“Duc in Altum“[1]Ao mar aberto e para o profundo Introdução Durante a caminhada do Jubileu, os Salesianos nos fizemos peregrinos junto com a Igreja conduzida pelo Papa João Paulo II. Com ele percorremos os grandes temas da fé e do batismo, da eucaristia e da reconciliação, da caridade e da missão. Com ele celebramos a grande reconciliação, dentro das nossas características: nos vários Encontros com os jovens e nos Dias Missionários e da Vida consagrada, na aprofundada reflexão sobre o laicato, sobre a educação, sobre o humanismo, e em geral sobre a presença dos cristãos na sociedade e no mundo. Acolhemos agora a proposta de uma nova caminhada feita pelo Papa João Paulo II, assumindo, como nossa, a sua “palavra de ordem”: “Duc in altum!”, ao mar aberto e às águas profundas! O ponto de partida é tomado do passo evangélico transmitido por Lucas, que aqui reportamos textualmente por duas razões. A primeira se prende ao convite, que com freq�ência repetimos aos nossos jovens e a todos os fiéis, de se achegarem ao Evangelho pelo método da lectio divina. Esta página representa muito bem algumas situações constantes ou recorrentes da Igreja: polivalência e confusão de elementos, medos variados, campos de ação indefinidos, aparente ausência do Senhor, urgentes necessidades de fé e de segurança... Pela segunda razão – intimamente unida à primeira – devemos interiorizar esta página como uma eficaz chave de interpretação da vida cristã em nosso tempo, e acolher o convite para meditar, com o mesmo percurso de atualização, outras páginas do Evangelho. Convém notar a este respeito que a Novo Millennio Ineunte é um excelente texto de leitura a ser meditado, para os jovens e para os adultos cristãos, porque não se trata de documento dirigido unicamente a alguns especialistas e de difícil leitura para a mediania dos fiéis. Poderão os jovens, além de tirar proveito, dispor de um argumento pessoal contra a recorrente acusação de que os documentos da Igreja são obscuros, difíceis e alienados da vida. “Certa vez em que a multidão se comprimia� ao redor de Jesus para ouvir a palavra de Deus, à margem do lago de Genesaré, viu dois pequenos barcos parados à margem do lago; os pescadores haviam desembarcado� e lavavam as redes. Subindo num dos barcos, o de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra; depois, sentando-se, do barco ensinava as multidões. Quando acabou de falar, disse a Simão: �Faze-te ao largo (= Duc in altum); lançai vossas redes para a pesca�. Simão respondeu: �Mestre trabalhamos a noite inteira sem nada apanhar; mas, porque mandas, lançarei as redes�. Fizeram isso e apanharam tamanha quantidade de peixes que suas redes se rompiam. Fizeram então sinais aos sócios do outro barco, para virem em seu auxílio. Eles vieram e encheram os dois barcos, a ponto de quase afundarem. � vista disso, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: �Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador!� O espanto, com efeito, se apoderara dele e de todos os que estavam em sua companhia, por causa da pesca que haviam acabado de fazer; e também de Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus, porém, disse a Simão: �Não tenhas medo! Doravante serás pescador de homens�. Então reconduzindo os barcos à terra e deixando tudo, eles o seguiram”.[2] *�� *�� * Esta nossa Estréia nasceu no sofrimento de minha doença; e o cansaço físico dificulta o trabalho do pensamento. Isto, porém, me ofereceu a oportunidade de pensar em vós, palavra por palavra, e de agradecer-vos pelo afeto e a proximidade, pela vossa oração e colaboração solidária, e de pedir para cada um de vós todas as graças, especialmente a da santidade. O sentido profundo do Duc in altum Em três palavras - Duc in altum - se condensa a reflexão e a exortação de João Paulo II, que na conclusão da Carta[3] entende recolher e “relançar” os êxitos e as esperanças das celebrações do Jubileu. O mesmo Papa oferece do Duc in altum uma interpretação geral: “Abre-se diante da Igreja um novo milênio como um vasto oceano onde aventurar-se com a ajuda de Cristo. O Filho de Deus, que se encarnou há dois mil anos por amor da Pessoa Humana, continua também hoje a sua obra: devemos possuir um olhar perspicaz para a contemplar. E sobretudo um coração grande para nos tornarmos instrumentos dela”.[4] De algumas realidades novas já vimos as sementes positivas e negativas. Outras foram apresentadas na reflexão jubilar como desafiadoras da dignidade e do bem do homem. O mar aberto pode referir-se à nova dimensão do espaço em que somos chamados a trabalhar: o cosmos tornou-se o lugar do trabalho do homem, e Cristo deve dar sentido a este empreendimento, às intenções que o guiam, aos propósitos que o movem. É evidente que nem tudo neste momento está conforme ao seu Reino: baste pensar nas bombas que chovem do alto, nas enormes despesas para a só espionagem agressiva e para as muitas guerras que se combatem neste momento. O mar aberto é também a dimensão cultural do planeta: do encontro ao reconhecimento do direito à existência e do valor de muitas culturas, que se devem acolher e comunicar, não em abstrato ou nas salas das bibliotecas, mas entre as pessoas individualmente e nas comunidades humanas. O mar aberto é a multiplicidade religiosa com a qual se defronta o cristianismo