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Intervenção no Sínodo : Palavra de Deus e evangelização dos jovens.

MENSAGENS DO REITOR-MOR - PASCUAL CHÁVEZ

 

Palavra de Deus e evangelização dos jovens

Intervenção do Reitor-Mor no Sínodo dos Bispos 2008

A minha intervenção refere-se ao número 53 do Instrumentum laboris, no qual se afirma que "É preciso que os fiéis tenham acesso livre à Sagrada Escritura" (DV 22). Hoje, trata-se de "um requisito indispensável para a missão [...]. Para tanto é preciso [...] suscitar o movimento bíblico entre os leigos..., com atenção especial aos jovens". Concretamente, gostaria de centrar-me sobre o modo de aproximar hoje a Palavra de Deus ao mundo juvenil.
A fim de responder à questão do Instrumentum laboris, "como ir da vida ao texto e do texto à vida", ou também, "como ler a Bíblia com a vida e a vida com a Bíblia (IL 22e) na evangelização dos jovens, parto da narração de Emaús, "modelo exemplar de encontro do crente com a mesma Palavra encarnada (cf. Lc 24,13-15)" (IL 26b).

Proposta à vivência da experiência pascal, a narração de Emaús identifica o horizonte, a meta, ao qual o crente deve chegar, e desenha, ao mesmo tempo, o caminho, a metodologia, para aproximar-se dele. O episódio, crônica de um fato passado, ilustra a caminhada para a fé e para a comunidade, e descreve suas etapas e seus conteúdos, sempre atuais. A narração lucana oferece-nos um itinerário preciso de evangelização no qual se diz quem, Jesus por meio da sua palavra, e como, caminhando juntos, se evangeliza.

 


1. Meta da evangelização: encontrar Cristo redescobrindo a vida e o testemunho na Igreja

A narração abre-se falando do afastamento de Jerusalém dos dois discípulos de Jesus. Desolados pelo que acontecera há três dias, abandonam a comunidade, na qual, porém, há alguns que começaram a dizer que o Senhor foi visto vivo; os dois discípulos não podem crer em rumores de mulheres (Lc 24,22-23; Mc 16,11). Reconhecê-lo-ão somente ao final da viagem, quando virem Jesus repetir o gesto de partir e distribuir o pão abençoado, para logo em seguida perdê-lo de vista e retornarem à comunidade: a conclusão, inesperada, da viagem a Emaús foi reencontrar-se com a comunidade dos discípulos em Jerusalém. O Ressuscitado não ficou com eles, e eles não puderam ficar sozinhos: retornaram à comunidade onde se encontra o Cristo.

A consequência lógica do encontro pessoal com o Ressuscitado é redescobrir a comunidade e reencontrar-se na Igreja, lugar de viver a fé comum. Fora da comunidade, o anúncio do evangelho parece rumor a não se crer (Lc 24,22-23). Se o Ressuscitado não tivesse feito comunidade com eles, durante a viagem e na refeição, os dois discípulos não conseguiriam percebê-lo vivo, nem teriam recuperado a vontade de viver em comum. Observemo-lo bem: não importa se aquele que retorna à comunidade abandonara-a anteriormente; é decisivo, porém, que se retorne o quanto antes, logo depois de ter visto o Senhor. Só quem recupera a vida comum, sabe que o Ressuscitado esteve com ele, e recuperará a alegria de tê-lo percebido ao seu lado (Lc 24,35.32).

