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HOMILIA PARA O FUNERAL DE P.P.LIBERATORE

HOMILIE DO REITOR-MOR - PASCUAL CHÁVEZ


“Serão como estrelas no céu”
(Ap 7,2-4.9-14; 1 Jo 3,1-3; Mt 5, 1-12a)

Homilia fúnebre do P. Pasquale Liberatore


CEstamos reunidos para celebrar esta eucaristia com sentimentos de dor pelo desaparecimento tão improviso do P. Pasquale Liberatore que nos deixou chocados, mas com imensa gratidão a Deus pelo dom que nos fez neste irmão, autêntico filho de Dom Bosco.

Acompanham-nos seu irmão e sua irmã, os amigos e tantos membros da Família Salesiana que, como nós, tiveram o privilégio de conhecê-lo e enriquecer-se com os dons com os quais agradou ao Senhor adorná-lo. Muitas outras pessoas fizeram-se presentes através de fax, e-mail e telefone por apresentar as condolências e dar testemunho da sua vida dedicada a serviço da Congregação e da Igreja, especialmente nestes últimos onze anos como Postulador Salesiano para a causa dos Santos.

Tão logo advertido da sua morte, acompanhado pelo Padre Luc, fui rezar em seu quarto onde repousava, com a cabeça levemente inclinada e o rosto sereno. Enquanto, ainda chocado, agradecia ao Senhor pelo dom que nos fez dele, descobri em sua mesa de trabalho uma frase, tirada do Salmo 62, a nós tão familiar, que o P. Liberatore devia olhar sempre que se sentava para trabalhar no quarto: “Minha carne desfalece por ti, como terra deserta, árida, sem água”. Mesmo que se nos possa parecer prematura, ou melhor, tempestiva e dolorosa, com o seu desaparecimento, o Padre Liberatore realizou o seu desejo mais profundo: o desejo de Deus parou seu coração, sua carne repousa serena, “bebe da água que Cristo dá e não terá mais sede” (Jo 4,13).

Humanamente falando, sua morte é uma grande perda para todos, para seus caros, a Congregação e a Família Salesiana que servia com tranqüila paixão e competência laboriosa, crendo, promovendo e fazendo reconhecer a santidade salesiana. Estou certo de que Maria Auxiliadora e Dom Bosco o terão acolhido e introduzido pelas mãos no Paraíso e que exulta agora com os seus e com todos os santos da nossa Família, na morada da luz, da paz, da alegria e da vida de Deus. Parece que a data da sua partida, justamente às vésperas da Festa de Todos os Santos, esteja a indicar aquilo em que ele creu e proclamou, aquilo que ele experimentou e propôs, que a nossa vocação é a santidade, e que ser santos se consegue... por graça.

Sem ceder à tentação de fazer da homilia um elogio da pessoa, mas convencido ao mesmo tempo de que, neste caso, existem muitos elementos da sua vida que ilustram a Palavra, não posso deixar de fazer da sua existência consagrada e da sua mensagem uma indicação para a reflexão que compartilho convosco.

De fato, a vida do P. Liberatore foi – segundo os que o conheceram de perto e compartilharam com ele consagração e missão, sonhos e trabalhos, alegrias e sofrimentos, temores e trepidações – uma vida permeada pelo Evangelho, aprendido em casa e desenvolvido e amadurecido ao longo dos anos de sua vida salesiana. Como simples irmão, como superior – diretor e inspetor por bem doze anos, antes na Inspetoria Meridional e depois na Ligure-Toscana –, e enfim como Postulador, soube demonstrar-se sempre digno filho de Dom Bosco, senhor nas relações interpessoais, homem reto e rico de sabedoria, trabalhador incansável, sacerdote entusiasta e criativo em todas as coisas que lhe foram confiadas, bom pastor, zeloso e generoso, que tinha em mente a salvação dos outros, um salesiano segundo o coração de Dom Bosco.

Chegaram nestes dias, desde o momento em que ele nos veio a faltar, muitas mensagens de condolências – via fax, ou e-mail, e chamadas telefônicas –, e todos fizeram ver facetas novas que evidenciam a rica personalidade do P. Liberatore, mas sempre com um elemento que os aproxima e torna harmoniosos: a sua simplicidade e humildade, a sua gentileza e generosidade, a sua identidade salesiana, a sua paixão pela santidade, que é dom de Deus.

Para o P. Pasquale adapta-se muito bem o programa de vida traçado pela carta aos Filipenses na exortação que a Igreja quis sugerir para celebrar a Festa de Dom Bosco: “Tende em consideração tudo o que é verdadeiro, bom, justo, puro, digno de ser amado e honrado, o que vem da virtude e é digno de louvor”. Era justamente essa a sua personalidade que o tornava atraente, mesmo se – no ao meu ver – preferia não aparecer, como fruto da sua simplicidade e humildade. Padre Liberatore gostava de viver em profundidade, consciente de que os verdadeiros tesouros jamais são encontrados na superfície da terra, mas que devem ser escavados profundamente. Por isso não receava indicar a todos os seus interlocutores vértices elevados a alcançar na vida humana e espiritual.