e a evangelização. Em nossas comunidades cristãs, nas escolas e nos bairros, entrecruzamos com a multiplicidade das pertenças e das orientações religiosas. O diálogo, o acolhimento, a toler�ncia, a moderação dos ímpetos fundamentalistas fazem parte da educação religiosa e da evangelização, juntamente com o testemunho claro, com a confissão entusiasta e o anúncio eficaz de nossa fé no Senhor ressuscitado. Agora entretanto o cenário da multi-religiosidade delineia-se diferente. É preciso convencer-se de que as religiões existem antes de tudo para o bem e para a liberdade da pessoa humana, e não certamente para um jugo de preceitos (também quando eles possuem sua legitimidade) e que freq�entemente, quando as religiões se propõem assumir a fé do indivíduo e de dar a ela uma forma sócio-cultural, podem tornar-se instrumento de poder e de dominação por meio da definição imposta da verdade, do código de preceitos próprios, da ritualidade obrigatória, da classificação do povo... Experimentou-o Jesus com a religião judaica. É exatamente este o sentido dos seus pronunciamentos contra a autoridade e o templo; é este também o que está na origem de seu comportamento inovador com relação aos pobres, às mulheres, àqueles que eram publicamente rotulados como “pecadores”, às formas exteriores do culto e aos preceitos. A religião sem profecia, carisma, contestação e amor, torna-se peso, jugo. Nós somos “catequistas”, isto é, ensinamos religião: devemos antes experimentar a religião como “fé” comunitária, para tornar-nos especialistas em comunicá-la como fonte de sabedoria, de alegria, de horizontes novos e de esperança. Encontramo-nos em contextos familiares novos onde se entrelaçam as convicções, a toler�ncia, a capacidade de encontro e de diálogo. O mar aberto pode-se referir a questões e problemas que nos últimos cinq�enta anos se tornaram alarmantes, e para os quais invocou-se uma cultura. Qual? João Paulo II afirma que na origem de uma autêntica “cultura do homem” está a espiritualidade. Trata-se quase de um novo programa educativo de que precisa hoje a humanidade. Alguns de seus capítulos estão mencionados na Novo Millennio Ineunte: a educação à vida; a recuperação do sentido e da ética do amor; o ambiente e a responsabilidade de cada um perante ele; o desperdício, e a temperança necessária; a pobreza e a produção dos bens; a dívida externa e a justiça internacional; a solidariedade entre os povos, em nível de boa vontade e de organização institucional; a defesa enérgica dos direitos dos mais pobres (crianças, mulheres, pobres); a paz como estado e como via de solução dos conflitos; a consciência, a sensibilização, a cooperação para solucionar as “grandes chagas” como os deslocados, os refugiados, os doentes de AIDS... Pode-se dizer então que o mar aberto é um conjunto de novas realidades e de valores que não tínhamos ainda suficientemente esclarecido e vivido à luz da Redenção, e que hoje somos chamados a assumir como trabalho e testemunho: Cristo é a plenitude e o sentido da criação; o Pai fez dele o coração do mundo; no espírito da Encarnação, nele e por ele tudo será re-ordenado para o bem da pessoa humana, o que neste momento não está se realizando. Cristo, portanto, deve ainda redimir e libertar a realidade humana do jugo do pecado. Em suma, o convite ao mar aberto encoraja a explorar realidades e valores, e a inseri-los positivamente em nossa formação e em nossa prática educativa. Mas não basta o enunciado de novos espaços, de novas exigências, de novas realidades. O novo milênio se apresenta como uma encruzilhada entre civilização e fé, o que significa um encontro entre humanidade e graça, entre história humana e encarnação. A razão humana cresceu e está sendo desafiada. Baste pensar nos problemas da verdade, do sentido, da ética... Quando, hoje, em educação, falamos de espiritualidade, entendemos, sem descontinuidade, a busca do sentido melhor e ulterior para a nossa vida, a experiência religiosa com os seus elementos fundantes, seus conteúdos e seu caminho, a opção por um tipo de existência. Destas perspectivas a espiritualidade assume os critérios fundamentais de elaboração cultural e de fundamento ético. De aqui a recomendação para que, num compromisso, haja autenticidade, durabilidade e eficácia. É preciso contemplar o rosto de Jesus, o qual continua a repetir também em nossos dias: “Eu sou a verdade”.[5] E fala abundantemente do influxo que possui a atitude do homem perante a verdade, também na aceitação do dom da fé: “Todo aquele que é da verdade, ouve a minha voz”.