Se "a vida de comunhão com Deus e com os irmãos é o objetivo do anúncio evangélico", resulta decisivo "para a evangelização o testemunho da vida de comunhão, porque é uma experiência que antecipa, em germe, a realidade que é o objetivo da esperança".[1]Se "o testemunho é a única linguagem capaz de convencer os jovens de 'que Deus existe e o seu amor pode saciar uma vida' (Const. SDB, 62), a evangelização deve preocupar-se, como opção estratégica, e "concentrar a atenção e o elã" na "unidade da comunidade, que é sinal evangélico que Jesus pede aos seus discípulos por ele enviados ao mundo".[2]

Deve-se temer, então, uma evangelização, qualquer que sejam os seus métodos e sem pôr em dúvida as melhores intenções, que não parta de uma vida em comum, levada adiante com alegria pelos evangelizadores, que não proponha aos evangelizados a alegria de ter encontrado Cristo na comunidade. Se assim fosse, ela seria uma evangelização que não nasceu do encontro com o Ressuscitado nem pode desembocar no encontro com Ele. Aqueles que viram o Ressuscitado e comeram com Ele não puderam retê-lo; mas recuperaram a vontade de falar da experiência vivida, ao retornar à sua comunidade. Isso não é casual, mas prova uma lei da existência cristã: quem sabe e proclama que Jesus vive Ressuscitado, vive a sua experiência em comum: "o encontro com Jesus Cristo na fé tem o seu lugar privilegiado na Igreja".[3]

Embora devamos reconhecer que "a pertença dos jovens à Igreja não alcança imediatamente a maturidade",[4]é preciso dizer que se não vivem nela, a fé dos evangelizadores e a dos jovens seria deficiente. "Faltaria a referência indispensável para viver como crentes". O objetivo final do encontro com Cristo, o seu certificado de garantia, é viver a experiência de Igreja, "amadurecendo assim o sentido de pertença à comunidade cristã".[5]

 


2. A
metodologia: caminhar juntos

A razão, provavelmente, pela qual o episódio de Emaús é tão atual está em sua contemporaneidade com a nossa situação espiritual. É fácil sentir-se identificados com os discípulos que retornam à casa, antes do pôr do sol, cheios de conhecimentos e de tristeza.

Ir frustrados até Jesus, o ponto de partida

Mais do que aquilo que acontecera em Jerusalém, o ponto de partida da viagem para Emaús foi a íntima frustração pessoal: o desconforto dos discípulos nascia do desespero que os invadiu devido ao modo com que se concluíra a sua aventura com Jesus de Nazaré (Lc 24, 17-21). Viveram com ele, e a convivência despertara neles as maiores esperança: "profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e diante de todo o povo", parecia que "fosse ele quem libertaria Israel" (Lc 24,19.21); ao contrário, sua morte na cruz sepultara todas as suas expectativas. Era mais do que lógico que sentissem a derrota, sentissem que foram enganados. Justamente porque anteriormente se tinham apaixonado por ele, sentiram-se fortemente desiludidos depois do que acontecera.
Que a desilusão fosse a razão do afastamento dos discípulos, que o cansaço acumulado em três anos do seguimento de Jesus e a amargura pelo modo como acabara os levassem a abandonar a vida comum, deve servir como advertência para nós. Hoje, os jovens compartilham poucas coisas com esses discípulos, mas talvez nenhuma tanto quanto a frustração de seus sonhos, o cansaço e o desencanto no discipulado; seguir a Jesus, pensam muitas vezes, não tem sentido, não vale à pena: um morto, um ausente, não vale a vida deles.

É a hora de ir para Emaús. No caminho, com suas angústias, há também a oportunidade de um encontro com Jesus. Contudo, não se deve ir sozinho. Os jovens precisam de uma Igreja que se aproxime de seus problemas e insatisfações, que não só compartilhe com eles o caminho e o cansaço, mas também saiba conversar com eles, assumindo as suas incertezas. De que modo a Igreja poderá representar o Senhor ressuscitado se não se demonstrar preocupada com suas coisas e com a sua vida? "Ir e encontrar os jovens onde se encontram, acolhê-los desinteressadamente e com solicitude nos nossos ambientes, colocar-nos em atenta escuta de seus pedidos e aspirações são, para nós, opções fundamentais, que precedem qualquer outro passo de educação da fé".[6]Foi esta, ao menos, a primeira opção de Jesus no caminho de Emaús.

