«Esta é a minha oração depois de haver visitado mais de cem nações onde há presenças salesianas
e conhecido uma realidade tão incrível, tão fascinante, tão preciosa, tantas vezes tão dolorosa»
Uma calorosa saudação, amigos e leitores do Boletim Salesiano. Há poucos dias, celebrámos a festa de Dom Bosco, de modo diferente dos anos anteriores porque a pandemia não desapareceu e condiciona muitas coisas. Pois bem, também nesta situação devemos saber ler as luzes e os focos de esperança que estão presentes.
Na noite do dia em que celebrou a Primeira Missa em Castelnuovo, com sua mãe, pelos caminhos da sua infância, João Bosco regressou aos Becchi. Lá vão os dois juntos, o filho consagrado e a mãe, cheia de fervor e de felicidade. Dupla maravilhosa que percorria o caminho que sobe a colina: sobre eles certamente velavam os anjos. Então João recitou o seu Magnificat pessoal: «Quando me aproximei dos lugares onde tinha vivido como criança, e revi o local onde havia tido o sonho dos nove anos, não pude conter a emoção. Disse: Como são maravilhosos os caminhos da Providência! Deus levantou verdadeiramente da terra um pobre rapaz, para o colocar entre os seus prediletos».
E no espírito do Magnificat, decidi partilhar convosco a oração do título, que é o meu modo de rezar nestes últimos anos. Nos últimos seis anos, antes da pandemia, tive a preciosa e empenhativa oportunidade de visitar cem nações do mundo onde há presençaas salesianas, quer dos SDB quer da Família Salesiana em geral. E conheci uma realidade tão incrível, tão fascinante, tão preciosa, tantas vezes dolorosa, que a minha oração quotidiana, quando regressei a Roma, era sempre esta: “Senhor, que eu nunca deixe de me maravilhar”.
Eis porque peço ao Senhor que me ajude a não deixar de me maravilhar, porque a estupação me torna mais grato a Deus, à vida, e àqueles que fizeram tanto em favor dos outros, dos quais, nas minhas visitas de animação, só fui uma testemunha, como que um notário. Os sonhos missionários de Dom Bosco cumpriram-se e foram muito além daquilo do que ele mesmo haveria podido sonhar.
Ao mesmo tempo, tenho medo de me habituar a muitas coisas, como o facto de que o número de mortos por Covid seja só uma curiosidade de números, quando por detrás daquelas mortes há tantas histórias dolorosas e muitas vezes histórias de vidas maravilhosas. Não quero habituar-me à dor causada pelas migrações e pelas mortes no Mediterrâneo pelo desejo de chegar à Europa, ou às fronteiras e aos rios de várias nações, na tentativa de chegar ao norte.
Não quero deixar de estar ferido pelos abusos das máfias que exploram as pessoas, que as enganam com a promessa de uma vida melhor e despois sujeitam essas pessoas, muitas vezes mulheres e adolescentes, a uma vida de prostituição e de abusos sem qualquer perspetiva de libertação.
Não quero habituar-me a pensar que não se pode fazer nada nas nossas sociedades.
Não quero habituar-me a ver filas e filas de pessoas à espera de um prato de comida nas nossas grandes cidades do “primeiro mundo”, com histórias muito dolorosas.
Quero permanecer sensível a isto como sensível é toque de uma ferida infetada.
Caros leitores, esta é minha simples e humilde mensagem para vós, porque sei que despertou muita consciência em tantas pessoas, e porque sei que há muitos de nós que julgam possível e realista mudar e melhorar muitas situações.
Continuo a augurar-vos um 2021 cheio de esperança, de autêntica e verdadeira esperança, convido-vos também a sonhar, a não renunciar a deixar-vos surpreender pela beleza e pela incredulidade da vida, por tantas histórias únicas e, ao mesmo tempo, a não habituar-vos àquilo que não deveria existir.
Obrigado por terdes permanecido ao nosso lado como amigos, acreditando que um mundo melhor é possível.