e sacrifício,
diálogo intercultural, sentido da história, etc.
Gostaria de recomendar sobretudo três aspectos nos quais
concentrar a função profética partindo da ótica
desta nossa aliança: a comunicação da Palavra
de Cristo, sua novidade pascal na Eucaristia e a experiência
da sua infinita Bondade na Reconciliação.
Sobre eles há de se concentrar a n.ossa atenção pedagógica.
Trata-se de aspectos centrais do Sistema Preventivo a ser
relançado profeticamente, com coragem e inteligência, com
uma metodologia e com ritmos incisivos, conforme a possibilidade das
pessoas e dos grupos.
- A COMUNICAÇÃO DA PALAVRA DE DEUS. Questionemo-nos: podemos
dizer que temos hoje uma interioridade de aliança com o Senhor, que
nos faça ser catequistas atualizados? O primeiro oratório de Dom Bosco
foi um simples catecismo, e ele sempre considerou como escopo primário
de suas obras a comunicação da Palavra de Deus. O Capítulo Geral Especial
(1971) legou um importante documento sobre "Evangelização e Catequese"
que é válido ainda hoje. Em suas "orientações operativas"
afirma que: 1º - a Congregação salesiana está hoje em estado de missão
evangelizadora; 2º - a Inspetoria é "comunidade a serviço" da
evangelização; 3º - cada comunidade é uma comunidade evangelizadora, ou
seja, uma comunidade em escuta, em busca, inserida na Igreja local, educativa
e animadora.
Igualmente o Capítulo Geral 21º
(1978) estudou, em seu primeiro documento
("Os Salesianos evangelizadores dos jovens"), este mesmo
argumento prioritário. A atualidade de suas
orientações (que desejavam uma "nova
presença salesiana" neste campo) foi-se concentrando
no projeto educativo-pastoral, já familiar nas Inspetorias
e nas casas.
O Capítulo Geral 22º (1984) elaborou o texto definitivo da
nossa Regra de vida. Releiamos o art. 34: "a evangelização
e a catequese são a dimensão fundamental da
nossa missão. Como Dom Bosco, somos chamados
todos e em qualquer ocasião, a ser educadores da fé. Nossa
ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo;
e a alegria mais profunda, revelar
a todos as insondáveis riquezas do seu mistério.
Caminhamos com os jovens para conduzi-los. à pessoa do
Senhor ressuscitado, a fim de que, descobrindo nEle e em seu
Evangelho o sentido supremo da própria
existência, cresçam como homens novos."
Finalmente o Capítulo Geral 23º (1990) é todo dedicado à
educação dos jovens à fé e está orientando a nossa
renovação. Agrada-me ressaltar que o destinatário
direto deste documento