[6] É justamente esta afirmação que provoca a dúvida cética de Pilatos. Eis a identidade divino-humana que emerge com força dos Evangelhos! Estes “oferecem uma série de elementos, graças aos quais nos podemos adentrar por aquela �faixa-limite� do mistério, representada pela autoconsciência de Cristo”. Há ainda muitos aspectos catequísticos do mistério de Cristo por explorar: a sua absoluta centralidade de referência em todas as formas de religiosidade, segundo os critérios da Cristologia inclusiva; o crescimento humano da autoconsciência de Jesus como Filho de Deus;[7] o mistério de sua presença real no rosto dos pobres. Nunca terminaremos de sondar o abismo desse mistério. Meditando com fé, todos os fiéis acharão espaços infinitos de aprofundamento. Foi por isso que João Paulo II, no ano jubilar, recomendou que se relesse o Evangelho deixando-se guiar pelo Espírito; foi por isso que a leitura dos Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus acompanhou a preparação para o Jubileu. Agora – para ir além das feições corporais e também dos fatos miraculosos, e aproximar-nos da consciência e dos sentimentos de Jesus – junto com a indagação teológica, um auxílio importante nos pode advir daquele grande patrim�nio que é a “teologia vivida” dos santos: mas o direcionamento ‘para o profundo’ vem-nos em primeiro lugar do Evangelho e da história das comunidades cristãs. Se para fazer-se ao largo , ir ao mar aberto, com esperança, eram necessárias algumas direções (verdade, sentido, solidariedade, política), para encaminhar-se ao profundo indicam-se algumas prioridades. João Paulo II enumera as seguintes: a) Partir de Cristo. “Não se trata” sublinha o Papa, “de inventar um �novo programa�. Programa já existe: é o mesmo de sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva. Concentra-se em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar para n’Ele viver a vida trinitária, e com ele transformar a história até a sua plenitude na Jerusalém celeste. É um programa que não muda com a variação dos tempos e das culturas, embora se tenha em conta o tempo e a cultura para um diálogo verdadeiro e uma comunicação eficaz. Este programa de sempre é o nosso programa para o terceiro milênio”;[8] b) Assumir a santidade como ideal e meta cotidiana. Foi esta a carta decisiva do Evangelho para tantas figuras de santos: santos pastores, santos carismáticos, santos educadores, santas e santos da caridade. Talvez seja esta uma das verdades mais importantes que vamos esquecendo nestes últimos anos, embora figuras como as do Padre Pio, Madre Teresa, João XXIII, no-la reproponham eficazmente; c) Aprender a rezar. Exercitar-se na oração e nela crescer, apreendendo-a dos lábios de Jesus cada vez mais renovada. Disto dependem por sua vez numerosos temas e inst�ncias, como a sede de espiritualidade que parece um �sinal� dos nossos tempos; as �escolas de oração�; a mesma vida consagrada; d) Viver a liturgia. Especialmente na Celebração Eucarística dominical comunitária com o máximo de empenho. Lugar privilegiado, portanto, deve ser dado à liturgia, “meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de que promana toda a sua força”.[9] “No século XX, sobretudo depois do Concílio Vaticano II, muito cresceu a comunidade cristã no modo de celebrar os Sacramentos, sobretudo a Eucaristia. É preciso prosseguir nesta direção, dando particular relevo à eucaristia dominical e ao próprio domingo, considerado como dia especial da fé, dia do Senhor Ressuscitado e do dom do Espírito, verdadeira Páscoa da semana. Há dois mil anos que o tempo cristão é marcado pela memória daquele �primeiro dia depois do sábado�[10], quando Cristo ressuscitado trouxe aos Apóstolos o dom da paz e do Espírito”;[11] e) Acolher a verdade da ressurreição de Cristo como dado originário. Sobre ele se apóia a fé cristã.[12] É “um fato que se coloca no centro do mistério do tempo e prefigura o último dia, em que Jesus voltará glorioso. Não sabemos os acontecimentos que nos reserva o milênio que está a começar, mas temos a certeza de que este permanecerá firmemente nas mãos de Cristo, o �Rei dos reis e Senhor dos senhores�;[13] e precisamente celebrando a sua Páscoa não só uma vez por ano mas todos os domingos, a Igreja continuará a indicar a cada geração �o� eixo fundamental da história, ao qual fazem referência o mistério das origens e o do destino final do mundo� (João Paulo II, Carta ap. Dies Domini 2)”;[14] f) A capacidade, o espírito e o sacramento da Reconciliação. Mas para encaminhar-se ao profundo são também necessárias algumas convicções, que a nós – pastores e seguidores de uma espiritualidade pastoral – interessa sublinhar. a) Antes de tudo o primado da graça. “No �mbito da programação que nos espera, apostar com a maior confiança numa pastoral que contemple o devido espaço para a oração pessoal e comunitária significa respeitar o princípio essencial da visão cristã da vida: o primado da graça. Há uma tentação que sempre insidia qualquer caminho espiritual e também a ação pastoral: pensar que os resultados dependem de nossa capacidade de agir e programar. É certo que Deus nos pede uma real colaboração com a sua graça, convidando-nos por conseguinte a investir na causa do Reino, todos os nossos recursos de inteligência e de ação; mas ai de nós se esquecermos que �sem Cristo nada podemos fazer� (cf. Jo 15,5)”.