Do saber tantas coisas sobre Jesus ao deixá-lo falar durante o caminho

Pelo caminho, parece que só o desconhecido não tivesse qualquer ideia do acontecido em Jerusalém (Lc 24,17-24). Conhecer, porém, tantas coisas sobre Jesus não levou os discípulos a reconhecê-lo; conheciam o kérygma, mas não chegaram à fé, sabiam muito sobre ele, mas não foram capazes de vê-lo caminhar ao seu lado; sabiam demais sobre um morto, a ponto de não conseguir vê-lo vivo. O desconhecido teve que se empenhar a fundo para fazê-los ver o que acontecera sob a luz de Deus, segundo as Escrituras: contemplando, então, a Deus na história de Jesus, descobriram o plano de Deus e compreenderam tudo: a morte do mestre não fora nem infortúnio nem tragédia, mas parte de um programa divino de salvação.
Como Cristo, a sua Igreja deve renunciar a alimentar nos jovens esperanças inconsistentes, expectativas falsas, e ensinar a suportar o que acontece, neles e ao redor deles, ajudando a reler os eventos à luz de Deus, segundo a sua Palavra: as ilusões, as falsas esperanças não têm futuro, mesmo se surgirem no seguimento de Jesus. Se quisermos que a nossa erudição sobre Cristo se torne evangelho de Deus para os jovens, se desejamos que tudo aquilo que acontece seja um encontro com Ele, devemos restituir à sua Palavra o papel de guia soberano da existência dos jovens. Enquanto não os fizermos ver o cotidiano no plano de Deus, enquanto eles não sentirem a sua voz nas palavras/eventos que se sucedem ao redor deles, nem individualizarem a sua mão nas nossas que os ajudam, a nossa ciência não os levará a conhecer Cristo. Este é o saber que não se pode absolutamente transcurar.

Se não lhes falarmos, levando-lhes à convicção de que todos os acontecimentos são parte de um grande, admirável, projeto divino, fruto e prova de um amor colossal, como conseguirão os jovens sentir-se amados por Deus? Para termos sucesso, deveríamos ser seus companheiros na busca do sentido da vida e na busca de Deus.[7] Eis aqui um caminho, ainda pouco utilizado na Igreja, muito urgente para os jovens: 'sem conhecer as Escrituras, não se conhece o Cristo'.[8]

Acolher Jesus em sua casa, a etapa decisiva

Tendo chegado a Emaús, os discípulos ainda não tinham chegado ao conhecimento pessoal de Jesus, não tinham identificado o Ressuscitado no acompanhante desconhecido. Na realidade, Emaús não foi meta da viagem, mas etapa decisiva. Convidado a deter-se, Jesus, ainda desconhecido, repete o seu gesto sem dizer qualquer palavra; hóspede em casa alheia, o hóspede não demora a ser anfitrião; e, como proprietário, abençoa e distribui o pão. A práxis eucarística entre os já crentes é palavra de ordem da sua presença real.
Os dois de Emaús não reconheceram o Senhor quando caminhavam com ele e dele aprendiam a entender o sentido dos acontecimentos; só a explicação das Escrituras não lhes abriu os olhos, apenas aqueceu-lhes os corações (cf. Lc 24,32); não foi suficiente caminhar com Jesus e ouvir a sua voz. Aquilo que Jesus não conseguira fazer com o acompanhamento, com a conversação, com a interpretação da Palavra de Deus, aconteceu com o gesto eucarístico: os olhos para contemplar o Ressuscitado abrem-se onde Ele repete o gesto que mais o identifica, embora não bem reconhecido (Lc 24,30-31).
A narração de Emaús pode ser paradigma da biografia espiritual dos nossos jovens: hoje, nós não temos outro acesso direto ao Senhor Jesus a não ser aquele que nos é oferecido pela comunidade reunida em seu nome para abençoar o pão e compartilhá-lo; só a memória eucarística pode dar ao nosso coração, não apenas alegria e fervor, mas olhos para ver o Senhor e vontade de reconhecê-lo.