É realmente belo, ou melhor, é uma graça encontrar irmãos que se tornam amigos, companheiros de caminho, “um amigo espiritual sincero” com quem sonhar e ajudar-se a “ser” o que somos chamados a “ser”

Haverá de faltar-nos muito sua palavra sábia e encorajadora, seu rosto tranqüilo e sorridente, sua disponibilidade a ajudar quem quer que fosse, seu caminhar pelos corredores da Casa Geral com passo curto e leve, o olhar sereno e seu pensamento no Paraíso.

Haverá de faltar-nos porque cada pessoa é única, mas nos deixa um testemunho e uma mensagem de que fazer tesouro. O seu testemunho e a sua mensagem podem encontrar-se no poema intitulado “Os Santos”, um próprio credo pequeno e pessoal, que encontramos em seu escritório e que me serve como conclusão ideal desta homilia. Nele, ele faz um elogio dos santos; agrada ler a riqueza de imagens utilizadas para falar de Deus, da santidade. Lendo o poema pude tocar com as mãos a sua acentuada e fina sensibilidade humana e espiritual e sentir o seu anseio de plenitude de vida, de amor e de felicidade em Deus, a sua força interior, a sua experiência espiritual que queria compartilhar e que sabia propor de forma apaixonada e convincente.

OS SANTOS

“Serão como estrelas no céu:
resplenderão como o firmamento”

Visíveis aos milhares
como as estrelas a olho nu, mas incomparavelmente mais numerosos
ao telescópio que alcança também aqueles sem auréola.
Vulcões incandescentes
quase aberturas
sobre o mistério do Fogo Trinitário.

Romances aventurosos
escritos pelo Espírito Santo
onde a surpresa é norma.
Existências do mais variado gênero literário,
mas sempre fascinantes:
do estilo de um drama ao sabor de uma fábula.

Clássicos da sintaxe das Bem-aventuranças,
sempre convincentes,
graças à sua alegre existência.
Cosmonautas do espaço
aos quais se devem as mais audaciosas descobertas,
possíveis apenas a quem muito se distancia da terra.

Gigantes tão diversos de nós
como o é sempre o gênio,
contudo concidadãos do nosso mesmo tecido.
Sujeitos a erros e insucessos,
mas sempre homens de exceção:
não devem ser banalizados com a desculpa de senti-los companheiros de viagem.

Sinais da absoluta gratuidade de Deus
que enriquece e eleva
segundo os misteriosos critérios de Sua liberalidade.
Têm como residência própria uma paz inalterável
acima dos comuns conflitos humanos
contudo sempre insatisfeitos porque não cessam de tender ao mais.

Em órbita ao redor do essencial,
eles,
os profetas do absoluto.
Grandes artistas
na forja do Belo
diante de quem vai a êxtase o coração humano.

Homens e mulheres realizados,
testemunhas da secreta harmonia entre natureza e graça.
Loucos de Deus
enamorados a ponto
de editarem um vocabulário desconcertante.

Os mais distantes, por instinto, de qualquer gênero de culpa
e os mais próximos, sempre,
de qualquer categoria de culpáveis.
Platéias nas quais o divino dá espetáculo
e, eles mesmos, humildes expectadores,
graças a um desapiedado conhecimento do próprio nada.

Empenhados num contínuo esconder-se
e, embora inevitavelmente luminosos,
como cidades situadas sobre o monte.
Portadores de mensagens eternas
para além do tempo,
do progresso, das culturas, das raças.

Palavras de fogo
que o Senhor pronuncia para sacudir a nossa indolência,
vergastadas do Mestre Divino sobre a mesa, para despertar-nos, alunos distraídos.
Milagres vivos
diante dos quais não se precisa de especialistas
para aceitar a extraordinariedade do Evangelho vivido sine glossa.

Heroicamente desapegados do humano
eles, especialistas no superlativo
dos matizes humanos.
Verdadeiros mestres de psicologia
que através do amor
alcançam as dobras mais recônditas do coração humano.

Capazes de fazer vibrar as nossas raízes melhores,
e tocando as cordas de ressonância antiga
infundem nostalgia de futuro.
Como as estrelas do céu:
tão diversas entre si
e, no fundo, acesas de um mesmo fogo.

Este o seu poema.

Padre Pasquale, hoje queremos dar graça a Deus pela tua vida, dom precioso que Ele nos fez; e queremos também te agradecer pela tua exemplar consagração à missão salesiana. Repousa em paz na casa do Pai, e intercede por nós. Amém.

P. Pascual Chávez V.
Roma – Casa Geral, 3 de novembro de 2003