[15] b) A força da santidade. “Terminado o Jubileu, volta-se ao caminho ordinário, mas apontar a santidade permanece de forma mais evidente uma urgência da pastoral”;[16] c) Uma espiritualidade de comunhão. A Igreja, casa e escola de comunhão, procure o acolhimento do irmão à luz da Trindade, o fiel no corpo místico, as diferentes vocações; rejeite as tentações individualistas; busque o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. “Antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover a espiritualidade da comunhão, elevando-a a princípio educativo em todos os lugares onde se plasma a pessoa e o cristão, onde se educam os ministros do altar, os consagrados, os agentes pastorais, onde se constroem as famílias e as comunidades. ‘Espiritualidade da comunhão’ significa em primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor. Espiritualidade da comunhão significa também a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do corpo místico, isto é, como �um que faz parte de mim�, para saber partilhar as suas alegrias e seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver antes de mais nada o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um �dom para mim�, como o é para o irmão que diretamente o recebeu. Por fim, a espiritualidade da comunhão é saber �criar espaço� para o irmão levando �os fardos uns dos outros� (Gl 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram a competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento”;[17] d) Desafio da caridade – opção pelos pobres, estilo cristão de ação – papel preponderante dos leigos. “Tudo isso há de ser naturalmente realizado com um estilo especificamente cristão: compete sobretudo aos leigos, no cumprimento da vocação que lhes é própria, fazerem-se presentes nestas tarefas sem nunca ceder à tentação de reduzir as comunidades cristãs a agências sociais. De modo particular o relacionamento com a sociedade civil deverá verificar-se no respeito da sua autonomia e competência, segundo os ensinamentos da doutrina social da Igreja”.[18] Eis, portanto, exploradas as duas direções de marcha: para o mar aberto e em profundidade. Devemos agora tomar de nossas barcas, para fazer-nos ao largo e lançar as redes. “As nossas barcas” são as instituições educativas e as presenças pastorais, a AJS, as associações laicais salesianas e as comunidades consagradas. As instituições educativas e as presenças pastoraisSão estas as realidades salesianas mais numerosas, e as primeiras em que se empenhou a Congregação quando se lançou ao mundo. Surgem as escolas e os centros de formação profissional, que oferecem a oportunidade de comunicar uma cultura org�nica, de formar a mente e a consciência, de propor uma síntese entre o humanismo e o Evangelho. As escolas salesianas devem mostrar nitidamente o seu caráter e as suas inst�ncias formativas, como a paideia e a humanitas, isto é, a educação ao melhor humanismo, a educação da consciência, a proposta da verdade contra o indiferentismo, a valorização da dimensão ética, o aprofundamento da fé e da razão, a paixão cultural que dê lugar a iniciativas que arrastam. É verdade que muito se deve conceder à liberdade, entretanto o que nos interessa é saber fazer uma proposta: que os jovens não estejam apenas no elenco das coisas que devem ser feitas, os horários que se devem preparar, as refeições que é preciso distribuir, mas que eles nos vejam sobressair no cuidado atento pelos que têm sede de verdade e fome de justiça. A formação de colaboradores, animadores, jovens idealistas, voluntários... deverá ocupar um lugar eminente no projeto educativo pastoral. Estamos numa curva. E nada mais perigoso que a leviandade de pensamento. Houve algum doutor que pensava que a corrupção dos costumes advinha da corrupção da mente: que não estava errado demonstram-no os nossos dias com as suas opções individualistas de verdade. Também nas presenças pastorais e missionárias juntamente com a apresentação, a difusão e o primeiro anúncio da Palavra de Deus, deve ser cuidada uma formação completa dos que podem influir na comunidade: catequistas, animadores, membros de conselhos paroquiais, e semelhantes. Ainda hoje a escola salesiana é antes de tudo educação à racionalidade por meio da cultura crítica, tal como se exprime e se estrutura no estatuto epistemológico de cada disciplina. Por seu lado, o Papa na Praça de São Pedro, durante o primeiro encontro nacional da escola católica de 1991, relembrou que “o primeiro empenho da escola católica é o de ser escola, isto é, lugar de cultura e de educação, de cultura que mire à educação”.[19] O problema, portanto, para o hoje do carisma salesiano na escola, é o empenho de todos nós para que a salesianidade passe a ser de espírito animador das pessoas a princípio e critério na produção de cultura nova e específica para a escola e na escola. Parafraseando conhecida frase de Dom Bosco, podemos dizer que uma escola é salesiana quando os conteúdos culturais que nela se transmitem são salesianos. Um segundo elemento forte da nossa tradição educativa escolar o encontramos na assembléia nacional sobre a escola católica de 27-30 de outubro de 1999, que individuou, na renovação do sistema escolar formativo, já há muito em ação, �a passagem de uma escola substancialmente do estado para uma escola da sociedade civil”.