A leitura da Escritura, mesmo que dê a conhecer o plano de Deus no cotidiano e aqueça o coração, de nada servirá se não levar ao encontro com Cristo na comunidade reunida ao redor da mesa eucarística. Não importa se houver cansaço ou desilusão, como com os dois discípulos de Emaús; quando se parte e se partilha o pão na comunidade, Jesus sai do anonimato: "Nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da Eucaristia".[9]

Qualquer educação à fé que se esquecer do encontro sacramental dos jovens com Cristo ou retardá-lo, não será um modo de encontrá-lo com eficácia segura. A celebração eucarística é, e deve permanecer, "fonte e cume da evangelização".[10] A eucaristia é "a fonte e o cume da vida cristã".[11]

Trata-se de uma falsa desculpa dizer que nem todos os jovens estão suficientemente preparados para celebrar o encontro com Cristo; pois encontrá-lo jamais foi consequência do esforço deles, nem fruto do seu desejo, mas graça de Cristo, que se faz encontrar por aqueles a quem ama. Estariam os dois de Emaús bem preparados para descobrir o Senhor no companheiro desconhecido de caminhada?

Na aventura dos discípulos de Emaús encontramos as etapas decisivas, e sucessivas, que é preciso percorrer para refazer, na educação à fé dos jovens, a experiência pascal que acompanha o surgimento da vida em comunidade e do testemunho apostólico. "Fazemos tudo isso a exemplo do Senhor e seguindo o método da sua caridade no caminho de Emaús. Repetimos suas atitudes: tomamos a iniciativa do encontro e nos colocamos ao lado dos jovens; com eles percorremos o caminho ouvindo, partilhando seus anseios e aspirações; e lhes explicamos com paciência a mensagem exigente do evangelho; e com eles ficamos, para repetir o gesto de partir o pão e despertar neles o ardor da fé".[12]

Proposições

  1. No caminho de Emaús, Jesus apresentou-se aos discípulos a conversar com eles. A aproximação da Palavra de Deus não pode se reduzir à leitura e compreensão do texto bíblico, mas é caminho para encontrar Jesus Ressuscitado; uma leitura da Palavra que não se torne encontro pessoal está destinada a falir.
  2. Jesus apresentou-se aos discípulos no caminho para Emaús, acompanhando-os durante toda a caminhada. Para abrir a inteligência e os corações, Jesus acompanhou os discípulos pelo caminho, mesmo sendo de afastamento em relação à comunidade, e interessou-se de seus problemas. O evangelizador deve adotar o método de Jesus: acompanhar a caminhada e compartilhar a vida dos evangelizados.
  3. No caminho para Emaús, Jesus apresentou-se aos discípulos escutando suas preocupações e explicou o que acontecera referindo-se às Escrituras que falavam dele. O objetivo da leitura da Escritura é descobrir o plano de Deus na própria história; o plano de Deus revela-se quando se encontra o sentido do que nos aconteceu em Cristo Jesus.
  4. O reconhecimento de Jesus só foi possível no encontro eucarístico. Uma leitura da Palavra que não seja preâmbulo e etapa prévia para o encontro eucarístico não faz reaver a fé, nem retornar à comunidade.


Fr Pascual Chávez Villanueva
Rector Major

(Trad. P. Velho José Antenor)

[1] Cf. CG 21 (Capítulo Geral 21 dos SDB), 34.

[2] CG 23 (Capítulo Geral 23 dos SDB), 219.

[3] CG 23, 140.

[4] CG 23, 141.

[5] CG 23, 140.

[6] CG 23, 98.

[7] Cf. CG 23, 122-128.

[8] Cf. DV 25.

[9] PO 6.

[10] PO 5.

[11] LG 11.

[12] CG23 93.