[20] Chegou-se a esta formulação porque amadureceu a convicção de que o direito de educar pertence antes de tudo à pessoa humana enquanto tal, e portanto o sujeito ‘educante’ por natureza é a pessoa humana. Igreja e Estado, congregações e instituições, são complementares, e devem oferecer um serviço diferenciado a tal potencialidade originária, para que a pessoa se torne capaz de exercitar esta sua insubstituível obrigação. Tratar-se-ia hoje de tornar a sociedade civil capaz de dar-se escolas próprias. Nós havíamos manifestado isto em nossa tradição educativo-escolar com duas expressões características: “escola popular” e “espírito de família”, entendendo por popularidade a atenção privilegiada a determinados sujeitos, e, por espírito de família, o primado educativo da bondade (da amorevolezza). Hoje a escola popular é chamada a ser critério do fazer cultura e do gerir estruturas. E o hoje do espírito de família, para os salesianos, seria sobretudo a “profissionalização escolar dos pais”, isto é, a promoção dos pais para uma presença competente na escola. O Movimento Juvenil Salesiano (no Brasil, AJS) Suas raízes são, na origem, as companhias. Mas sua realidade atual começou há 20 anos, com o ingresso dos “adolescentes adultos” �no programa da nossa Pastoral da Juventude e com a sua vontade de empenhar-se com Dom Bosco. Os encontros – de 1988, de 1992, de 1994 e de 2000 – sublinharam a dimensão mundial, passando de simples proclama a programa de valores, sucessivamente explicitados em aspectos de inspiração e de prática diária. Prop�s-se como caminho comum a Espiritualidade Juvenil Salesiana (SJS). As mensagens jubilares do Reitor-Mor revigoraram a unidade entre os vários grupos do mundo, marcada por intenso sentido de referência e de pertença. Dentro da AJS surgem e se formam animadores, agentes pastorais e voluntários que entendem inspirar-se na caridade pastoral de Dom Bosco e tornam-se campo fecundo para as vocações. A AJS existe e atua como fermento em nossas instituições educativas e pastorais. Exorto para que onde ainda não existe, seja iniciada e articulada. Pude ver o fruto da sua presença em escolas, oratórios e paróquias e onde haja um salesiano que a anime. Mas a AJS vai muito além: é possível suscitá-la em paróquias, dioceses, ambientes escolares externos, bairros. Mais do que um espaço contínuo e material, ela é uma co-ligação de grupos. Em todo os casos, se deve salvar a prioridade da formação humana e cristã: a pessoa que deseja aderir deve estar disposta a fazer uma caminhada formativa. Quando isso não se der, falir-se-á na pesca, mesmo que se trabalhe a noite inteira. Para obter algum resultado é preciso empenhar-se com seriedade na formação dos dirigentes, dos animadores, dos treinadores, e de outros que tais. O mesmo se diga dos assim chamados movimentos civilmente reconhecidos, nos quais apresentamos uma identidade humanística aberta ao religioso. No ‘Forum MGS 2000’ do Colle Don Bosco, em conjunção com a Jornada Mundial da Juventude, resumi o estado atual da AJS, movimento que desejo tornar conhecido de todos, porque já constitui uma plataforma segura de abordagem e relançamento. “A última fase do desenvolvimento da AJS (MGS) se caracteriza fundamentalmente por três linhas de atenção. a) A Espiritualidade Juvenil Salesiana (EJS), da qual se tomou cada vez mais consciência e conhecimento. Sua formulação em alguns núcleos fundamentais, seu estudo e reflexão, a tentativa de testemunhá-la na vida concreta, respondem ao desejo dos jovens que buscam um estilo de vida cristã, inspirado no carisma salesiano, num mundo pluralista e globalizado, confuso e inquieto, com multíplices modelos e propostas freq�entemente contraditórias, com sérios problemas de consciência e de sentido. b) O cuidado pela comunicação cada vez mais freq�ente e cada vez mais qualificada, com a criação de pontos de referência e de coordenação nos vários níveis e em raios cada vez mais amplos. Os níveis nacionais criaram os próprios órgãos de co-ligação e os próprios momentos de encontro, com um protagonismo cada vez mais crescente dos jovens. Também em nível mundial cresceu essa mútua e profícua comunicação. No ano de 1988, centenário da morte de Dom Bosco, o AJS (MGS) se manifestou com vivacidade e cresceu na consciência da própria identidade. Realizaram-se na Europa o “Confronto ‘92” e o “Confronto ’99”, juntamente com outros encontros semelhantes tanto na América Latina quanto na Ásia. Há enfim o Forum 2000 em nível internacional. Comunicação qualificada, portanto: porque se começamos com momentos de festa – e a esse aspecto não devemos nunca renunciar, porque faz parte da nossa espiritualidade –, aportamos no confronto e na troca a respeito dos temas substanciais da nossa espiritualidade, deixando-nos interpelar também pelos desafios de nosso tempo a que, por sermos educadores e animadores, somos chamados em causa. c) A formação dos animadores e das animadoras. Na Comunicação da EJS, na tradução em itinerários educativos diferenciados, na co-ligação em nível local, nacional e internacional, têm particular import�ncia os animadores e as animadoras. Por isso, é um sinal positivo a passagem da preparação rápida e intermitente à sistemática; da preparação ocasional à projetada e pensada. Gostei de participar, em algumas partes do mundo, do momento em que se projetava o plano de formação dos animadores, com programação pluri-anual, com a indicação precisa dos objetivos, conteúdos e experiências... De tudo quanto afirmamos até aqui, podemos dizer que a AJS não é um desejo ou sonho; é uma realidade! Vejo-a nas visitas aos diversos continentes, nas quais às vezes me encontro com toda a realidade do movimento em sua globalidade de expressão; outras vezes com os que de modo mais consciente e explícito fizeram a própria proposta salesiana e constituem o “núcleo animador”, como os jovens presentes ao Forum, representando tantos outros e outras colegas. a) De fato, este Movimento é um movimento “juvenil”, formado em sua maioria por jovens, que entretanto não desdenham nem menosprezam a presença e a amizade dos adultos, consagrados e leigos, que caminham a seu lado. É juvenil pelo estilo e pela modalidade de animação e de envolvimento. Em muitos lugares constituiu-se uma “Consultoria” de jovens, que funciona com regularidade e que zela também pela presença e a representação dentro da Igreja local. b) É um Movimento “educativo” original, isto é, possui diversos níveis de identificação e de pertença, e variada intensidade de participação e de envolvimento. Participam dele todos: crianças, rapazes, jovens e também adultos. E juntos nos educamos e formamos. Para muitas pessoas a AJS se torna o lugar de recarga de energia, de ida às fontes da espiritualidade, de identificação com alguns valores fundamentais que eles devem depois traduzir em opções concretas de vida. c) É um Movimento “mundial”. Havia no Forum um sinal evidente de sua internacionalidade. Mas é muito mais extenso do que as representações� convocadas e reunidas naquele evento. Tudo isto é uma grande oportunidade para trabalhar em “rede”, operando em favor de todas aquelas causas que se referem� à dignidade da pessoa, à promoção dos jovens, à solidariedade com os pobres, à nova evangelização. A mundialidade pode ser também a ocasião para a formação de “gemellaggi” entre grupos e países, associações e obras; e ainda para individuar possíveis sinergias e colaborações com as Igrejas locais e com as instituições civis”.[21] As associações laicais salesianasOuvimos mais de uma vez a avaliação de João Paulo II sobre a import�ncia do laicato no novo milênio. Temos os Cooperadores Salesianos, que percorreram um caminho na direção da autonomia e da comunhão. Eles são o protótipo do salesiano no mundo. O modelo do Cooperador não é tão pequeno nem tão rígido que se devam inventar outras categorias para fazer emergir pequenos tratos setoriais: podem existir cooperadores voluntários, os que se dão ao estudo, os que se dão maiormente à contemplação, os que são pais de salesianos, que Dom Bosco considerava os primeiros e principais dos seus cooperadores. E podem assim revestir aspectos variados e assumir programas diferentes. Deve-se de preferência evitar qualquer “fragmentação dialética”. É válido, por isso, o apelo à comunhão. Mais conjuntivamente, o ano jubilar foi fecundo também para a Família Salesiana. � Carta de Comunhão, que convidava e motivava os grupos a tornar-se aut�nomos em sua subsistência e abertos à comunhão bilateral, multilateral, de família inteira, acrescentou-se a Carta da Missão, estudada por todos os Conselhos gerais dos vários ramos da Família Salesiana. Como se afirmou várias vezes autorizadamente, a Família Salesiana não é em primeiro lugar e principalmente uma espécie de “macro-organização”. Não queremos fazer mais do que podemos. Trata-se de favorecer e amadurecer uma atitude motivada, uma cultura, pelo que – em base aos grupos e forças que existem num contexto escolhido para a ação, e exeq�ível – os mesmos grupos e as forças constroem sinergias, organismos ocasionais, e semelhantes, segundo os princípios da flexibilidade e da funcionalidade: nada de burocracia, de representatividade vazia ou cousas do gênero. É já chegado o tempo de fazer funcionar essa Carta, com algumas iniciativas exemplares. Temos a seguir a notável teoria de afeiçoados Ex-Alunos, que leva para a sociedade os valores cristãos e educativos salesianos. Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora, leigos capazes de orientação e de pensamento, todos são chamados a preparar os animadores destas associações e suas iniciativas. Queremo-las proféticas, eloq�entes, presentes, particularmente em favor dos jovens e dos pobres. Queremo-las atualizadas, em formação permanente, produzindo cultura. As comunidades consagradasJá está claro e não há nenhuma dúvida histórica: Dom Bosco quis consagrados para animar a sua Família, vivendo em comunidades visíveis, e possivelmente comunidades que chamassem a atenção, como era a de Valdocco. Em tal comunidade religiosa, sacerdotes e irmãos vivem em contacto muito estreito, comunicando-se a riqueza da própria identidade. O irmão leigo salesiano (coadjutor), diferentemente do confrade ou do irmão leigo de outras congregações religiosas, nasceu e se plasmou em proximidade recíproca, em comunicação mútua e em colaboração com o irmão salesiano sacerdote. Quis Dom Bosco que na direção da comunidade se empregassem os dons sacerdotais: estes não se exercitam nem comunicam somente nos momentos rituais. Trata-se da graça sacerdotal de Cristo que faz do sacerdote, de modo permanente, uma referência a Ele, cabeça e fundamento da comunidade, como afirma o artigo 55 das Constituições SDB: “O diretor representa Cristo que une os seus no serviço do Pai. Está no centro da comunidade, irmão entre irmãos, que lhe reconhecem a responsabilidade e autoridade”.[22] Um rito perdura por um tempo limitado e é claro que comunica graça. O sacramento reveste toda a vida: é como uma contínua celebração da graça e para uma� graça. O nosso serviço educativo reserva aos irmãos salesianos leigos largos espaços, espaços que hoje se alargam ainda mais: educativos, administrativos, técnicos, de manutenção. O ponto fundamental é a formação profissional; mais ainda, porém, o espírito religioso, o desejo da santidade e o serviço aos irmãos e aos jovens. Disto depende também a fecundidade de uma pastoral vocacional capaz de atrair candidatos para a vida religiosa. As direções para a profundidade fecunda, onde a pesca é possível – não só apoiada, mas garantida pela presença do Ressuscitado –, orientações que despertam a esperança e a confiança provocada pela contemplação do rosto do Senhor ressuscitado, objetivos que se produzem num concreto programa de vida, de testemunho e de anúncio, são sobretudo: a) a santidade. “Em primeiro lugar não hesito em dizer”, escreve ainda o Papa na Novo Millennio Ineunte, “que o horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade .... É preciso redescobrir , em todo o seu valor programático o capítulo V da Constituição dogmática Lumen Gentium, intitulado �vocação universal à santidade�. Se os Padres Conciliares deram tanto relevo a esta temática, não foi para conferir um toque de espiritualidade à eclesiologia, mas para fazer sobressair a sua din�mica intrínseca e qualificativa. A redescoberta da Igreja como mistério, ou seja, como �um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo�, não podia deixar de implicar um reencontro com a sua �santidade�, entendida no seu sentido fundamental de pertença �quele que é o Santo por antonomásia , o �três vezes Santo� (cf. Is 6,3) .... Na verdade, colocar a programação pastoral sob o signo da santidade é uma opção carregada de conseq�ências. Significa exprimir a convicção de que, se o Batismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contra-senso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma religiosidade superficial. Perguntar a um catecúmeno: �Queres receber o Batismo?� significa ao mesmo tempo pedir-lhe: �Queres fazer-te santo?�. Significa colocar na sua estrada o radicalismo do Sermão da Montanha: �Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai celeste� (Mt 5,48)”;[23] b) a oração. Quem sabe muitos cristãos, também consagrados, perderam o sentido, o valor e o hábito da oração. Talvez não meditem mais nas palavras do Senhor a tal respeito, nem no princípio inspirador da possível, autêntica oração, que é o Espírito. Não estranha pois que se vejam mais muçulmanos em oração... e talvez nos queixemos de sua presença com mesquitas. Em outros tempos, diz a exortação Vita Consecrata, soube a espiritualidade dos religiosos ensinar, de forma fácil ao povo simples, a cuidar de formas, sistemas e escolas de oração, até traduzir-se em autêntica espiritualidade popular. A mesma Exortação faz votos para que também hoje os religiosos pastores sejam mestres e guias para formas simples e difundidas de devoção e de educação à oração. ContemplaçãoMaria não estava na praia. Nem na barca. Mas ela certamente acolheu, mais do que todos os fiéis, o convite do Senhor: Duc in altum! �Acolheu-o no espírito, sem entretanto ausentar-se da história. Atesta-o a oração do Magnificat, que abraça toda a história passada, presente e futura: “A minha alma engrandece o Senhor e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador, pois ele viu a pequenez de sua serva, eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita. O Poderoso fez por mim maravilhas e santo é o seu nome! Seu amor de geração em geração, chega a todos que o respeitam. Demonstrou o poder de seu braço, dispersou os orgulhosos. Derrubou os poderosos de seus tronos e os humildes exaltou. De bens saciou os famintos e despediu, sem nada, os ricos. Acolheu Israel, seu servidor, fiel ao seu amor, como havia prometido aos nossos pais, em favor de Abraão e de seus filhos para sempre”.[24] O Magnificat exprime a confiança que dissipa todo o temor: “O Senhor é bondade e poder para aqueles que nele confiam”. Mas é sobretudo no acontecimento do natal de Jesus que Maria se manifesta como o modelo dos discípulos, chamados “ao mar aberto e para o profundo”. Na página que relata o nascimento do Senhor, sublinha Lucas o conhecimento variado que os diversos personagens possuíam da encarnação, que é como que a chave para viver na fé todos os outros acontecimentos da vida pessoal e social. Os Pastores devem dirigir-se ao local onde se dá o nascimento, e onde se pode obter um testemunho direto. Ficam um pouco de tempo. Ouvem Maria. Depois partem. E referem quanto foi dito a eles a respeito do menino. Eles não possuem uma experiência pessoal dos fatos anteriores, como a anunciação e o nascimento virginal. Nem mesmo assistiram à sua chegada. O povo se admira de quanto lhe contam os pastores. Não é ainda a fé que ele exprime. Está apenas dominado por aquele interesse inicial, por aquela curiosidade pelo maravilhoso, na qual a fé pode ter seu início. “Maria entretanto conservava todas essas coisas, meditando-as em seu coração”.[25] Maria não precisa deslocar-se para o local da natividade. Ela faz parte do evento. Não precisa ouvir de outros como o fato se deu e qual o seu significado. Ela conserva a memória de todas as promessas feitas à humanidade, como decanta o Magnificat, e está consciente de que Aquele que cresceu em seu ventre é obra do Espírito Santo. Uma vez contemplado o menino, não se afasta Maria como os pastores do lugar do acontecimento. Permanece. Não pode afastar-se. Onde quer que Jesus se encarne, ela aí se torna indispensável. Não pode ainda compreender todos os significados que se desprendem, nem tampouco enumerar todas as energias que brotam da encarnação. Significados e energias se hão de revelar ao longo da vida de Cristo e ao longo de todos os séculos. Conserva entretanto Maria em seu coração a lembrança do acontecimento, e guarda-o com amor, medita-o, dá-lhe atenção, e na hora oportuna saberá repensá-lo para dele extrair sempre novas conseq�ências. É a figura da Igreja e do seu relacionamento com o natal e o crescimento de Cristo no mundo e em cada povo. Também a Igreja é parte do evento da encarnação e ali permanece onde quer que Jesus se introduza e se torne boa notícia. Ela também não sabe ainda tudo quanto os tempos lhe hão de revelar a respeito de Cristo. Guarda porém em seu coração e memória, um acontecimento que a ilumina: Jesus, a Palavra de Deus que se fez Homem. Dele já conhece alguma coisa, outras coisas ela apenas entrevê; alguma coisa já compreende, mas outras são-lhe ainda obscuras: se lhe devem revelar. Isto serve para alegrar-se interiormente, manter a serenidade, trabalhar e orientar-se. Entretanto não se afasta de Cristo. Fala dele. Testemunha-o. Anuncia-o. Esta é a meditação de Lucas, que pode oferecer-nos também a nós alguma deixa de meditação sobre a nossa própria espiritualidade pastoral. Não podemos ser apenas visitas, turistas, da Palavra e do Mistério de Cristo. É preciso ser como Maria que apreende toda a verdade de Cristo, guarda-a na mente e a medita sem cessar. Conta-se na história da Igreja com muitas figuras de evangelizadores de primeira plana. Todos “meditadores” pacientes da Palavra. O que aprofundaram na oração e no estudo exprimem-no na pregação, nos escritos, na condução da comunidade cristã, na orientação das almas. Comunicar o evento de Cristo é a nossa profissão e a finalidade da nossa vocação. Havemos de ser especialistas, não tanto pelo uso dos meios técnicos, mas porque dele nos aproximamos com calma e tempo, extraímos luz para nossa vida pessoal, confrontamo-lo comunitariamente com quanto observamos em nosso ambiente: isto se chama interioridade. A encarnação, isto é, a presença salvífica de Deus na vida dos homens através de Jesus, será para nós, além de objeto de meditação, também o critério pastoral supremo. Isto supõe três coisas: - a nossa disponibilidade em assumir com prontidão as realidades que devemos evangelizar, inserindo-nos no povo a que somos enviados e compreendendo na fé a sua cultura; - a convicção de que em tudo o que cresce do ponto de vista humano há uma misteriosa presença de Deus e que cada revelação de Deus produz um crescimento em humanidade; - o esforço para individuar as expectativas e as interrogações das pessoas e dos povos, em nosso caso sobretudo dos jovens, que suspiram pelo advento do Redentor.[26] Outro ícone ajuda-nos a descobrir o papel exemplar de Maria: Maria aos pés da cruz. Maria aos pés da Cruz nos lembra a salvação da qual desejamos ser sinais e portadores: salvação que provém da redenção de Cristo, que abre de par em par as portas a Deus para dele recebermos a plenitude da existência. Pomos em andamento muitas iniciativas em favor dos jovens e dos adultos, mas todas deverão ser poderosamente orientadas para aquela que é principal, fermentadas todas pela do nosso lema “Da mihi animas”: a salvação em Deus; salvação que está no centro da obra de Jesus. Com Maria aos pés da Cruz descobrimos quais são as energias para a transformação que Deus deseja operar em nós e em nossas comunidades: a água e o sangue, a reconciliação e a eucaristia. A liturgia que vivemos é toda moldada em pedagogia sacramental. As páginas evangélicas e os itinerários litúrgicos propõem de mil maneiras esta pedagogia. Maria aos pés da Cruz nos revela os valores da comunidade, na qual se realizará o nosso serviço, daquela comunidade que está presente ao sacrifício de Cristo de forma singular e diferente dos outros expectadores. É portadora da memória, e só ela compreende o sentido. É mais que um “grupo”: é o espaço em que Deus revela a sua salvação. Pensamo-lo das comunidades educativas que animamos, da Família e do Movimento Salesiano, das Igrejas: zelamos por sua referência a Cristo, pela unidade no amor e pela ação. Com elas invocamos e aguardamos o Espírito, ficamos atentos aos seus sinais e �partimos� para mais além”.[27] Maria navega para as profundezas do mistério, inspirando nele a sua vida pessoal e a sua fé pública. Um ícone para todos nós! [1] Lc 5,4 [2] Lc 5,1-11 [3] NMI 58-59 [4] NMI 58 [5] Jo 14,6 [6] Jo 18,37 [7] Cf. NMI 24 [8] NMI 29 [9] SC 10, apud NMI 35 [10] Mc 16,2.9; Lc 24,1; Jo 20,1 [11] NMI 35; cf. Jo 20,19-23 [12] Cf. 1Cor 15,14 [13] Cf. Apc 19,16 [14] NMI 35. [15] NMI 38 [16] NMI 30 [17] NMI 43 [18] NMI 52 [19] CEI, La presenza della scuola cattolica in Italia, La Scuola, Brescia 1992, p. 13. [20] Centro Studi per la Scuola Cattolica, Per un progetto di scuola alle soglie del XXI secolo. La scuola cattolica in Italia. Secondo rapporto. La Scuola, Brescia 2000, p. 61 [21] Cf. Forum MGS 2000, Colle Don Bosco [22] C 55 [23] NMI 30-31 [24] Lc 1,46-55 [25] Lc 2,51 [26] Cf. J. E. Vecchi, Spiritualità salesiana. Temi fondamentali. Elledici, Leumann (Torino) 2001, pp. 207-210 [27] Ib. p. 217 |